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2.2 HABILIDADES PARA O ESTUDO

2.2.1 A compreensão de habilidade na pesquisa

2.2.1.1 Personalidade e temporalidade

Na Psicologia Histórico-Cultural, a personalidade tem sido uma categoria central para a compreensão do desenvolvimento humano, sendo discutida por diversos autores, como, por exemplo, Vygotsky (1997), Leontiev (1989) e Bolzovich (1987). Nas contribuições mais

recentes, consideram-se as de Bermúdez e Rodríguez (2018), Fariñas (2007) e González et al. (2001).

A reflexão acerca da relação entre personalidade e tempo contribui para exaltar a importância do tempo na existência humana. Como se discute no Enfoque Histórico-Cultural, a personalidade se forma e se desenvolve na atividade e na comunicação, no contexto sócio- histórico, as quais são produzidas no tempo.

De acordo com González et al. (2001), o homem, quando nasce, é um indivíduo, mas não uma personalidade. A personalidade, como dito anteriormente, se forma e se desenvolve na atividade e no processo de comunicação com os outros. Nesse sentido, faz-se necessário diferenciar indivíduo de personalidade.

Leontiev (1989, p. 142, tradução nossa) estabeleceu que “o conceito de indivíduo expressa indivisibilidade, integridade, particularidade de um sujeito concreto”. Segundo ele, o que se costuma chamar de indivíduo é um ser que apresenta diferenças em relação aos demais representantes de sua espécie. Na mesma linha de pensamento, Bolotova (2006) entende por indivíduo um representante único da raça humana que existe independentemente do mundo circundante. Na concepção de González et al (2001), o termo indivíduo se refere à integridade e particularidade de um sujeito concreto que manifesta qualidades desde os anos iniciais de sua vida, distinguindo-o dos demais. Para esses autores, indivíduo é qualquer ser concreto de uma espécie. Baseando-se nesses autores, entende-se por indivíduo um representante único da raça

humana, que apresenta características diferentes dos demais representantes de sua espécie e existe independentemente do mundo circundante.

Sujeito, como descreve Bolotova (2006), é um indivíduo no aspecto de sua singularidade, ou seja, é um elemento do sistema social no presente real. Segundo Bermúdez e Rodríguez (2018), sujeito é o indivíduo capaz de refletir psiquicamente a realidade. Já Leontiev (1989) destaca que a análise do movimento da atividade e das formas do reflexo psíquico que ela gera levou à definição do conceito de sujeito concreto, de personalidade, como um elemento interno da atividade. Dessa forma, entende-se que sujeito é o indivíduo capaz de refletir

psiquicamente a realidade, como um elemento do sistema social.

Além dessa definição de indivíduo, Bermúdez e Rodríguez (2018) apresentam também a de pessoa. Conforme esses autores, “pessoa é o sujeito capaz de autorregular sua atuação de maneira mediata graças a aquisição da linguagem verbal, o que permite evitar o estímulo imediato e ser consciente de sua atuação no sentido geral” (BERMÚDEZ e RODRÍGUEZ ,2018, p. 336, tradução nossa).

O conceito de personalidade, de acordo com Leontiev (1989), expressa a integridade do sujeito vivente, representando em si uma formação integral do tipo especial, ou seja, em sua opinião, a personalidade não é constituída por um conjunto de pedaços ou de uma colônia de pólipos. Ela é uma integridade constituída no transcurso da vida do indivíduo. Por isso, não há como se falar de personalidade do recém-nascido, ou do lactante. Ainda de acordo com esse autor, “a personalidade é um produto relativamente tardio do desenvolvimento sócio-histórico e ontogênico do homem” (LEONTIEV, 1989, p.144, tradução nossa).

De acordo com González et al. (2001), ser uma personalidade não significa apenas adaptar-se ao meio, mas transformar, de maneira ativa, esse meio e a si mesmo, o que implica saber atuar, saber relacionar-se com as pessoas e os objetos circundantes de forma condizente com o desenvolvimento sócio-histórico alcançado pela humanidade.

A personalidade como uma configuração psicológica sistêmica tem um caráter único, irrepetível, uma vez que a forma como se estruturam e funcionam seus conteúdos resulta particular e diferente para cada sujeito. Ela é subjetiva, e, nesse sentido, Domínguez (2007) a destaca como componente da subjetividade humana, resultado das interações que estabelece o sujeito em um determinado contexto sócio-histórico.

Bermúdez e Rodríguez (2018), apresentando uma mesma linha de raciocínio de Bolotova e González et al. (2001), afirmam que a personalidade é uma qualidade relativa à pessoa, da mesma forma que a individualidade é uma qualidade relativa ao indivíduo. Segundo González et al. (2001, p. 52), a personalidade “é um sistema de formações psicológicas de diferentes graus de complexidade que constitui o nível regulador superior da atividade do indivíduo”. Já para Bermúdez e Rodríguez (2018, p. 336, tradução nossa) a personalidade é:

[...] uma configuração psíquica da autorregulação que surge como resultado da interação entre o natural e o social no sujeito, produto da necessidade de dominar atuações cada vez mais complexas e da possibilidade de subordinar suas necessidades mais ingentes. Manifesta-se em um estilo e tendência de atuação determinado, a partir da estruturação de relações entre as funções mobilizadora-direcional-sustentável e cognitiva-instrumental, nos planos internos e externos e nos níveis consciente e inconsciente.

Nessas definições, destaca-se a função reguladora da personalidade no sistema de atividades e na comunicação realizada nas relações sociais, no contexto de sua existência.

A função reguladora, como característica, se realiza (manifesta) nas formas indutora e executora. Na opinião de González et al. (2001), à regulação indutora pertencem, predominantemente, os fenômenos psíquicos que a impulsionam, dirigem e orientam, assim como os que sustentam as formas de agir do indivíduo, tais como as necessidades, os motivos,

as emoções, os sentimentos, os desejos, entre outros, os quais configuram a esfera afetiva da psique. Já na regulação executora, agrupam-se, essencialmente, os fenômenos psíquicos que possibilitam considerar as condições nas quais se produz o agir do indivíduo, ou seja, fenômenos como percepção, pensamento, habilidades, hábitos, entre outros, os quais pertencem à esfera cognitiva da psique. Para esses autores, quando a regulação indutora e a executora formam uma união sólida, atinge-se uma integração plena da unidade do cognitivo e do afetivo, obtendo-se um nível superior da função reguladora da psique, e, consequentemente, da personalidade.

Na opinião de Bolotova (2006), a formação da personalidade na ontogênese é determinada pela interação de duas séries de desenvolvimento: uma natural e uma social. A natural é baseada em processos biológicos de maturação e padrões de ontogênese; e a social é realizada apenas no processo de socialização do sujeito, ou seja, ocorre quando o sujeito é submetido à influência do ambiente como um todo por um longo prazo e, dessa forma, ele é apresentado às normas e às regras da existência social, permitindo-lhe assimilar a cultura por meio dos contatos interpessoais como também se autoafirmar a partir da realização e de vários papeis sociais

O desenvolvimento do indivíduo, como apontam González et al. (2001), responde à experiência individual, enquanto o desenvolvimento da personalidade responde a experiências sócio-históricas com as quais o homem entra em contato em seu sistema de relações sociais. No entanto, o desenvolvimento do indivíduo e da personalidade não podem ser vistos como dois processos independentes que são somados a partir de um determinado momento nem como processos idênticos. Para os autores, desde que a criança nasce, ela está submetida ao meio social, e seu desenvolvimento individual é mediado pelas relações sociais que conduzem à formação de sua personalidade. Em contrapartida, a formação da personalidade apresenta particularidades individuais em cada sujeito, ou seja, a personalidade individual ou individualidade.

Conforme foi destacado, a personalidade, como sistema complexo regulador no nível superior da atividade do indivíduo (GONZÁLEZ et al. 2001), se forma e se desenvolve durante a atividade e a comunicação, no conjunto das relações sociais, em condições histórico-sociais da vida, o que, por sua vez, acontece no tempo da existência humana. Sendo assim, o tempo e a temporalidade passam a ser aspectos essenciais para o homem como personalidade.

A temporalidade atua de forma significativa no desenvolvimento humano, tanto no aspecto biológico quanto na formação da personalidade do indivíduo (FARIÑAS, 2007). No entanto, as pesquisas realizadas pela Psicologia estudaram os aspectos individuais e

fragmentados das relações temporais no desenvolvimento da personalidade, não proporcionando a resolução dos problemas do tempo na ontogênese do desenvolvimento pessoal (BOLOTOVA, 2006). Bolotova (2006) destaca que é importante identificar conceitos básicos da periodização temporal do desenvolvimento da personalidade, na qual o tempo é um fator formador do sistema. Para ela, a personalidade deve ser entendida como um sistema orgânico que se desenvolve constantemente, e, durante esse desenvolvimento, as mudanças qualitativas ocorrem tanto em todo o sistema quanto em cada um dos seus elementos estruturais. O desenvolvimento da personalidade é definido, em grande parte, pela potencialidade do sujeito para a realização próxima das capacidades, das atitudes para com a cultura, com as demais pessoas, com a natureza e consigo mesmo. Essa realização é identificada como estilo próprio e acontece em condições também históricas. Em outras palavras, no desenvolvimento da personalidade, há o movimento prospectivo do sujeito no movimento prospectivo sociocultural bem como a união do tempo histórico do indivíduo com o tempo histórico geracional (FARINÃS, 2007).

No aspecto biológico e fisiológico, a antecipação do futuro é de fundamental importância na regulação do comportamento. Conforme Bolotova (2006), a capacidade psíquica de desdobrar o presente de volta ao passado e fazer previsões futuras são sinais indispensáveis do desenvolvimento mental superior do indivíduo.

Com relação à formação da personalidade, Bolotova (2006) afirma que a temporalidade é importante para o desenvolvimento e o enriquecimento ativo da essência social do indivíduo, permitindo que ele transforme criativamente suas experiências passadas, supere as limitações no presente e controle suas atividades atuais, conseguindo, dessa forma, antecipar os eventos futuros com o objetivo de regular suas atividades. Para ela, o fator tempo, os determinantes temporais e a estruturação do tempo de vida atuam como elementos integrantes na formação e no desenvolvimento da personalidade.

Bolotova (2006) acrescenta ainda que o desenvolvimento de traços da personalidade, a estrutura do caminho de vida e suas características temporais são determinados pela classe social, funções e papeis desenvolvidos pelos indivíduos na sociedade. Dessa forma, a estrutura do caminho de vida e seus pontos principais (início, meio e fim) são alterados de geração em geração e estão sujeitos à dinâmica temporal. Segundo a autora, as propriedades do desenvolvimento, inclusive a idade, funcionam com velocidades diferentes, dependendo da geração à qual o sujeito pertença, ou seja, a quantidade de conhecimento e o sistema de operações intelectuais são influenciados pelo progresso da educação e da cultura da época na qual o indivíduo se desenvolve.

Nesse sentido, Farinãs (2007, p. 62) afirma que “o estilo de vida de um sujeito X tem um vínculo essencial com o modo de vida da sociedade a qual este pertence”. Ela considera que o indivíduo é uma expressão personalizada da sociedade.

O tempo histórico, na percepção de Bolotova (2006), é um fator de suma importância para o desenvolvimento humano individual, e os eventos desse desenvolvimento (datas biográficas) estão sempre localizados em relação ao sistema de medição do tempo histórico. A variabilidade da percepção do tempo para indivíduos com mesma idade cronológica e biológica, mas pertencentes a gerações diferentes, é explicada por razões sócio-históricas, e não genotípicas.