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KOSINSKI222 fala sobre os perigos e inevitabilidade da divulgação dos dados

pessoais através da internet, não apenas no que diz respeito à privacidade individual, mas, principalmente, no ambiente propício à difusão de mensagens de ódio e preconceito. Depois de admi&r que a tenta&va de proteção da privacidade é uma causa perdida, ressalta a necessidade de construção de uma sociedade mais tolerante. E termina alertando para a necessidade de discussão de formas de garan&r um mundo seguro e habitável, em tempos de “pós-privacidade”.

221 Nas palavras de SCHWAB: “usuários passivos de uma tecnologia que não entendem” (SCHWAB, A quarta revolução industrial, pp. 76-77).

A preocupação é compar&lhada pelo matemá&co DEHAYE223, que enxerga uma

ameaça à democracia na falta de um mecanismo capaz de evitar a fragmentação do eleitorado pela polarização de mensagens nas redes sociais.

A conec&vidade do mundo atual, proporcionada pelo avanço das tecnologias de comunicação, é um obstáculo intransponível à reversão da privacidade aos níveis de algumas décadas atrás. Se é impossível a proteção da informação pela guarda ou ocultação dos dados, a solução para o enfrentamento do problema está, então, na busca de uma regulamentação do seu uso e acesso.

A transnacionalidade do tráfego de dados nas relações mais corriqueiras proporcionadas pelo uso da internet apresenta, a uma primeira análise, dificuldades aparentes na imposição de normas de conduta que ultrapassem as fronteiras da soberania de cada Estado envolvido, trazendo uma falsa impressão de um ambiente selvagem e incontrolável.

Para entender as possibilidades de regulação da internet, é preciso enxergá-la como ela realmente é: um sistema baseado em um protocolo (TCP/IP) de transmissão e receção de “pacotes” de dados eletrónicos entre dois computadores, iden&ficados numericamente na rede (ID). Apesar da aparência de um mundo virtual, o universo ciberné&co faz parte do mundo real, sujeitando-se teoricamente às mesmas leis e ao desejo de quem programa os códigos que permitem o seu funcionamento. Como adverte LESSIG, “a natureza da internet não é fruto da vontade divina, mas produto de

quem a desenhou”. E, da mesma forma, “poderia ter sido desenhada para revelar a iden&dade, a localização e as ações do usuário”224.

Medidas (legais e tecnológicas) devem ser implementadas para garan&r que dados pessoais sejam recolhidos para finalidades determinadas e legí&mas. Como previne MONTEIRO, a proteção da privacidade e segurança dos dados pessoais deve ser

pensada e implementada desde a conceção de um produto ou serviço225.

223 Apud TEIXEIRAE VILICIC, Algo de Podre no Facebook, p. 79.

224 “The ‘nature’ of the Internet is not God’s will. Its nature is simply the product of this design. The deisgn could be diferent. The

Net could be designed to reveal who someone is, where they are, and what they’re doing.” (LESSIG, Code, p. 38).

225 Pois, sem esse cuidado prévio, “somente as normas, leis e regras jurídicas podem não ser suficientes para assegurar tais direitos” (MONTEIRO, Renato Leite – Cambridge Analy&ca e a nova era Snowden na proteção de dados pessoais. El pais, ed. eletrónica (20 março 2018) [acedido em 27 março 2018]. Disponível na internet: hcps://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/20/ tecnologia/1521582374_496225.html).

No campo da norma&zação legal, é necessária a edição de leis que, por um lado, asseguram o exercício do direito à privacidade, permi&ndo ao usuário escolher (conscientemente) o uso que poderá ser dado às informações que entrega ao depositário (seja nas comunicações interpessoais, na aquisição de produtos e serviços, ou no registo em algum website ou aplicação da internet). E que, por outro, torna obrigatória a iden&ficação de quem acede a esses dados, com quem os compar&lha e com que finalidade.

No campo da tecnologia, a adoção de sistemas de protocolos que permitem superar as atuais limitações à iden&ficação de usuários e de seus atos226. A regulação

de sistemas e protocolos de uso permi&do nas relações comerciais227 pode parecer

uma ameaça ao ideal de liberdade do espaço ciberné&co. Mas, em aparente contradição, pode ser o caminho para a proteção das garan&as individuais de liberdade e privacidade dos &tulares dos dados que são transmi&dos na sua construção.

A conjugação da regulação legal com padronização tecnológica, através da edição de normas reguladoras internas e supranacionais, representa um importante avanço na garan&a da legi&midade democrá&ca228 dos Estados, na medida em que permite a

transparência dos recursos u&lizados nas campanhas e a par&cipação livre e independente de cada cidadão no processo eleitoral.

226 Como exemplo, podemos citar o blockchain, sistema u&lizado em transações com criptomoedas, que regista todas as transações realizadas em um determinado bloco de dados.

227 Abrangendo todas as formas de realização de negócios através da internet, inclusive as redes sociais, que exibem objetos de propaganda ou que captam informações de usuários para transferência a terceiros. 228 Uma democracia não apenas formal, dentro das regras de cons&tuição de cada Estado, mas plena, no sen&do de garan&r que a representação popular no governo e no parlamento corresponda proporcionalmente à vontade legí&ma de cada seguimento da população.

5 – DESAFIOS DA DEMOCRACIA EM TEMPOS DE