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PERSPECTIVAS LEGAIS DA AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: RCNEI E DCNEI

2 EMBASAMENTO TEÓRICO

2.2 PERSPECTIVAS LEGAIS DA AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: RCNEI E DCNEI

A avaliação [...] é um elemento indissociável do processo educativo que possibilita ao professor definir critérios para planejar as atividades e criar situações que gerem avanços na aprendizagem das crianças. (BRASIL, 1998, p. 59)

Na seção anterior, busquei apresentar um mapeamento de pesquisas realizadas por Glap (2013), entre os anos de 2000 à 2012 com o objetivo de fazer um levantamento do número de produções relacionadas à avaliação na Educação Infantil e os tópicos mais abordados dentro do assunto.

Observei que a produção na área apresenta temas diversificados, sendo assim, selecionei aquelas que julguei mais relevante para a minha pesquisa, as quais abordam a avaliação da aprendizagem, avaliação na Educação Infantil e a avaliação na creche. Nos três temas selecionados para a presente pesquisa, notei algumas referências aos pareceres descritivos e aos portfólios como forma de registro das aprendizagens, porém tais registros têm apresentado uma incompletude no relato do desenvolvimento da aprendizagem da criança no contexto escolar e persistem em pontuar o disciplinamento e o comportamento como caráter determinante na formação dos sujeitos. Além disso, a avaliação apresenta-se como um elemento de constatação sobre a habilidade da criança e não como um subsídio ao processo de replanejar atividades que direcionem para um pleno desenvolvimento de suas aprendizagens.

Sendo assim, a avaliação na Educação Infantil ainda precisa avançar como um processo investigativo diário de aprendizagem da criança e nessa perspectiva surge a avaliação formativa que exige um maior comprometimento do professor para observar, registrar, refletir e intervir diariamente sobre sua prática pedagógica em relação ao sujeito. Mas o que nos diz a legislação sobre a avaliação na Educação Infantil?

Neste capítulo, faço um resgate das orientações presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil (DCNEIs) e nos Referencias Curriculares Nacionais de

Educação Infantil (RCNEIs) para esclarecer aspectos relevantes quanto ao processo avaliativo.

As DCNEIs (2010), bem como os RCNEIs (1998), são documentos que reúnem orientações para subsidiar as propostas pedagógicas e curriculares da Educação Infantil. O primeiro documento está articulado às Diretrizes Nacionais de Educação Básica e reúne normas definidas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, orientando políticas, propostas pedagógicas e curriculares que devem ser observadas pelas instituições de ensino. A segunda, atende às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) e tem como meta apontar ações que contribuam para a formação integral da criança.

A criança, segundo os RCNEIs (1998, p.21), é concebida como ―um sujeito social e histórico‖, e, segundo as DCNEIs (2010, p.12), como um ―sujeito de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade‖. Por isso, é importante que o ambiente educacional e as atividades propostas sejam diversificadas, permitindo as múltiplas expressões da criança e o respeito à sua singularidade e aos diferentes contextos históricos do qual cada uma faz parte.

Para alcançar tal objetivo, as DCNEIs (2010) trazem três princípios que devem ser considerados na elaboração das propostas pedagógicas: a ética, que busca respeitar a identidade do indivíduo; a política, relacionada aos direitos e à democracia e a estética, que compõe a sensibilidade e a liberdade de expressão. Da mesma maneira, as RCNEIs (1998) apontam para a importância de respeitar as diferenças das crianças, dar a elas o direito de brincar, se expressar e interagir, ajudá-las nos cuidados básicos para a sua sobrevivência, proporcionando assim, uma diversidade de experiências, articulando a educação, o cuidado e a brincadeira, essencial na infância.

Sendo assim, as propostas pedagógicas elaboradas devem permitir que a criança tenha ―acesso a processo de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens (BRASIL, 2010, p. 18)‖. A brincadeira e a interação entre as crianças são pontos considerados como fator indissociável do processo de aprendizagem, bem como a organização de materiais, o tempo e os espaços disponíveis na instituição. Nesse sentido, as RCNEIs (1998, p. 14) pontuam que ―as crianças têm direito, antes de tudo, de experiências prazerosas nas instituições‖. Porém, como as crianças terão experiências agradáveis quando o que se observa nas instituições são procedimentos e rotinas rígidas que as crianças são disciplinadas a seguirem, tendo sempre o professor como orientador da sua conduta dentro da

escola, o que não permite que a criança construa responsabilidade sobre si, independência e autonomia.

Corroborando com tal argumento, Hoffmann (2014a, p.12) afirma que ―todas as crianças têm direito a conviver em um ambiente livre de tensões e pressões, independente de sua origem social‖. No entanto, as crianças estão sempre sendo controladas e direcionadas a procederem de acordo com as normas estabelecidas e esse processo de rotina, sequência de atividades e disciplinamento a que são submetidas diariamente se tornam visíveis quando tomam forma na escrita dos pareceres descritivos, revelando um modelo de avaliação que não condiz com os propósitos dos documentos norteadores da Educação Infantil.

Nessa perspectiva, ao buscarmos as orientações sobre a avaliação na Educação Infantil, vemos que as DCNEIs (2010, p. 29) apontam a importância de se ―criar procedimentos para o acompanhamento do trabalho pedagógico e para a avaliação do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de seleção, promoção ou classificação‖. A partir daí, o documento mostra detalhadamente todos os procedimentos necessários para avaliar de maneira adequada, atendendo a todos os aspectos da infância.

Dessa forma, é citada a importância de observar criticamente as interações das crianças nas atividades propostas; utilizar diferentes instrumentos de registros para uma documentação minuciosa, pois os RCNEIs (1998, p. 58) afirmam que ―a observação e o registro se constituem nos principais instrumentos de que o professor dispõe para apoiar a sua prática‖ e que permite às famílias perceber o trabalho pedagógico desenvolvido na escola e o meio pelo qual a criança constrói o seu conhecimento.

Como se pode observar, a avaliação não é um simples olhar e montar um mesmo esquema de descrição para os alunos, ela envolve muito mais do que isso, é se comprometer diariamente em observar as etapas conquistadas pelas crianças, é buscar referências para articular as atividades com as fases de desenvolvimento, é fazer anotações para acompanhar as evoluções e as dificuldades e relacionar imagens como prova desse processo de aprendizagem, por isso, a avaliação exige uma grande disposição do docente em estar atento ao comportamento do aluno durante as atividades propostas.

Ainda examinando as DCNEIs (2010) que nos orientam para não selecionar, promover ou classificar as crianças, observamos que muitos pareceres descritivos reproduzem um mesmo modelo de narrativa de anos anteriores, avaliando o comportamento de diferentes crianças em relação a uma mesma atividade e são escritas de maneira superficial, que não esclarece detalhes das propostas desenvolvidas com as crianças em sala de aula, e fica pouco

clara para os pais. Nesse contexto, o professor tem o poder do uso da palavra para descrever o processo de aprendizagem dos alunos, porém, nota-se que os relatos partem sempre de bases comportamentais e obviamente as crianças que atendem às regras são selecionadas e promovidas pelas professoras nessas narrativas como bons ou maus alunos e classificadas com um bom ou mau desempenho dentro da instituição. Sendo assim, as professoras vão construindo a identidade desses indivíduos, como podemos constatar nesse trecho de parecer que segue abaixo.

Modelo 2 – Parecer Descritivo8

Nesse trecho de parecer, podemos observar a escrita de alguns dos comportamentos da criança, narrados pela professora, como o interesse de brincar e a falta de disposição para realizar as tarefas, além de algumas constatações ao mencionar que a criança não escreve o nome, não reconhece as letras e não identifica os numerais. Seguindo na análise, a descrição das atividades que a criança desempenha na escola é escrita de maneira bem objetiva, não há detalhes de como essas atividades foram elaboradas ou realizadas e tampouco alguma reflexão relacionada às atividades pelas quais a criança ainda não alcançou a aprendizagem, ela é simplesmente classificada dessa maneira ao final do trimestre.

O modelo de parecer seguinte é semelhante ao anterior, pois descreve comportamentos e desconsidera propostas pedagógicas e reflexões a respeito da aprendizagem.

Modelo 3 – Parecer Descritivo9

8

Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/cp147315.pdf

9

Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/cp147315.pdf

PARECER A.PE, 2T, 2009. A aluna A vem demonstrando interesse pela Escola, gostando muito de ir para a pracinha e brincar. Não tem estado disposta a realizar as tarefas de aula. Sempre espera que os colegas façam por ela. Tem verbalizado o que quer, mas algumas palavras não são entendidas. Acompanha alguns cantos. Não escreve seu nome, nem reconhece as letras do alfabeto, assim como não identifica os numerais. Tem realizado os trabalhos de recorte, colagem, pintura, desenho, quebra-cabeças, modelagem, construção de brinquedos somente com a ajuda da professora. Caso contrário, tem esperado ou pegado outros materiais que não são da atividade.

PARECER C1, 1T, 2009. O aluno C vem se desenvolvendo de maneira satisfatória, sempre atendendo as solicitações da professora, participando de todas as atividades com entusiasmo e alegria e sendo bom amigo e colegas de todos. Está sendo estimulado a cuidar mais do seu material e a ser mais caprichoso nas atividades realizadas. Realiza sempre as tarefas de casa. Presta muita atenção às ordens dadas em sala de aula.

Ao analisar esses dois trechos de pareceres, que estão disponíveis como modelos na internet, fica explícita a semelhança na elaboração das narrativas que partem sempre de um mesmo conceito independente do sujeito.

Sendo assim, a ação avaliativa dos professores têm deixado muitas lacunas, pois muitas coisas poderiam ser escritas sobre essas crianças desde que, anterior a esse momento, tivesse havido uma análise e reflexão mais aprofundada sobre sua interação em relação às propostas pedagógicas e sobre os materiais que foram capaz de produzir em sala de aula. Desse modo, observa-se a necessidade do professor de mudar a sua concepção sobre avaliação e atentar para as orientações das RCNEIs (1998, p.59), no qual ―[...] a avaliação é entendida, prioritariamente, como um conjunto de ações que auxiliam o professor a refletir sobre as condições de aprendizagem oferecidas e ajustar sua prática às necessidades colocadas pelas crianças‖. Portanto, é um instrumento que auxilia o processo, devendo ser seguido de registros diários, respeitando as especificidades das crianças e não apresentando um modelo que busque enquadrar a todas numa mesma sequência de atividades para alcançar objetivos iguais, desrespeitando a heterogeneidade da turma.

Nesse sentido, quanto maior e mais diverso o número de materiais produzidos pelas crianças, e de registros feitos, mais subsídios o professor terá para descrever detalhadamente o processo de desenvolvimento da aprendizagem na escrita dos pareceres descritivos.

Nessa perspectiva, Luckesi (2011a, p.149) esclarece que é preciso ―investigar para conhecer e conhecer para agir‖. Dessa maneira, para avaliar e escrever de um modo mais significativo sobre o desenvolvimento da aprendizagem da criança no contexto escolar e não sobre a sua personalidade, é preciso estar constantemente atenta às suas criações e interações, investigando e conhecendo seu modo único de realizar as atividades, motivando-a e intervindo quando necessário para que todas se sintam capazes de aprender, procedendo com anotações, arquivos de materiais e outras possibilidades de registros.

Nesse contexto, podemos conceber a avaliação como uma prática formativa que não se detém em avaliar as crianças, mas sim as situações de aprendizagens a que são submetidas, sendo, a observação, um fator determinante para a construção da ação educativa, pois, através desta, é possível visualizar as ―formas de expressão das crianças, de suas capacidades de concentração e envolvimento nas atividades, de satisfação com sua própria produção e com suas pequenas conquistas‖ (BRASIL, 1998, p.65).

Em tal perspectiva, os registros das expressões das crianças devem ser feitos todos os dias através de anotações, fotografias, gravações, entre outros recursos, de maneira que as

informações não se percam e que o professor possa refletir e redirecionar sua prática quando necessário. Assim, poderá compor e apresentar aos pais uma documentação pedagógica que realmente demonstre o processo evolutivo da criança na escola. Portanto, é nesse tipo de avaliação que muitos teóricos têm se debruçado em evidenciar através de suas pesquisas e que eu passo a apresentar a seguir algumas concepções.