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2 SISTEMA DE GERENCIALMENTO PESQUEIRO ARTESANAL

2.3 A pesca sob uma ótica sistêmica

Os sistemas pesqueiros aportam problemas que se caracterizam pela sua complexidade. Para serem resolvidos, esses problemas demandam conhecimentos que vão além do campo de ciências pesqueiras, como quase sempre ocorre nas áreas das ciências disciplinares. Partindo desse pressuposto, percebe-se que nas lacunas naturalmente existentes entre os campos de pesquisa, há questões cuja resposta pode ser estritamente disciplinar, e há também aquelas que exigirão maior ou menor grau de cooperação entre as disciplinas.

Quando os modelos conhecidos já não são suficientes para explicar a complexidade do mundo e suas relações, surge a necessidade de novos paradigmas. Por paradigmas entendemos uma matriz disciplinar compreendendo o conjunto de elementos práticos, ideológicos metodológicos e epistemológicos que estruturam e legitimam em certo momento um campo científico (KUHN, 2006).

Nas ciências pesqueiras, os novos paradigmas no mundo inteiro são: Áreas Marinhas Protegidas; Áreas de Pesca Comunitárias; Áreas para Pesca Artesanal; Gestão Ecossistêmica e Multiespecífica; Cogestão Comunitária e Gestão Compartilhada de Espécies Controladas; Conhecimento Ecológico Local e Código de Conduta para uma Pesca Responsável da FAO (FONTELES-FILHO, 2011).

O modelo sistêmico teve seu início na obra de Ludwig Von Bertalanffy (GRZYBOWSKI, 2010) que utilizou pela primeira vez, ao final da década de trinta, o termo Teoria Geral dos Sistemas para formular uma proposta cujos princípios genéricos na área da administração podem ser aplicáveis nas áreas das ciências em geral, quer sejam eles de natureza física, biológica ou sociológica. Este enfoque representa uma nova forma do pensar científico, uma nova maneira de perceber o mundo e suas relações; um paradigma que significa uma ruptura com as formas anteriores de fazer ciência, o que Kuhn (2006) descreveu como revolução científica. Uma concepção metodológica que centra sua atenção na análise dos sistemas em suas totalidades e regulam o funcionamento das partes ou aspectos que os integram, lhes definindo os atributos e seus componentes.

Existem duas visões da natureza a respeito desta teoria. Por um lado, tem-se a visão moderna que se prende ao século passado consolidando a separação da relação sociedade-natureza. Como consequência deste modelo passou-se a ver que mudanças na natureza não são cíclicas, mas sim progressivas. Por outro lado, figura-se a visão contemporânea, que aponta para a análise sistêmica como uma proposta de compreensão da realidade objetiva, cuja finalidade transcende as fronteiras disciplinares e conceituais da teoria cartesiana e reducionista. Ou seja, a visão contemporânea aponta para o futuro, para uma mudança de paradigma e, por fim, para a complexidade (PASQUOTO, MIGUEL, 2004; PASQUOTO, 2005).

Morin (2006) compartilha deste último ponto de vista, completando que neste, a natureza não é como uma máquina perfeita, ou uma substância, mas sim um fenômeno de auto-eco-organização complexo que produz autonomia. Ele acredita que esta concepção está abalizada no enfoque sistêmico da natureza que se contrapõem à noção cartesiana. Defende que um estado de inter-relação e interdependência é essencial em todos os fenômenos, desta forma, a análise sistêmica se apresenta como um novo paradigma.

Morin (2006) propõe ainda que a chave de toda a compreensão da visão sistêmica está no conceito de complexidade devido às suas interconexões e sugere uma compreensão da realidade fundada no entendimento das relações dinâmicas entre as partes que compõem esta realidade e a totalidade resultante da interação das partes.

Nesta conjuntura teórica, foca-se na hipótese de que as noções e conceitos sobre abordagem sistêmica sustentam a base do entendimento das complexas interações entre as populações humanas e os recursos naturais. Não obstante, autores como Cotrim e Miguel (2007) apoiam a afirmação da visão contemporânea da natureza dentro do quadro atual da ciência. Mas, ao mesmo tempo, estes autores lançam algumas críticas a este novo paradigma. Afirmam que tal visão vem gerando uma crescente crise no modelo científico hegemônico, que foi desenvolvido pelos princípios da visão moderna da relação sociedade-natureza. Essa crise de paradigma se expressa na dificuldade cada vez maior de explicação da complexidade das relações e gera uma busca de novas formas para explicar a complexa teoria sistêmica, isto é, a nova relação entre o binómio.

Apesar das oposições, a teoria se constitui em uma ferramenta útil, capaz de fornecer modelos a serem utilizados em diferentes campos e transferidos de uns para outros, salvaguardando ao mesmo tempo o perigo das analogias vagas, que muitas vezes prejudicam o avanço nesses campos. Para tanto, o enfoque sistêmico tem seu corpo de conceitos que o identifica e explica:

O conjunto de elementos em inter-relação entre si e com o ambiente. Um grupo de unidades combinadas que formam um todo organizado e cujo resultado é maior (sinergia) do que o resultado que as unidades poderiam ter se funcionassem independentemente. (BERTALANFFY, 1992, p.407). Uma entidade com componentes que covariam de maneira interdependente dentro de limites (semipermeáveis ou permeáveis) e buscam manter o equilíbrio. Como os sistemas possuem uma hierarquia entre si, um subsistema é um sistema menor, que está contido em um sistema hierarquicamente superior, mas por sua vez também contém em si sistemas menores ou hierarquicamente inferiores. (GRZYBOWSKI, 2010, p. 376).

Segundo Grzybowski (2010) o pensamento sistêmico possui fortes resquícios na história da filosofia, da religião, da psicologia e das ciências em geral. Contudo os aspectos específicos e os elementos concretos deste paradigma resultaram de investigações realizadas a partir de meados do século XX e de

postulados expressos nas últimas décadas. A partir desse momento o modelo passou a interessar os pesquisadores no mundo, vindo a afetar toda a produção científica, ocupando o lugar das teorias baseadas na termodinâmica no campo da física e o lugar das teorias mecanicistas no campo da psicologia.

Por se tratar de um modelo multidisciplinar pode ser utilizado, por exemplo, na gestão sustentável da pesca, a partir da eficácia de indicadores, que conferem maior visibilidade do sistema, podendo possibilitar uma redução dos riscos no processo de tomada de decisões (GRZYBOWSKI, 2010).

Para alguns autores (GALLOPÍN et al., 2001; UTNE, 2007; AUMOND et al., 2012) esta epistemologia representa uma maneira de pensar em termos de conexões, inter-relações e contexto. Na visão desses autores, as propriedades essenciais de um organismo, uma sociedade ou outro sistema complexo são propriedades do todo, decorrente das interações e relações entre as partes; e recomendam a consideração de um sistema como aquele constituído de subsistemas e estes, por sua vez, pertencentes a um subsistema maior, denominado ordem hierárquica. É ainda relevante no procedimento de análise, partir do geral para o detalhe (top-down), o que permite deslocar-se ora no âmbito do sistema mais abrangente, ora no âmbito de um subsistema, sem perder de vista o conjunto de inter-relações e entre seus atributos.

Aliás, as razões da análise sistêmica conforme Christofoletti (1979, p. 33) se explicam de seguinte forma:

-Responde a própria organização sistêmica do mundo material e imaterial, e, por conseguinte, do meio ambiente como objeto de estudo;

-É uma concepção que, pela essência holística, permite considerar a complexidade e o caos como propriedades e características dos sistemas; -Possibilita articular os diferentes níveis (empírico, matemático e teórico) e constitui uma ligação para converter o idioma qualitativo em quantitativo. -Permite o encontro interdisciplinar, mediante a construção de isomorfismos conceituais e terminológicos;

-Permite a elaboração de constructos, métodos e de ferramentas que servem para fins analíticos e para aplicação nas esferas do planejamento, da gestão e na elaboração dos modelos e estilos de desenvolvimento.

Assim o enfoque sistêmico emerge no campo das ciências para tentar responder às necessidades de compreensão dos elementos complexos vindos à tona a partir das novas descobertas em várias disciplinas. Neste sentido, o

conhecimento das partes individuais leva ao conhecimento do sistema como um todo (GRZYBOWSKI, 2010).

Morin (2006) trabalhou com a tese da análise sistêmica para os diversos fenômenos da natureza, sendo esses de ordem econômica, ambiental, cultural, social, política, entre outros, e propôs que os elementos não devem ser analisados de forma isolada uns dos outros e sim nas suas inter-relações, pois há uma complexidade organizada entre os elementos.

Deste modo, um estudo sistêmico que envolve a temática da pesca, necessita de uma abordagem que permita o empréstimo ao conhecimento de várias disciplinas simultaneamente, ou seja, necessita de uma abordagem interdisciplinar. Para este exercício e sistematização do processo de pesquisa multidisciplinar, a Figura 2 apresenta a visão sistêmica no contexto da pesca.

Figura 2 – Esquema hipotético de uma interdependência sistêmica no campo pesqueiro.