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3 FORMAÇÃO HISTÓRICA DA ATIVIDADE PESQUEIRA

3.1 Uma breve revisão

A atividade pesqueira é praticada desde os primórdios da humanidade, garantindo a sobrevivência dos povos ao longo dos milênios. Segundo Diegues (1983) pouco se sabe sobre a pesca nas sociedades primitivas, ainda que, segundo as indicações arqueológicas e etnológicas, ela tenha representado uma importante fonte de alimento em períodos anteriores ao aparecimento de agricultura.

O Homem primitivo era um coletor de moluscos, anteriormente a captura do pescado. Nos últimos séculos a extração dos recursos no meio aquático adquiriu caráter comercial com o desenvolvimento de técnicas de captura de larga escala, mas continua sendo fonte de subsistência para inúmeras comunidades que praticam a atividade de forma artesanal, repassando o conhecimento de seus antepassados às novas gerações. Antes de adquirir uma verdadeira importância econômica, contudo a pesca sempre foi uma atividade de subsistência. O seu desenvolvimento está historicamente ligado ao progresso da navegação, o qual permitiu a sua expansão para os grandes litorais pelo mundo (DIEGUES, 1983).

Na antiguidade clássica vigorava o princípio da liberdade de uso do mar para todos, do qual Maris communem usum omnibus hominubis era a sua expressão mais enfática. Isto é, a liberdade do Dominium Maris romano, que se estendia a toda a costa do Mar Mediterrâneo, que na época era considerado como o mar econômico e politicamente mais importante de toda a antiguidade. Foi à sua volta que as principais civilizações ocidentais nasceram e se desenvolveram. Como limitação ao princípio da liberdade de uso do mar, Roma exercia poderes gerais de policiamento e de regulação de todas as atividades econômicas que se exerciam no Mediterrâneo, inclusive o exercício da pesca. Sob a força do Império e sobretudo a partir da aparição do cristianismo, o consumo de peixe era considerável. Embarcações ligeiras faziam trajetos entre a Sicília e Óstia (Itália) carregadas de pescado que já eram conservadas em azeite (DIEGUES, 1983; DJABULA, 2010).

Na Idade Média a atividade pesqueira conheceu um grande avanço, podendo ser identificado em dois momentos: o primeiro marcado pelo período em que a pesca era realizada no interior das propriedades feudais, constituindo em

uma atividade ligada à agricultura e praticada em grande parte nos lagos, lagunas e zonas costeiras; Já no segundo momento, a pesca passou a ser praticada, sobretudo nas cidades medievais, pelas unidades políticas dela nascentes, do domínio das porções de mar adjacentes à costa terrestre, espaço que vai-se erguer no século XVIII, no mar territorial (DIEGUES, 1983).

Tornou-se, então, necessário determinar a largura do espaço sobre o qual o Estado costeiro podia exercer o seu domínio. Com efeito, vários critérios foram ensaiados, entre os quais merecem especial atenção o critério da linha mediana; o critério de alcance de vista; o critério das 100 milhas marítimas contadas a partir da linha de costa até ao mar e o critério das 60 milhas, por se considerar exagerado o critério das 100 milhas (DIEGUES, 1983; SILVA DIAS, 2000). Na base dessas reivindicações (DJABULÁ, 2010), estava a ideia do policiamento do mar contra pirataria. Mais tarde, os Estados passaram a exercer o direito exclusivo no que diz respeito à navegação e ao comércio. Nesta altura, o direito exclusivo da pesca era apenas reivindicado pelos povos economicamente dependentes dessa atividade, caso da Noruega e da Escócia.

Em suma, a liberdade de uso do mar, na era medieval, era apenas posta em causa nos domínios da navegação e do comércio; enquanto a liberdade da pesca era reservada aos senhores feudais, em virtude do direito de propriedade que detinham sobre essas localidades, fruto do título histórico.

Na Idade Moderna, os descobrimentos vão motivar o alargamento do espaço de navegação e do comércio marítimo, por um lado, e o aumento de jogos de alianças e de estratégias de domínio entre Estados, por outro lado; o que contribuiu para divergência de posições entre os Estados, relativamente ao princípio da liberdade dos mares, ao longo dos séculos XV e XVIII (SILVA DIAS, 2000).

A liberdade de pesca, princípio intangível na Idade Média, passou a ser posta em causa. Assim, no século XV, Islândia e Noruega estavam sob domínio dinamarquês. Subjacente a estes conflitos estava a afirmação da plena liberdade de pesca defendida pela Inglaterra, que se opunha a pretensão dinamarquesa de domínio do Estado costeiro sobre o seu mar adjacente. Este conflito terminou com o reconhecimento da Inglaterra à Dinamarca da autoridade sobre este espaço, obrigando-se ao pagamento de direitos de pesca.

Na Idade Contemporânea, a partir do século XIX, registra-se a consolidação da possessão do Estado costeiro sobre o mar adjacente a sua costa.

O critério do tiro de canhão refundido em três milhas náuticas teve maior aceitação por parte dos Estados. Todavia, cedo começou a ser posto em causa, em virtude do progresso tecnológico que permitiu a alguns Estados possuir armas de alcance superior àquela distância.

As sucessivas reivindicações do direito exclusivo de pesca, nos finais do século XIX, o acesso dos estrangeiros à atividade pesqueira nas águas próximas à costa de um Estado, passou a ser condicionada à conclusão de um acordo específico ou mediante pagamento de taxas. Consolidada a idéia do domínio do Estado costeiro sobre as suas águas territoriais, o século XX abre-se com duas preocupações. A primeira consiste em saber se é possível alargar as Águas Territoriais para além das três milhas marítimas, e a segunda, não muito debatida no passado, que diz respeito à gestão racional dos recursos marinhos.

Nesse cenário, várias conferências internacionais foram realizadas. Mas concretamente, em 1896, 1898 e 1899 tiveram lugar os primeiros congressos internacionais sobre a pesca marítima, onde resultou numa conscientização crescente sobre os problemas da pesca e da proteção dos recursos vivos, em especial, as espécies em perigo de extinção (DJABULÁ, 2010).

Em 24 de fevereiro de 1958, na cidade de Genebra (Suíça), com a participação de 86 Estados, foi realizada a I Conferência Internacional das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM I)15, com o propósito de estabelecer, por

Convenção, a largura do Mar Territorial e os limites de pesca. A Conferência terminou num fracasso relativamente a esses pontos. O fórum normatizou o Direito ao Mar em quatro documentos: 1) Convenção sobre a Entrada do Mar Territorial e Zona Contígua – em vigor a partir de 10 de setembro de 1964; 2) Convenção sobre a Plataforma Continental – em vigor a partir de 10 de junho de 1964; 3) Convenção sobre a Pesca e Conservação dos Recursos Vivos do Alto Mar – em vigor desde 20 de março de 1966 e 4) Convenção sobre o Alto Mar – em vigor a partir de 30 de setembro de 1962.

Dentre as convenções citadas merece destaque a terceira – Convenção sobre a Pesca e Conservação dos Recursos Vivos do Alto Mar, a qual alerta quanto à necessidade de prevenção e responsabiliza os Estados pela superexploração dos recursos biológicos do mar com implicações na população crescente e cada vez

mais dependentes desses recursos. Para tal, a aplicação dos princípios do Direito do Mar está fortemente ligada aos aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais de cada Estado, mesmo sendo estes recursos de patrimônio comum da humanidade. O mar sempre foi via para novos mundos, fonte de proteínas e comercialização. Um espaço disputado, mas negligenciado, por se acreditar que seus recursos pesqueiros ainda sejam ilimitados.