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A pesquisa de campo obedeceu a uma metodologia de trabalho de campo baseada em: Samarin (1967), Kibrik (1977), Craig (1979), Everett (2006), Bowern (2008), entre outros.

Ancorados em Samarin (1967, p.1), definimos o trabalho de campo como “um modo de obtenção de dados linguísticos e de estudos dos fenômenos linguísticos”. Segundo o autor, a pesquisa de campo é, sobretudo, uma maneira de obter dados para a análise de fenômenos linguísticos.

Kibrik (1977, p.45) complementa a afirmação de Samarin (1967), destacando que a pesquisa de campo “consiste na manifestação dos dados linguísticos por parte de uma pessoa (o informante) que é provocada pelo linguista de acordo com o objeto de seu interesse”.

Everett (2006, p.4), por sua vez, apresenta o trabalho de campo como uma atividade pela qual o pesquisador descreve e analisa as partes de uma língua, com o intuito de compreender a coerência entre o idioma e a cultura, tendo em mente que tudo que se diga ou se faça, precisa ter coerência com o seu objeto de estudo e com o objetivo de sua pesquisa.

Quanto ao processo de coletar e registrar o córpus, sabemos que o trabalho de campo não se resume em simplesmente coletar e registrar dados linguísticos. Para uma boa coleta de dados e, consequentemente, uma boa análise, segundo Bowern (2008), é preciso que haja procedimentos que garantam a ética, a convivência em campo e a qualidade na escrita.

Seguindo as técnicas sugeridas por Bowern (2008) e outros teóricos da área de trabalho de campo, o córpus utilizado no capítulo de análise deste trabalho consiste em um

conjunto de dados coletados em diferentes momentos da pesquisa. Os dados apresentados foram coletados em 2009, 2010 e 2011.

Esses dados foram coletados junto aos falantes kaiwá que vivem na Reserva Indígena “Francisco Horta Barbosa”, nas aldeias Jaguapiru e Bororó, localizadas no município de Dourados-MS. O conjunto de dados coletados durante a pesquisa linguística de campo inclui entrevistas previamente elaboradas e dados elicitados por intermédio de leituras realizadas no “Novo Testamento” da Bíblia, já traduzido para o kaiwá. Nota-se que a extensão do texto religioso, associada à confirmação dos dados por meio de entrevistas, justifica a origem de um relevante banco de dados.

Durante o trabalho de campo, foram realizadas seis viagens. A primeira foi realizada em julho de 2009. Coincidentemente, a primeira pessoa com quem tentamos conversar, assim que entramos na aldeia, era bastante conhecida na comunidade: um professor de matemática e também diretor da escola Tengatui Marangatu. Com poucas palavras, em português, ele se disponibilizou em ajudar-nos, mesmo sem nos conhecer, mas já deslumbrado pela proposta da pesquisa. Depois de explicar os objetivos da pesquisa, a maneira como iríamos coletar as informações, bem como as contribuições deste trabalho para a comunidade, ele nos indicou alguns professores indígenas que poderiam auxiliar-nos.

Depois de conseguirmos contato com as pessoas indicadas, iniciamos as entrevistas, em janeiro de 2010. O projeto saía do papel e começava a adquirir forma. Naquele momento, nosso objetivo era realizar um estudo sobre o português falado pelos guaranis. No mês de junho de 2010, depois de algumas tentativas, conseguimos a autorização da FUNAI para realizar a pesquisa e, aproveitando a oportunidade concedida, permanecemos na aldeia por 20 dias e coletamos todas as entrevistas que foram propostas no projeto inicial. No entanto, na junção dos dados coletados, observamos a existência de muitas formações neológicas na língua, o que suscitou algumas mudanças no projeto. Voltamos a Dourados em setembro de 2010 com o intuito de coletar palavras que poderiam ser analisadas (até o momento, as ideias eram ainda embrionárias) como um fenômeno neológico. O objetivo foi alcançado: encontramos muitos neologismos na língua, alguns dos quais constam no quadro a seguir:

Quadro 3. Neologismos na língua kaiwá Kanoagwasu = arca (canoa grande)

Kuiru (KuairNJ) = anel Mboka = arma

Ñe’Ӂha Mombyry (Mbyryha) = telefone Po rehegua = luva (roupa para a mão) Py rehegua = meia (roupa para o pé) Pyryru = chinelo

Tekorã = mandamento Tesapy = computador

Uva rykuere (uvarykue) = vinho (caldo de uva) Y’ he’e = refrigerante (água doce)

Kasõ Mbyky = short Mba’epú = rádio

Nesse momento da coleta, mudamos o objeto da pesquisa para aquele que está descrito no início deste capítulo: identificar e descrever neologismos na versão bíblica em kaiwá.

Durante essa nova coleta de dados, foi encontrado, entre os neologismos, um grande número de empréstimos linguísticos do português ao kaiwá; mais uma vez, o córpus coletado nos surpreendia e, então, iniciamos uma nova busca. Desta vez, nós nos detivemos no uso de neologismos por empréstimo (do português ao kaiwá). Em novembro de 2010, iniciamos entrevistas direcionadas especificamente para os empréstimos linguísticos, e identificamos alguns exemplos, organizados no quadro 4.

Quadro 4. Empréstimos linguísticos do português para o kaiwá Kurusu = cruz

Hesu = Jesus

Cristo (Kirito) = Cristo Kasõ = calça

Kamisa’i = camiseta Sapatu = sapato Motoko (móto) = moto Micicleta = bicicleta Suko = suco

Hente (Hénte) = gente/pessoa Arro (aro) = arroz

Fechão = feijão Zelote = zeloso Ovexa = ovelha

menda (momenda) = casar Plata = prata

Em abril de 2011, realizamos a última viagem para trabalho de campo, quando encontramos uma quantidade suficiente de palavras para a realização da pesquisa. Embora o tempo destinado para o trabalho de campo tenha sido curto para consolidar nossas hipóteses, pudemos sempre contar com a receptividade e simpatia por parte dos indígenas entrevistados. Estes sempre demonstravam interesse e curiosidade para entender os motivos pelos quais haviamos escolhido esse tema, esse povo e essa aldeia como objeto de pesquisa.

Para a obtenção dos dados, contamos com o apoio de vários falantes da língua kaiwá, todos bilíngues (kaiwá - português), e realizamos as entrevistas com indígenas que se autoidentificaram como pertencentes ao grupo indígena kaiwá. Entrevistamos professores que estão em constante contato com o idioma e, em particular, um indígena que eventualmente já havia trabalhado com a tradução do Novo Testamento da Bíblia em kaiwá e atualmente está auxiliando os tradutores do “Velho Testamento”.

Em todas as etapas do trabalho de campo, permanecemos hospedados no perímetro urbano da cidade de Dourados. Diariamente, logo pela manhã, nós nos deslocávamos para a aldeia e retornávamos antes do anoitecer. Entre uma entrevista e outra, deslocávamo-nos dentro das aldeias, a pé, observando o cotidiano de cada família. Os homens sempre estavam envolvidos em atividades agrícolas e as mulheres, em atividades domésticas, enquanto as crianças brincavam no quintal ou nas estradas da aldeia.

Para finalizar este item, gostaríamos de destacar a generosidade e a sabedoria desse povo, bem como agradecer pela acolhida em sua comunidade.