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[...] A aula recomeça e a professora encaminha para a atividade de apresentação que Carlos teria que fazer sobre sua pesquisa para uma das disciplinas que está cursando. Carlos inicia, então, dizendo que ele iria apresentar sua pesquisa de mestrado e que isso havia sido solicitado em uma das disciplinas que estava cursando. Por essa razão, ele queria conferir se sua apresentação estaria boa. Carlos começa dizendo que iria iniciar seu diálogo com uma apresentação do Peru, pois isso estaria ligado ao seu tópico de pesquisa: desenvolvimento da área de pesquisa de biomassa continental de peixes. Ele ri ao pronunciar a palavra ‘peixes’. A professora repete a palavra. Em um primeiro slide, Carlos traz o mapa do Peru, apresenta as províncias que o constituem e fala da importância do setor pesqueiro para a economia do país. Em um próximo slide, ele pontua o Oceano Pacífico e menciona um fenômeno chamado de ressurgência ou afloramento. Ele pergunta se alguém já ouviu falar sobre isso. Maria diz saber que o Peru é conhecido pela produção pesqueira. Carlos menciona que sua pesquisa está relacionada a esse tema, e que irá falar da importância de pesquisas sobre o fenômeno da ressurgência, da relação com a proliferação de peixes e da indústria pesqueira. Em seu próximo slide, ele traz imagens que ilustram o fenômeno da ressurgência e explica que isso é comum no mar do Peru e também na Califórnia. Ele menciona que sua pesquisa está no início, mas que ele irá olhar para uma espécie específica de peixes no mar do Peru. Carlos fala, então, dos hábitos do povo com relação ao consumo de peixes e diz que, por ser um país geograficamente estreito, tem-se ingredientes frescos sempre, pois demora-se muito pouco para transportar produtos do litoral para qualquer região do país. A professora comenta que no Brasil é bem mais difícil comer peixe fresco. Ana Menciona que já comeu ‘ceviche’e pergunta se esse prato é do Peru ou do Chile. Eles conversam sobre isso. Carlos preparou um slide com imagens de outras comidas típicas de seu país (lomo saltado, tacu tacu, papa rellena) e fala que os hábitos culinários são muito fortes lá. Carlos também fala de uma sobremesa chamada mazamorra roja, feita a base de um milho escuro. Como a aula já havia chegado no horário final, Maria brinca com o tema da aula e diz que precisa parar de falar de comida e ir almoçar. A aula termina (Trecho elaborado a partir das anotações do Diário de campo do dia 03 de maio de 2017).

No início de sua fala, Carlos contextualiza a necessidade de tratar dessa apresentação por ser uma demanda sua para um outro contexto de estudos na universidade. Ele faz menção a sua intenção de apresentar a pesquisa para os colegas de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos com o intuito de verificar se trataria-se de uma “boa” apresentação. Parece sinalizar, portanto, um entendimento dessa atividade da aula de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos como uma possibilidade de trocas centradas nas leituras que cada participante da aula fará da sua apresentação, que, no caso, envolvia um texto híbrido, composto pela apresentação oral e pela apresentação escrita em PowerPoint.

No evento da apresentação, é possível perceber, nos apontamentos feitos por colegas e pela professora, um envolvimento da turma com os temas que estavam sendo trazidos por Carlos em sua apresentação (“A professora comenta que no Brasil é bem mais difícil comer peixe fresco”, “Ana Menciona que já comeu ‘ceviche’ e pergunta se esse prato é do Peru ou

do Chile”, “Eles conversam sobre isso”, “Maria brinca com o tema da aula e diz que precisa parar de falar de comida e ir almoçar”). Porém, a apreciação da apresentação em si (se foi boa, clara, se faltou mencionar algo, se os colegas entenderam do que se trata a pesquisa de Carlos etc.) não é trazida à tona nas conversas da aula. O único apontamento que parece indicar para uma possível dúvida, diz respeito à pronúncia de uma palavra, e parte do próprio Carlos, ao sinalizar dificuldade em mencionar a palavra ‘peixes’, sendo seguida de um suporte oferecido pela professora ao repeti-la. Parece faltar, na condução da atividade, problematizações relacionadas ao que os alunos entendem como sendo esperado nesse tipo de dinâmica de trabalho acadêmico, a partir de suas vivências de mundo e também de seus entendimentos sobre expectativas locais do contexto acadêmico brasileiro também, e das concepções que têm acerca do que seja a organização do conhecimento nesses contextos de apresentação. Esses momentos também seriam propícios para propor debates relacionados a como os alunos se sentem nas apresentações que têm feito, nos retornos que recebem dessas apresentações, que relações têm com as apresentações feitas em suas universidades de origem. Nas produções textuais relacionadas à Situação 4, os textos não são produzidos apenas para fins de discussões relacionadas às aulas de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos (como parece acontecer nas produções da Situação 1), porém, no evento aqui analisado, percebe-se que as condições de produção da apresentação que Carlos teria que fazer para essa outra disciplina não são tratadas nem na aula do dia 26 de abril, quando ele traz essa demanda pela primeira vez, e nem em sua apresentação na aula do dia 03 de maio. Dessa forma, não são oportunizadas também nas discussões levantadas em aula, questões cruciais para que os alunos pudessem compreender melhor o contexto para o qual Carlos se volta ao preparar sua apresentação: seria para algum evento específico da disciplina? Seria apenas para professor e colegas da disciplina? O público que participaria é um público conhecedor do assunto? É um público sem muitos conhecimentos específicos do assunto? Com que propósitos essa apresentação seria feita: para fins de avaliação? Para estabelecer possíveis parcerias? Para compartilhar os achados de pesquisa até o momento?

Quando se tem uma situação de produção textual relacionada a outras demandas que não unicamente as propostas na disciplina de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos, as avaliações sobre tal produção não deveriam se dar de forma dissociada da situação para a qual tal produção foi feita. Então, para além de apenas nomear as demandas de produção que cada aluno tem (e aqui, me refiro simplesmente mencionar o texto como uma resenha, um resumo, um artigo), é preciso adicionar às aulas espaços para entender o texto não apartado da função social para a qual é produzido e, portanto, de outros elementos que

precisam ser levados em conta para que os alunos possam se posicionar com relação aos textos que os colegas apresentam.

No caso das apresentações orais de pesquisa em contexto acadêmico, avaliar tais apresentações a partir de um olhar situado envolve também dar conta das expectativas trazidas por cada aluno acerca do que sejam apresentações adequadas para uma situação específica, do que consideram necessário nessas apresentações. Essas expectativas são baseadas nas vivências e nos conhecimentos que cada aluno traz de sua área de atuação/ circulação na universidade e fora dela. Nas discussões apontadas na aula de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos em que Carlos apresentou sua pesquisa, essas expectativas sobre o gênero apresentação de pesquisa científica não foram levantadas pelos alunos e pela professora nas conversas da aula. E o assunto “apresentação que Carlos precisaria fazer sobre sua pesquisa para a outra disciplina” não foi retomado nas aulas seguintes. Assim como não foram abordados os retornos e possíveis comentários que Carlos tenha recebido por parte do professor dessa outra disciplina ou de demais pessoas que tenham assistido à apresentação.

A análise das produções agrupadas na Situação 3 também possibilita alguns pontos para reflexão. Se observarmos as propostas de trabalho abarcadas na Situação 3, embora a produção textual solicitada pela professora estabeleça a resenha como gênero discursivo adotado, a demanda mencionada pelos alunos (com a qual teriam que, de fato, lidar em suas atividades acadêmicas) não era a resenha em si, e sim, a leitura obrigatória de um determinado texto. A produção da resenha passa a ser definida apenas como uma demanda a ser feita para fins da disciplina de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos. Diferente, portanto, do que acontece com a indicação das leituras dos textos. Essas são demandas externas à disciplina de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos, relacionadas às práticas de leitura com as quais têm que lidar no cotidiano deles na universidade:

✓ Leitura e discussão da resenha elaborada por Maria com base na resenha do texto “Opinião Pública e Política Externa: insulamento, politização e reforma na produção de política exterior do Brasil”, de Carlos Aurélio P. de Faria. A leitura desse texto foi indicada na disciplina de Política Externa e Projeção Internacional do Brasil. (Em AULA 06 – 31 de maio)

✓ Leitura e discussão da resenha elaborada por Maria sobre o texto “Desencapsulamento da política externa brasileira: uma mudança de paradigma”. O artigo é leitura obrigatória para a disciplina que está cursando. (Em AULA 7 – 07 de junho)

✓ Leitura e discussão da resenha produzida por Ana Carina sobre o artigo “Movimento Institucionalista” Pereira (2007). O artigo é leitura obrigatória para a disciplina de Teorias e Métodos em Psicologia Social. (Em AULA 8 – 14 de junho)

O fato de termos a leitura obrigatória de texto como uma demanda dos alunos nas suas práticas acadêmicas reforça um ponto já mencionado nesta tese, que precisa ser considerado em cursos de PLA para fins acadêmicos: não apenas mapear o que os alunos leem (artigos científicos, teses de doutorado, capítulos de livro etc.), mas também buscar compreender como se dão os modos de lidar com essas leituras, bem como as demandas solicitadas por outros professores acerca dessas leituras. Ou seja, é preciso reconhecer as práticas de leitura que se estabelecem.

No caso das aulas observadas por mim, embora os alunos tenham mencionado, na Situação 3, as leituras com as quais precisariam lidar nas outras disciplinas48, os modos como, de fato, abordam essas leituras nas outras disciplinas e o que precisariam produzir a partir dessas leituras não foram trazidos à tona nas discussões tratadas nas aulas nem pelos alunos (que acabam apenas por mencionar quais seriam as leituras que teriam que dar conta) nem pela professora.

Em um dos eventos envolvendo uma das produções listadas na Situação 4, a aluna Maria comenta não somente o texto que deveria ser lido por ela para outra disciplina que cursa, mas também o que deveria ser produzido a partir dessa leitura, conforme é possível observar na vinheta a seguir, retirado da aula do dia 17 de maio: