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A aula inicia com a apresentação da resenha de Maria com base em um texto que teria que ler para outra disciplina. O texto a ser lido por Maria era intitulado “Desencapsulamento da política externa brasileira: uma mudança de paradigma”. Maria inicia a leitura. Ela lê as frases do primeiro parágrafo e faz uma pausa em sua leitura, parecendo sinalizar uma quebra no fluxo. Ela ri e olha para a professora. Esta retoma o texto e diz: “tu começas o parágrafo com uma pergunta, né? (“Realmente existe uma mudança de paradigma da política externa de processo claramente top down para um processo botton up?”). A professora sugere, então, que, nessa frase, a posição do advérbio deveria ficar depois do verbo para caracterizar melhor que se trata de uma pergunta. E comenta que, para ela, ao usar “Realmente existe...”, parece não haver uma implicação de questionamento, e sim de afirmação. Ela pergunta à Maria e a Carlos se isso faz alguma diferença para eles. Carlos responde que não. Maria também diz não fazer diferença porque, em espanhol, há um símbolo usado no

início da frase que já sinaliza que será um questionamento. A professora concorda e diz que, de fato, há o uso de dois pontos de interrogação (um inicial invertido e um final) característico de perguntas em espanhol. Carlos menciona que isso só acontece em espanhol. A professora segue a leitura da frase, mostrando ter uma quebra no uso do ‘apesar de’ [“O que o autor ressalta é que, apesar das reformas já implementadas (...)”], e sugere ‘embora’ como possibilidade para ‘apesar de’. Maria pergunta se poderia ser ‘até que’. A professora lê a frase novamente: “O que o autor ressalta é que, até que outras reformas sejam implementadas”. Ela faz uma pergunta à Maria sobre o significado: “O que tu queres dizer é que “umas reformas já foram implementadas, então, até que as demais reformas sejam implementadas (...)”, né?”. Maria menciona ‘outras’ para se referir às demais reformas. A professora concorda: “até que outras reformas para dar mais controle ao legislativo não sejam implementadas” ou “até que as outras demandas sejam implementadas”, enfatizando o verbo ‘sejam’, sem a negação, olhando para Maria. Esta concorda e diz que, de fato, não é uma negação: “até que elas sejam implementadas”. A professora confirma a informação com Maria: “por que elas não foram implementadas ainda, né?”, repetindo o contexto “até que elas sejam implementadas, não poderemos falar de mudanças de paradigma porque essas reformas, com pequenas mudanças, podem ser mais do que uma resposta aos interesses do executivo no congresso”. Carlos concorda: “Sim.”. A professora pergunta à Maria se a resenha é para ser entregue ao professor da disciplina. Maria diz que não e menciona que, embora ela tenha apenas que apresentar oralmente a leitura do texto na disciplina, resolveu escrever uma resenha para ser lida na aula de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos como uma forma de se preparar e de fazer uma “linha de organização das ideias do texto” para si. Ana Carina chega na aula [...] (Trecho elaborado a partir das anotações do Diário de campo do dia 07 de junho).

Como se pode verificar, embora a aluna tenha mencionado, no início de sua apresentação, que o texto fazia parte das leituras para uma disciplina que estava cursando, ela não havia mencionado nada sobre o fato da resenha ser também uma exigência (para entregar?). E a professora de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos a questiona sobre isso. Em sua resposta, Maria menciona que, com base na leitura, ela deveria fazer uma apresentação oral, indicando ser essa uma das práticas estabelecidas para se lidar com as leituras obrigatórias sugeridas para o semestre no espaço da outra disciplina. Embora essa questão envolvendo práticas de leitura e acordos sobre a produção exigida aos alunos seja trazida à tona na conversa da aula, ela não é abordada como um objeto de discussão (os modos de fazer que operam nas outras disciplinas com relação a leituras que precisam ser feitas no semestre, por exemplo). No caso da resenha produzida por Maria, ela ainda comenta que “resolveu escrever a resenha para ser lida na aula de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos como uma forma de se preparar”, indicando que vê, na produção do seu texto, uma outra finalidade: organizar o que foi lido, estabelecer uma linha para as ideias do texto- base, preparar-se para a apresentação oral que teria que fazer para a outra disciplina.

Na Situação 4, os textos (orais e escritos) a serem produzidos pelos alunos foram solicitados em outros contextos acadêmicos. Portanto, da mesma forma como acontece na Situação 2, esses textos não são solicitados pela professora de Português para Estrangeiros

para fins acadêmicos e não se direcionam unicamente para os fins dessa disciplina. Porém, o que diferencia a Situação 4 das demais é o fato de não haver uma determinação prévia sobre o gênero a ser produzido. Os alunos têm liberdade para trazer para as discussões propostas nas aulas de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos qualquer gênero discursivo que tenha sido solicitado a eles em atividades que desempenham na esfera acadêmica. Das produções que fazem parte da Situação 4, destacam-se as demandas de apresentação oral das pesquisas de mestrado e doutorado trazidas pelos discentes.

Ao analisar as propostas pedagógicas presentes nas Situações 1, 2, 3 e 4, ressalto que elas oportunizam aos alunos diferentes formas de perceber os textos (orais e escritos) que os cercam na esfera acadêmica. Produções como as da Situação 1 podem gerar muitos pontos a serem discutidos, relacionadas tanto às leituras indicadas quanto às produções de resumo feitas pelos alunos. Entretanto, se comparadas às Situações 2 e 4, as propostas de produção da Situação 1 envolvem sugestões de produção textual que parecem ter como fim a disciplina de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos, não contemplando um fator relevante a ser considerado: as demandas com as quais os alunos terão que lidar na universidade. Se considerarmos que um curso de PLA para fins acadêmicos tem por objetivos auxiliar os alunos a melhor lidarem com os textos que os cercam na esfera acadêmica e ajudá-los em demandas e necessidades pontuais que surjam nessa relação deles com os textos acadêmicos, ao trazer para as aulas as leituras e as produção textuais com as quais os discentes tenham que, de fato, lidar em seu cotidiano acadêmico, aumentamos as chances de ter os propósitos do curso atingidos.

O trabalho com demandas solicitadas aos alunos para fins outros que não apenas os fins da disciplina de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos também possibilita discussões mais tangíveis sobre a perspectiva situada de leitura e produção, que envolve dar conta de fatores como o que foi acordado entre professor e alunos, as orientações estabelecidas nessa situação para nortear a escrita/leitura, o fato de o texto (oral ou escrito) ser submetido apenas para o professor ou também a outros interlocutores (colegas, revista específica, evento científico etc.), de ser avaliado como uma nota que compõe o desempenho do aluno e de ter, portanto, outras implicações que atrelam tais produções ao desempenho de desses alunos na vida acadêmica.

Práticas pedagógicas de PLA para fins acadêmicos que dão espaços para trabalhar textos a partir das demandas de leitura e produção trazidas pelos alunos, tal como acontece na Situação 4 e, em parte, na Situação 2, podem oportunizar mais voz ao aluno, e dar mais vez ao desenvolvimento de outras competências também relacionadas à esfera acadêmica, como a

percepção dos espaços pelos quais circulam na universidade e a percepção de como se constituem e se organizam esses espaços, de como se negocia nesses espaços etc. Porém, ressalto que, para isso, é preciso não apenas dar espaços para propostas como as da Situação 4, mas também explorar com os alunos o que de fato acontece nos textos lidos e produções demandas trazidas por eles, guiando-os no reconhecimento e no mapeamento de como funcionam os textos dentro dos contextos específicos em que ocorrem. Isso implica em ampliar o olhar centrado no texto em si e em um simples reconhecimento do contexto para um olhar do texto em sua circulação social.

Especificamente com relação à Situação 4, ainda há que se considerar o fato de oportunizar também o trabalho com gêneros discursivos variados, expandindo o escopo para além dos gêneros geralmente tratados em cursos voltados à leitura e escrita acadêmica. Isso torna o aluno copartícipe da seleção dos gêneros a serem incluídos nas discussões que permeiam as aulas. No caso das aulas de Português para Estrangeiros para fins acadêmicos, as produções da Situação 4 trouxeram para a discussão as apresentações orais que os alunos precisavam fazer sobre suas pesquisas de mestrado/doutorado, tirando o foco dos gêneros resumo e resenha. Ao adicionar outros contextos para se olhar, tem-se oportunidade de ampliar as discussões sobre os fazeres acadêmicos específicos de cada contexto, sobre as práticas inovadoras que neles surgem e que, muitas vezes, são do conhecimento apenas daqueles que dele participam.

As reflexões que levanto a seguir estão relacionadas a uma das produções envolvidas na Situação 4: a apresentação oral feita por Carlos sobre sua pesquisa de mestrado. Carlos faz menção a essa demanda ao final da aula do dia 26 de abril, conforme vinheta a seguir: