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4 CULTURA

4.1 A pesquisa cross-cultural

A cultura é um paradigma que se tornou cada vez mais importante para explicar diferenças e preferências por determinados produtos e marcas. Sem a organização de padrões culturais – símbolos significantes organizados sistematicamente – as pessoas teriam dificuldade em viver juntas. Heller (1987, p. 184) explica que

A experiência compartilhada constitui a base da visão do entendimento do mundo; através da interação entre os membros do grupo, são construídas visões baseadas no senso de experiência. Essas formas de senso de experiência, crenças, concepções, expectativas sobre o mundo e como ele é, definem o que nós achamos ser cultura. Embora cultura não seja somente um conjunto de valores e crenças que constituem a visão normal de mundo, ela também inclui formas específicas de comportamento. De acordo com Hofstede (1991, p.5), “cultura não é uma característica de indivíduos, ela engloba um determinado número de pessoas que estão condicionadas pela mesma educação e experiência de vida”. Ademais, configura-se como um conjunto de atividades – sejam elas lúdicas, utilitárias, intelectuais ou afetivas – que pode caracterizar um povo mediante os comportamentos e ideologias apreendidos e compartilhados (SARAIVA, 1993). Ela é inerente a todos os aspectos do consumo e deve ser integrada a todos os elementos relacionados à teoria do comportamento do consumidor (MOOIJ, 2004). Ademais, a cultura de um país é identificada como fator fundamental para entender diferenças

sistemáticas de comportamentos. Normas e crenças culturais são poderosas forças capazes de modelar as percepções, disposições e comportamentos (STEENKAMP, 2001; MARKUS; KITAYAMA, 1991).

De acordo com De Mooij (2004), um dos maiores mitos do Marketing globalizado é a existência de consumidores vivendo em uma vila global. Essa afirmação é constantemente amparada por diversas revistas e artigos internacionais que propagam a ideia de que se experiencia, atualmente, um processo de homogeneização acerca de valores universais (espelhados, em sua maioria, em valores norte-americanos). Ademais, De Mooij (2004) evidencia que existe a convicção entre acadêmicos de que a convergência da tecnologia, das mídias globais, do ato de viajar e do aumento de trocas comerciais aproximam as pessoas. Por fim, explica ainda que se pode verificar, em livros sobre Marketing Internacional e Comportamento do Consumidor, a profusão de declarações que defendem a convergência de valores e estilos de vida, no entanto, sem o amparo de evidências empíricas que as confirmem.

A cultura global pode ser descrita como um processo global decorrente da compreensão de que o mundo se torna unido de modo a parecer um só lugar (DE MOOIJ, 2004). Belk (1995), na década de 1990, já asseverava que um número crescente de consumidores, em cada lugar do mundo, tem a possibilidade de comer as mesmas comidas, ouvir músicas iguais, vestir roupas semelhantes, assistir a programas e filmes idênticos, dirigir carros parecidos, jantar em invariáveis restaurantes e ficar em hotéis análogos. A cultura de consumo global, conforme De Mooij (2004), envolve ainda a proliferação de empresas transnacionais e do capitalismo globalizado, além do consumerismo global e homogeneizado. Apesar da grande proliferação de símbolos globais, De Mooij (2004) defende o argumento de que isso não acarreta, necessariamente, a homogeneidade de hábitos e valores da população, e afirma que, ao contrário de causar essa homogeneização, a globalização é o motivo para um revival de identidades de culturas locais em várias partes do mundo, com diferentes hábitos e preferências.

De Mooij (2004) enfatiza que as ideias de convergência cultural possuem, como raiz, um pensamento universalista. Este universalismo direciona as aplicações das teorias de Marketing angloamericanas pelo mundo afora, de modo a serem utilizadas como verdades universais. Tal realidade não decorre, entretanto, do “imperialismo norte-americano”, mas do fato de as pesquisas avançadas em Marketing e da teoria e prática da propaganda terem origem nos Estados Unidos. Além de exportar essas teorias para outras culturas, profissionais e acadêmicos copiam o modelo dos EUA, sem compreender que nem todos os conceitos e

teorias são igualmente válidos em seus países. Esta prática, antes visualizada por Hofstede (1991), é comum, principalmente em países emergentes e em desenvolvimento, por estes conceitos serem considerados “comprovados” e serem amplamente aceitos por clientes de agências de Marketing e Propaganda.

De acordo com o senso comum, e até com a Antropologia, a expressão cross- cultural pode referir-se, de maneira simplista e errônea, a qualquer tipo de comparação entre diferentes culturas (EMBER; EMBER, 2009). O fato é que deve se tratar de uma busca por elementos entre culturas mais específicos, tratando de uma pesquisa sistemática, que intente responder perguntas como a incidência, distribuição e causas de determinada variação cultural. Descobrir causas e predições são os objetivos mais comuns dos estudos entre culturas.

Durante muito tempo, a pesquisa cross-cultural foi percebida como menos rigorosa em razão da falta de teorias e modelos que embasassem esse tipo de estudo entre nações e culturas. Modelos válidos que primem pelo delineamento das dimensões da variação nacional e/ou cultural são cruciais para a criação de um modelo nomológico que seja capaz de integrar fenômenos atitudinais e comportamentais, além de prover base para o desenvolvimento de hipóteses que expliquem a variação sistemática entre culturas no que concerne a atitudes e comportamentos (SMITH; BOND, 1998). De acordo com Steenkamp (2001), tais modelos são necessários para o desenvolvimento da pesquisa na área do Marketing Internacional além de comparações exploratórias e qualitativas, que geralmente são difíceis de validar e replicar.

Ember e Ember (2009) informam que, geralmente, a comparação cross-cultural pode variar de acordo com quatro dimensões:

a) o escopo geográfico da comparação – a amostra pode ser aplicada em vários lugares ou limitada a determinada área geográfica (como por exemplo, à América Latina);

b) o tamanho da amostra – uma comparação entre dois casos, pequena escala (menos de dez casos) ou comparações maiores, de larga escala;

c) a natureza dos dados primários (coletados pelo investigador com o intuito específico de realizar o estudo comparativo) ou secundários (coletados por outros e utilizados na pesquisa comparativa de etnografias, censos e histórias); e

d) as informações coletadas são restritas a um determinado período (ou datem dele), ou a dois ou mais períodos de tempo (uma comparação diacrônica, por exemplo).

Hofstede (1991) argumenta que as nações são, atualmente, fonte de considerável importância da programação mental comum aos seus cidadãos em virtude de um histórico familiar referente à linguagem, política, justiça e educação. Isso não implica que os países sejam completamente homogêneos, mas que possuam forças que os impulsionam para um grau de semelhança dentro deles (SMITH; BOND, 1998; SCHWARTZ, 1994). Ademais, Hofstede (1980, 1991) defende a ideia de que, até para os países que são menos integrados culturalmente, a diferença étnica e/ou linguística dos seus grupos possui significativa uniformização cultural quando comparados às populações de outros países.

Ao discorrer sobre cultura, entretanto, é importante salientar que esta é dividida em elementos objetivos (artefatos produzidos pelo grupo) e subjetivos (valores, crenças e normas dos grupos), de modo que os elementos subjetivos possuem grande espaço nas Ciências Sociais, inclusive nos estudos sobre Administração e Marketing (TORRES; DESSEN, 2008; KLUCKHOHN, 1962; HOFSTEDE, 1991). Dentre esses elementos, cabe ressaltar ainda a importância dos valores culturais como preditores e influenciadores de fenômenos diversos, como, por exemplo, o comportamento do consumidor.