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É possível, no entanto, iniciar a investigação das influências das condições de

trabalho e da organização do trabalho na saúde mental do trabalhador através da gênese

laboral da tensão, uma vez que a organização do trabalho atua na gênese da fadiga e do

sofrimento através de vários dos seus aspectos. Dentre esses aspectos, é possível citar

jornadas de trabalho prolongadas, ritmos acelerados de produção, pressão autoritária e

hierarquia rígida e vertical, inexistência ou exigüidade de pausas para descanso ao longo

das jornadas. Outro aspecto mais sutil a ser observado é os efeitos da evolução tecnológica

e organizacional.

Em pesquisa realizada por Seligmann-Silva (1986) com trabalhadores

industriais nas cidades de São Paulo e Cubatão, em 1980, foi possível sistematizar uma

série de condicionantes que influenciariam na gênese laboral da tensão. As entrevistas com

os trabalhadores abordaram principalmente: histórico de vida e vida familiar; histórico de

trabalho; condições de vida e de participação social atuais; aspirações ocupacionais;

condições de trabalho atuais; histórico de saúde e saúde atuais. Dentre os aspectos

abordados dois grandes tópicos foram considerados pela autora: condições do ambiente

laboral (condições ambientais onde o trabalho é realizado) e aspectos organizacionais

(condições derivadas das características da organização do trabalho).

Os resultados dessa pesquisa indicam:

a)

Riscos percebidos pelos trabalhadores e que geram medo, tensão, ansiedade,

stress, sofrimento: acidente, doença, perder o controle emocional e perder o

emprego;

b)

Importância da interação entre diferentes condições ambientais (condições

físicas, químicas, biológicas e falta de adequação ergonômica dos

equipamentos): foi constatado como fatores de tensão pelos entrevistados o

calor insuportável e constante, ruído excessivo, presença de poeiras, gases,

vibrações, ambientes fechados e mal ventilados;

c)

Condições organizacionais desgastantes: jornadas extremamente

e acúmulos de função, tensão e conflitos nos relacionamentos interpessoais

(chefias) e conteúdo das tarefas;

d)

Condições extra-laborais: invasão das horas do não-trabalho pelo cansaço e

restrições em função dos baixos salários.

Seligmann-Silva (1986, p.86) acrescenta que

“ . . . para os trabalhadores do setor siderúrgico que haviam estado por

longos anos expostos a condições de trabalho extremamente penosas, a

análise de seus históricos de vida, trabalho e saúde conduziu-nos, muitas

vezes, a perceber que o acúmulo dessas experiências se constitui em

verdade um processo preparatório e predisponente à instalação das

manifestações psicopatológicas. E que este processo gradualmente foi

minando a vitalidade, as resistências da personalidade e, muitas vezes,

também a esperança.”

Laurell & Noriega (1989) em pesquisa realizada com trabalhadores de uma

empresa siderúrgica da região do Lazaro Cadenas no México (SICARTSA) apontam uma

grande variedade de doenças ou danos à saúde relacionados às atividades executadas por

esses trabalhadores. As doenças ou danos à saúde abrangem principalmente problemas das

vias respiratórias, do trato gastrointestinal, do sistema músculoesquelético, da pele e do

sistema nervoso central, doenças tanto somáticas como psicossomáticas ou psíquicas.

Laurell & Noriega (1989) salientam a importância da análise global dos

aspectos relacionados ao trabalho – ambiente e organização do trabalho - e os danos

provocados à saúde do trabalhador, uma vez que de acordo com seus estudos o efeito de

cada um desses aspectos não é uma somatória, mas potencializam-se entre si. Assim, do

mesmo modo que a intensidade de ruído pode causar prejuízos à audição, pode também

atuar na gênese do nervosismo e irritabilidade e o trabalho em turnos alternados pode

provocar problemas relacionados tanto ao ciclo circadiano como problemas

psicossomáticos. Os autores destacam o lugar ocupado pelo nervosismo e irritabilidade,

relatados pelos trabalhadores em 14 das 16 áreas da empresa que foi local do estudo,

estando relacionados ao ruído e calor intensos, mas principalmente aos aspectos da

organização do trabalho.

Os dados da pesquisa realizada pelos autores foram coletados em entrevista

coletiva com os trabalhadores e a partir dos exames médicos desses trabalhadores no

serviço de saúde da empresa, sendo que os dados coletados nos exames médicos foram

semelhantes aos percebidos pelos trabalhadores. Em primeiro lugar aparecem as doenças

das vias respiratórias e, ocupando lugar de destaque, as doenças psicossomáticas e

nervosas “que expressam – na terminologia médica – um problema semelhante ao das

categorias ‘distúrbios do sono, úlcera, gastrite e fadiga patológica’ e ‘nervosismo e

irritabilidade’, no vocabulário dos trabalhadores” (Laurell & Noriega, 1989, p.242).

Em pesquisa desenvolvida por Seligmann-Silva (1997) com trabalhadores na

área de transportes foi possível identificar as repercussões da automação ferroviária na

saúde desses trabalhadores. A pesquisa de campo desenvolveu-se em três etapas

correspondendo respectivamente na construção do roteiro de entrevistas e entrevistas com

especialistas que participaram do planejamento e implantação do sistema automatizado,

nas entrevistas semi-estruturadas grupais e individuais com controladores e maquinistas e

observações do processo de trabalho em viagens de trem, na organização e análise do

material levantado.

Os resultados obtidos nessa pesquisa apontam para o desconhecimento da

inter-relação trabalho e saúde na atividade dos controladores, a atividade desses

trabalhadores exige que tenham controle e sejam responsáveis por tudo o que acontece no

sistema. São percebidos, no entanto, no relato dos trabalhadores incidência freqüente de

distúrbios digestivos e hipertensão arterial podendo ser caracterizado como estágio inicial

de mal-estar e que, ao longo do tempo, pode evoluir para quadros patológicos.

relação do alcoolismo com a situação de trabalho não é percebida. Segundo Seligmann-

Silva (1997) a existência de desvalorização e desconfiança por parte dos subordinados, o

que Dejours denomina “psicologia pejorativa”, é bastante evidente, sendo na interpretação

da autora o que desempenha importante papel na compreensão da incidência freqüente do

alcoolismo.

Outro conflito existente nesse tipo de atividade é entre controle e velocidade,

as metas que precisam ser cumpridas e a responsabilidade com vidas humanas. Tal conflito

não pode ser vivido sem sofrimento e sem prejuízos à saúde mental desses trabalhadores.

Foi possível observar também no relato dos entrevistados outros fatores que

podem influenciar positiva ou negativamente na saúde em geral dos trabalhadores, tais

como: falta de reconhecimento por parte das chefias e da empresa, má qualidade e

insuficiência do sono e o medo de adormecer durante os percursos podendo acarretar

acidentes. Outra verificação da pesquisa foi que tanto controladores quanto maquinistas

trabalham em condições que favorecem o acúmulo da fadiga e que a introdução das novas

tecnologias não foram acompanhadas por mudanças significativas na organização do

trabalho, principalmente no que se refere à preocupação com o fator humano. (Seligmann-

Silva, 1997).

Na verdade o conhecimento técnico foi colocado à disposição dos

controladores e maquinistas, mas não tiveram acesso ao planejamento das questões

referentes à organização do trabalho, ficando as decisões restritas aos altos escalões.

Segundo a autora para que “a inteligência possa se manter ativa e criativa são necessárias

condições psicoafetivas que, por sua vez, fundamentem a liberdade de pensar em um clima

também propício à geração de comprometimento e do interesse pela atividade

desenvolvida e pelas metas da empresa” (Seligmann-Silva, 1997, p.23). Assim é

processo tecnológico e do planejamento das atividades da empresa, cultivando um clima de

confiança e transparência nas relações de trabalho.

Seligmann-Silva (1997) ressalta ainda que além da mudança modernizadora, as

empresa necessitam para obter sucesso a implantação de uma nova forma de integrar o ser

humano ao trabalho, criando condições onde ele possa cultivar seu prazer e desenvolver

valores essenciais.