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O trabalho em turnos alternados acontece em indústrias onde há o

funcionamento ininterrupto das atividades durante 24 horas. Para tanto os trabalhadores

ficam submetidos a escalas de horários rotativos que pode variar de uma indústria para

outra, sendo mais comum a duração da jornada de trabalho de 8 horas (Seligmann-Silva,

1994).

Dentre as conseqüências prejudiciais do trabalho em turnos alternados

destacam-se a alteração do ciclo fisiológico do sono e alterações no hábito alimentar. As

interrupções do sono estão relacionadas à fisiologia alterada e a dificuldade de dormir

durante o dia em função dos barulhos diurnos assim como da luminosidade. A ingestão de

alimentos no trabalho em turnos alternados sofre alterações principalmente quando o

trabalho é noturno e o sono diurno, sendo observadas falta de apetite e lentidão no processo

digestivo ocasionando problemas dessa ordem (Seligmann-Silva, 1994).

Segundo Fischer, Lieber & Brown (1995) o trabalho em turnos contínuos, fixos

ou rodiziantes têm sido apontado como fonte de problemas de saúde e de perturbação

sócio-familiar. Dentre as conseqüências advindas desta característica da organização do

trabalho, os autores destacam as alterações de ritmos biológicos, acidentes de trabalho,

sono, alterações cardiovasculares e gastrointestinais, bem como o efeito cumulativo.

Aspectos da vida extraprofissonal acabam prejudicados também pelo tipo de

fadiga presente nos trabalhadores de turnos alternados, os horários de sono e permanência

em casa desses trabalhadores acaba produzindo alterações nos horários de funcionamento

da casa também. Segundo pesquisa realizada por Guérin (conforme citado por Seligmann-

Silva, 1994) com trabalhadores de siderurgias da França

“as condições para o relacionamento interpessoal da família também se

modificam, em função das inversões periódicas de horários do trabalhador, da

irritabilidade que o mesmo freqüentemente apresenta como uma das

conseqüências do trabalho em turnos alternados, e da tensão que

freqüentemente se estabelece em decorrência do esforço representado, para

toda a família, pelas situações criadas para seus ritmos de sono, comunicação,

atividades, etc.” (p.232).

É possível destacar ainda outros aspectos da vida e do relacionamento familiar

mais freqüentemente atingidos pelo trabalho em turnos alternados tais como o contato do

trabalhador com os filhos, o relacionamento conjugal, o contexto social e comunitário mais

amplo (Seligmann-Silva, 1994).

Tittoni (1994) ao investigar as experiências dos trabalhadores de uma fábrica

do Pólo Petroquímico de Triunfo, Estado do Rio Grande do Sul, no seu cotidiano de

trabalho aponta o trabalho em turnos alternados como um dos principais elementos da

organização do trabalho, segundo o relato desses trabalhadores, que causa prejuízos à

saúde física e mental.

De acordo com Tittoni (1994) a influência mais significativa na vida pessoal do

operador de processo petroquímico está relacionada ao trabalho em turnos, uma vez que a

vida pessoal e social tem que ser organizada de acordo com os horários de trabalho.

Segundo a autora (p.100) “ o trabalho em turnos aparece, no relato dos operadores de

processo petroquímico, como sendo um dos principais elementos organizacionais que

interferem em sua vida e reforçam seu ‘modo de ser’ ”. A alteração de horários de trabalho

acarreta modificações que vão além do trabalho propriamente dito, alterando hábitos

alimentares, sono e descanso, que pode resultar em distúrbios fisiológicos, psicossomáticos

ou em sintomas psicológicos, entre eles a irritabilidade e um estado constante de

tensionamento (Tittoni, 1994).

As influências exercidas pelo trabalho em turnos na vida social e familiar

consistem num dos pontos cruciais para os trabalhadores em geral. Com relação aos

operadores de processo petroquímico, a dificuldade de manter os amigos e o convívio

familiar aparece em todos os relatos. Tittoni (1994) destaca que uma das principais

influências na vida dos trabalhadores pesquisados é “a desorganização ou mesmo o

aniquilamento da vida social, pela impossibilidade de convívio com pessoas do círculo

social fora da família mais imediata - casal e filhos ou, no caso de ser solteiro, pais e

irmãos – e o acesso ao lazer coletivo, como festas e cinemas” (p.101).

A vida social dos trabalhadores de turnos alternados passa a ser regulada pela

tabela de horários da empresa e não por sua vontade e necessidade, ou seja, sua vida

pessoal passa a ser controlada por um agente externo. Assim, impossibilitado de manter

laços afetivos e sociais seguros, o trabalho satisfaz também as necessidades de lazer,

quando o trabalhador passa a “brincar” e descontrair-se nos momentos de trabalho e a

estreitar suas relações muito mais com colegas de trabalho que com grupos diferentes.

Segundo Tittoni (1994), o “desgaste” produzido pelo trabalho em turnos gera

um tipo de sofrimento muito específico nesses trabalhadores

“que é o impedimento causado pelo trabalho de participar da sociedade, de

suas comemorações, suas festas e, enfim, de usufruir dos bens sociais que seu

próprio trabalho ajuda a criar. Assim, o trabalho interfere diretamente na vida

dos trabalhadores, tanto do ponto de vista social quanto do biológico e

emocional. Eles sentem em seu corpo, em seu ‘jeito’, nos relacionamentos que

estabelecem, a influência direta da forma pela qual o trabalho que realizam

está organizado” (p.106).

Os operadores relatam como dificuldades a diminuição do tempo de convívio com os

filhos, desajustes no relacionamento sexual, brigas e desentendimentos freqüentes em

função da irritabilidade oriunda dos distúrbios do sono. Quanto ao casamento, o medo da

infidelidade aparece como tema constante nos relatos dos trabalhadores, uma vez que o

trabalho em turno impossibilita o controle da vida conjugal e familiar durante a noite,

ressaltando o sentimento de solidão. É comum em seus relatos a figura do “Ricardão”, bem

como piadas e brincadeiras sobre traição, reforçando o medo da infidelidade conjugal.

(Tittoni, 1994).

Em contradição, o casamento aparece para o trabalhador de turnos alternantes

como possibilidade de criação de um lugar de referência e de compartilhar com outra

pessoa os momentos de sua vida, mas não como completa resolução para o sentimento de

solidão que esse tipo de trabalho acarreta.

Tittoni (1994) ressalta o “desgaste” provocado pelo trabalho em turnos

alternantes, apresentando alterações na fisiologia e na saúde humanas. A autora não buscou

analisar especificamente a relação entre saúde e trabalho, mas salienta que as queixas

apresentadas pelos trabalhadores estudados podem ser consideradas sintomas de alteração

física e psicológica. Segundo ela, “a experiência no trabalho, nesse caso, pode ser

associada à experiência do adoecimento (...) o fato de trabalhar pode estar trazendo uma

série de distúrbios e alterações psicológicas e fisiológicas que, também elas, são difíceis

de serem controladas” (Tittoni, 1994, p.117). Exemplo disso é a irritabilidade como

decorrência do cansaço físico e que interfere no convívio familiar desses trabalhadores.

O trabalho em turnos pode ser considerado prejudicial em vários aspectos da

vida desses trabalhadores. A autora chama a atenção, em seu estudo, para fatores como

alterações do ciclo fisiológico (sono e alimentação) e alterações psicológicas. Quanto ao

ciclo fisiológico são observados distúrbios do sono, uma vez que há inadequação das

condições diurnas para o sono em função de maior intensidade de ruídos e luminosidade

que não favorecem o descanso pleno; gastrite e úlcera aparecem em grande parte dos

relatos como decorrência da irritabilidade; e a sensação de envelhecimento que os

trabalhadores percebem uns nos outros como conseqüência do desgaste provocado pelo

trabalho em turnos.

As alterações psicológicas podem ser percebidas, principalmente, nos

sentimentos de abandono e solidão freqüentemente relatados pelos trabalhadores, com

mais ênfase nas festas de final de ano – Natal e Ano Novo – e carnaval. Somados ao

sentimento de solidão e abandono aparecem a irritabilidade, a impossibilidade de

estabelecimento de laços afetivos fora do local de trabalho, diminuição do tempo de

convivência com os filhos, desajustes no relacionamento sexual e o medo da infidelidade.

É possível perceber a partir dos dados coletados pela autora nas entrevistas

com os operadores de processo petroquímico, o quanto estão expostos e sujeitos ao

adoecimento físico e psicológico decorrentes principalmente do trabalho em turnos

alternados. Tal estudo chama a atenção para os prejuízos aos trabalhadores advindos desse

horário de trabalho e para a importância de estudos que busquem alternativas para

minimizar o sofrimento vivenciado por esses trabalhadores.

Fischer, Lieber & Brown (1995) destacam que o grande desafio enfrentado pelos

administradores de Recursos Humanos e Saúde Ocupacional é a intervenção nos

problemas advindos do trabalho em turnos alternados. Após pesquisarem vários autores,

sugerem como recomendações a implementação de uma política de saúde ocupacional que

priorize padrões de qualidade de condições de trabalho e de vida aos trabalhadores; a

existência de um serviço de saúde ocupacional que se preocupe com melhorias nas

condições de trabalho, que realize contínua investigação dos aspectos relacionados ao

trabalho em turnos alternados, bem como monitoramento de parâmetros biológicos (sono,

alimentação, etc.); aconselhamento para os trabalhadores em relação à sua dieta e a

prevenção de certos hábitos (fumo, ingestão de bebidas alcoólicas e com cafeína, por

exemplo).

Acrescentam também que alguns autores sugerem o ‘cochilo noturno’ como

possibilidade de intervenção, medida que poderia atenuar a sonolência durante o trabalho e

que poderia facilitar a transição do turno diurno para o noturno, mantendo o estado de

alerta em níveis aceitáveis e diminuindo a fadiga. Além do ‘cochilo noturno’ também

ressaltam a importância da manutenção de uma rotina de sono, dietas especiais, atividade

física e a implementação de esquemas de turnos compatíveis, bem como a participação dos

trabalhadores nestas decisões. Fischer, Lieber & Brown (1995)

Considerando as pesquisas dos autores Seligmann-Silva, Laureel & Noriega e

Tittoni citadas anteriormente, verifica-se a importância de investigar influências das

condições e da organização do trabalho na saúde do trabalhador. As pesquisas apontaram

que características, tanto das condições de trabalho quanto do modo como o trabalho se

organiza, estariam atuando diretamente na gênese de distúrbios somáticos e

psicossomáticos.

2. MÉTODO