É possível perceber uma interface entre organização do trabalho e saúde mental que precisa ser estudada e analisada em cada situação de trabalho. Cabe ressaltar o que se entende por saúde mental no trabalho que, de acordo com Mendes (1995), é a possibilidade do trabalhador atualizar seu potencial, compatibilizar suas competências técnicas às tarefas determinadas pela empresa e ter espaço para usar sua criatividade e para participar do planejamento e das decisões sobre seu trabalho. O trabalhador ao sentir-se útil, produtivo e valorizado, fortalece sua identidade de sujeito à medida que sua auto imagem é reforçada e existem possibilidades de auto realização. Para Seligmann-Silva (1986, p. 59), utilizar a denominação saúde mental do trabalho “ (...) seria focalizar também a saúde mental como processo onde as agressões dirigidas à mente pela vida laboral são confrontadas pelas fontes de vitalidade e saúde representadas pelas fontes de natureza múltipla, individuais e coletivas, que funcionam como preservadoras da identidade, dos valores e da dignidade dos trabalhadores”. Os conceitos envolvidos na abordagem saúde mental do trabalho focalizam ainda as condições de trabalho geradoras de tensão e de fadiga. É possível observar a existência de uma pluralidade de conceitos referentes ao assunto em questão, o que não significa que se excluam mutuamente, pelo contrário, chegam a ser complementares. As denominações mais consideradas pelos que têm estudado o assunto são as seguintes: “stress laboral” (work-stress); neurose do trabalho; síndrome neurótica do trabalho; fadiga mental e fadiga patológica; tensão laboral; sofrimento mental decorrente da vida laboral. (Seligmann-Silva, 1986) Tais termos referem-se mais especificamente aos efeitos psíquicos e psicossomáticos do trabalho. Seligmann-Silva (1994) ressalta as dificuldades existentes à conceituação e investigação no que se refere à saúde mental e trabalho. Acrescenta ser comum encontrar num mesmo autor a utilização de vários termos para referir-se ao assunto – como os citados acima, por exemplo - , “o que é compreensível diante da abundância de termos e da escassez de definições precisas, na literatura referente ao assunto” (p. 219). É possível observar que autores como Mendes e Seligmann-Silva diferem no modo como se referem a esse conceito, enquanto Mendes denomina saúde mental no trabalho Seligmann-Silva refere-se à saúde mental do trabalho. Percebendo que há diferença na utilização desses termos, para fins desse estudo utilizar-se-á a denominação de saúde mental e trabalho, considerando que o que se busca investigar são os riscos percebidos pelos trabalhadores diante das condições e organização do trabalho. Assim como a Psicopatologia do Trabalho as repercussões do trabalho na saúde mental, embora estudadas há mais tempo, apenas nos últimos anos estão recebendo atenção na formação de profissionais da saúde e reuniões científicas. De acordo com Seligmann-Silva “pesquisas sobre o assunto chegaram a ter resultados que foram considerados propriedade e segredo de empresas que as encomendaram nas primeiras décadas deste século; nunca foram publicadas, talvez pelo temor dos reflexos sociais destas descobertas” (1997, p.03). O que tem sido identificado, no entanto, é que o trabalho é um importante mediador entre instâncias sociais e a saúde humana, em processos que podem favorecer ou prejudicar esta relação. O trabalho pode ser fonte de fortalecimento ou de desgaste para a saúde física e mental. De acordo com Seligmann-Silva (1997) a análise das situações de trabalho constitui o foco central nas pesquisas em saúde mental e trabalho. Segundo a autora “A organização do trabalho que inclui, em seus múltiplos aspectos, desde as formas de gestão até a organização temporal e as relações inter-hierárquicas e interpessoais, vem ocupando um lugar central nos estudos em que se busca entender as vinculações entre saúde mental e trabalho para, assim, identificar, perspectivas preventivas. As situações de trabalho compreendem, além dos aspectos organizacionais, os aspectos do ambiente físico, químico e biológico, que tradicionalmente eram os únicos estudados em Medicina do Trabalho; analisam ainda as múltiplas interações existentes, por um lado, entre os componentes internos destas situações de trabalho e, pelo outro, as conexões destes componentes ao contexto sócio-político e econômico” (1997, p.04). Além de abordar aspectos referentes ao contexto político e sócio-econômico, as pesquisas de saúde mental e trabalho necessitam investigar as interações entre as condições gerais de vida e as situações de trabalho, considerando que o trabalho não é, necessariamente, único responsável pelos prejuízos à saúde em geral, mas pode favorecer ou prejudicar tal situação. Seligmann-Silva (1997) chama a atenção para o fato que na transição entre saúde e doença há um estágio de mal-estar e de tensão que ainda não pode ser considerado patologia, mas que se não forem encontradas alternativas para sua superação pode assumir a configuração de quadros patológicos. Tal estágio era simplesmente considerado nos estudos iniciais de psicofisiologia do trabalho como fadiga, mas pesquisadores têm conferido outras denominações tais como sofrimento, stress leve ou simplesmente stress. Além disso, o conhecimento desse estágio de transição assume importância para as práticas preventivas, ou como reforça a autora “o desafio preventivo torna-se tanto maior à proporção que passa a exigir um diálogo cada vez mais permanente entre os profissionais na área da saúde e os responsáveis pelo planejamento e pela administração no mundo do trabalho” (Seligmann-Silva, 1997, p.05). O trabalho sofisticado tem sido foco de investigação no campo da saúde mental e trabalho, entendendo aqui trabalho sofisticado como aquele que o trabalhador é levado a assumir uma posição de mero vigilante do sistema, sem interação inteligente com o mesmo. Exemplo disso o trabalho diante de telas de vídeo e em sistemas automatizados tradicionais. Seligmann-Silva (1997) buscou examinar descobertas relevantes que configuram novos desafios aos pesquisadores da saúde mental e trabalho e de áreas correlatas, enfocando o trabalho computadorizado e a automação. O estudo de Dejours e do grupo francês de Psicopatologia do Trabalho das defesas empregadas pelos trabalhadores apontam para os modos coletivos de negar, reprimir ou deslocar sentimentos de medo ou repugnância, por exemplo. Tais defesas assumem importância para a saúde geral, saúde mental e a própria segurança do trabalho, uma vez que os mecanismos de defesa coletivos atuam ao lado das defesas psicológicas individuais para tornar suportável o trabalho perigoso e o trabalho gerador de sofrimento psíquico. Quer dizer “ao bloquearem a percepção crítica dos aspectos potencialmente agressivos da situação de trabalho, estes mecanismos colocam também obstáculos nos caminhos para a organização de enfrentamentos conscientes” (Seligmann-Silva, 1997, p.07). Acreditava-se que a elevação dos níveis de qualificação significaria menor impacto à saúde em geral e, conseqüentemente, para a saúde mental, mas tal fato foi contestado por estudos realizados na Alemanha. Marstedt (conforme citado por Seligmann- Silva, 1997) revisando tais estudos observou aspectos organizacionais nas empresas estudadas identificando conceitos e práticas de racionalização responsáveis pelo aumento das cargas mentais de trabalho, condicionando riscos para a saúde. Estas cargas dizem respeito à complexidade das atividades, exigência de polivalência, elevadas cargas psicoafetivas - autocontrole emocional exacerbado, exigências de perfeição no desempenho, alto nível de responsabilidade, insegurança quanto à manutenção do emprego e perspectivas de carreira, múltiplos tipos de pressão temporal (prazos, ritmos, etc.). Salienta ainda que as políticas de saúde ocupacional precisam estar atentas para as implicações prejudiciais dos novos conceitos de racionalização adotados pelas empresas. No documento Organização, condições do trabalho e percepção de riscos à saúde por parte dos trabalhadores: um estudo em uma indústria cerâmica (páginas 30-34)