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Pesquisas sobre a formação de conceitos por crianças com deficiência

Dado a importância dos conceitos no desenvolvimento cognitivo, muitos estudos vêm sendo realizados sobre a formação de conceitos por crianças de diferentes faixas etárias. Estes estudos englobam diversos fatores envolvidos neste processo, bem como estão vinculados a diferentes concepções teóricas. No decorrer desta pesquisa, foi realizado um levantamento da literatura nacional e internacional acerca do processo de formação de conceitos básicos por crianças com deficiência. Este levantamento, cuja execução será melhor detalhada no Capítulo 5, foi realizado em diversas bases de dados e em bibliotecas de universidades situadas nos estados de São Paulo e Espírito Santo.

Embora a grande maioria das pesquisas tenha sido feita com crianças sem deficiência, várias delas investigaram o processo de formação de conceitos por sujeitos que apresentam algum tipo de deficiência (deficiência auditiva, deficiência mental, Síndrome de Down, etc.). Poucos pesquisadores, entretanto, procuraram estudar este processo em crianças com seqüelas de paralisia cerebral. No decorrer deste levantamento bibliográfico, foram encontrados alguns relatos de pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo e sobre a brincadeira de crianças com este tipo de deficiência, os quais foram apresentados nos capítulos anteriores. No que se refere, contudo, ao processo de formação de conceitos por sujeitos com paralisia cerebral, foram encontrados apenas dois trabalhos, que serão sucintamente descritos.

Lamônica et al. (2003) avaliaram o índice de reconhecimento semântico em 30 crianças com paralisia cerebral, com idades entre dois anos e sete anos e onze meses. Foram realizadas provas de reconhecimento de figuras e nomeação, nas quais o grupo controle (de crianças sem deficiência) apresentou resultados superiores ao grupo experimental. As crianças com paralisia cerebral tiveram maior dificuldade para reconhecer figuras de objetos não relacionados à vida diária, o que pode ter ocorrido pela falta de possibilidades de vivenciar experiências que não estejam relacionadas ao dia a dia. Também foi observada a influência do comprometimento motor, com as crianças com hemiparesia apresentando melhores resultados do que as com diparesia, seguidas pelo grupo com tetraparesia.

Carabetti, Leme e Prieto (2005), realizaram dois estudos de caso com o objetivo de investigar a formação do conceito de número em pessoas com paralisia cerebral. Foram realizadas provas piagetianas referentes à quantidade, igualdade, seriação, classificação e conservação, em quatro sessões individuais. Os resultados permitiram verificar que, enquanto o participante com quadro motor mais leve e melhor condição econômica ainda não havia construído o conceito de número, o participante com um quadro motor mais extenso e situação

econômica menos privilegiada, já havia adquirido o conceito avaliado. As autoras discutem que, para este aluno, a dificuldade para manipular objetos e para locomoção não se mostrou fator limitante para a aquisição desta noção, uma vez que a interação verbal no ambiente familiar, a interação com sua mãe, a vivência de brincadeiras infantis e a aprendizagem escolar parecem ter compensado a disfunção.

Enquanto a investigação de Lamônica et al. (2003) indica que o desenvolvimento de conceitos pode apresentar relação com o grau de comprometimento motor, o estudo de Carabetti, Leme e Prieto (2005) sugere que nem mesmo um grave comprometimento é fator impeditivo para o desenvolvimento conceitual. Por outro lado, ambos os estudos sugerem que as experiências cotidianas, ou a restrição destas, parecem exercer fortes influências sobre este processo.

No que se refere ao processo de formação de conceitos por crianças com deficiência mental, autismo ou Síndrome de Down, serão relatados alguns poucos trabalhos que talvez possam ajudar-nos a discutir e/ou interpretar os resultados deste estudo.

Spector (1979), como parte de um programa para identificar crianças com possibilidades de desenvolver dificuldades de aprendizagem, aplicou o Teste de Conceitos Básicos de Boehm (BTBC) em 300 crianças em idade pré-escolar, no estado de Nova Iorque. A autora arrolou alguns fatores como possíveis responsáveis pelos erros das crianças: inabilidade em focar a atenção nas palavras-chave das questões, déficits na percepção espacial, déficits de vocabulário, inabilidade em distinguir entre conceitos similares, dificuldade quanto ao nível de abstração do conceito, pobre memória auditiva para as sentenças, influências sociais e culturais. Para a autora, uma pobre compreensão dos conceitos básicos dificulta a capacidade da criança de receber informações e de comunicar suas idéias.

Scheuer (1993) realizou um estudo com o objetivo de avaliar a produção oral das relações espaciais dentro/fora, em cima/embaixo, frente/atrás e perto/longe. Participaram 18 sujeitos com

deficiência mental leve, institucionalizados, com idades entre 11 e 15 anos, em fase de escolarização. Constatou-se que os resultados deste grupo foram primários e rudimentares, podendo ser comparados aos de crianças pequenas, que apresentam uma linguagem oral prática, de ações e funções.

Bock (1994) avaliou os efeitos do treinamento de estratégias de categorização na aquisição, manutenção e generalização de habilidades para completar tarefas de classificação por quatro crianças com autismo. Verificou-se que o treinamento resultou numa melhora do desempenho em atividades de classificação treinadas e não treinadas. Três destas crianças apresentaram uma manutenção da melhora após dois meses do término do programa de treinamento.

Penazzo (1994) investigou o papel da ação nos processos de abstração e generalização envolvidos na aprendizagem de conceitos, fundamentado na teoria de Piaget. Pesquisou a formação do conceito de sapato em 15 sujeitos com deficiência mental leve, com idades cronológicas entre 7,6 e 11,7 anos. Constatou que a experiência motora, por meio da ação sobre objetos concretos, associada ao exemplo do conceito que se quer ensinar, facilita o processo de abstração.

Aguiar (200121, apud AGUIAR, 2004) avaliou a influência do jogo na aprendizagem de conceitos fundamentais para a aprendizagem da leitura e da escrita por sujeitos com deficiência mental considerados alfabetizáveis. Participaram 21 sujeitos, com idades entre oito e 17 anos. Os resultados indicaram a eficiência do jogo para a aprendizagem dos conceitos treinados, verificando-se, porém, uma lentidão na formação de conceitos pelos participantes. O autor

21 AGUIAR, J.S. Significado do jogo no ensino de conceitos para leitura e escrita a deficientes mentais com

condições de alfabetização. Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación Psicológica, v. 11, n. 1, p. 131- 151, 2001.

discute, ainda, que o ensino individualizado, o vínculo afetivo e a ação sobre objetos concretos podem ser importantes para a aprendizagem de crianças com deficiência mental.

O mesmo autor (2004) estudou a influência de um programa de jogos recreativos infantis na aprendizagem de conceitos relevantes para a vida cotidiana, tendo como sujeitos crianças com problemas de aprendizagem. Participaram 15 alunos de uma escola especial, com idades entre 8,7 e 13,9 anos. O autor utilizou o Teste de Conceitos Básicos de Boehm como instrumento de avaliação e como guia para a preparação do programa de jogos. Os resultados confirmaram a eficiência do programa de jogos para a aquisição dos conceitos treinados, bem como de sua generalização para situações de sala de aula.

Lomônaco et al.22 avaliaram o domínio de conceitos básicos por 20 crianças com

Síndrome de Down (idade média: 13,68) e 31 crianças sem deficiência (idade média: 6,48). Como instrumento de avaliação, utilizaram 18 dentre as 50 questões do Teste de Conceitos Básicos de Boehm. Os resultados indicaram um maior domínio dos conceitos básicos por parte das crianças sem deficiência. As crianças com síndrome demonstraram maior facilidade na aprendizagem de alguns conceitos, tais como debaixo, metade e depois, enquanto que alguns conceitos mostraram-se bastante difíceis, tais como lado direito, frente e sempre. Os autores discutem a influência da estimulação escolar e das experiências cotidianas no desenvolvimento de conceitos, bem como salientam algumas limitações do teste utilizado.

Os estudos realizados por Lomônaco et al. (em fase de conclusão), Scheuer (1993) e Spector (1979) apontam para a ocorrência de um atraso no desenvolvimento de conceitos por crianças com deficiência mental. Por outro lado, Aguiar (2001, apud AGUIAR, 2004), Aguiar (2004), Bock (1994), Penazzo (1994) mostram que a experiência lúdica, o treinamento de

22 LOMÔNACO, J.F.B.; CAZEIRO, A.P.M.; CABRAL, C.;. ULASOWICZ, C.; COTRIN, J. O desenvolvimento de conceitos básicos por crianças com Síndrome de Down. Artigo em fase de conclusão.

estratégias de categorização e a experiência motora, influenciam na formação de conceitos básicos por crianças com deficiência, o que sugere que a falta de oportunidades para vivenciar este tipo de experiência pode influenciar de forma negativa no desenvolvimento cognitivo destas crianças.

CAPÍTULO 4

A PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY