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3 REVISÃO DE LITERATURA

3.2 Philodryas olfersii

O gênero Philodryas é composto por aproximadamente 20 espécies (ARREDONDO,2011) restritas a América do Sul e apresentando ampla distribuição geográfica, sendo que 10 dessas ocorrem no Brasil:

P. aestivus (Duméril, Bibron et Duméril, 1854);

P. arnaldoi (Amaral, 1932);

Figura 3: Esquema ilustrativo mostrando os quatro tipos de dentição encontrados nas serpentes, sendo (a) dentição do tipo áglifa, (b) dentição do tipo opistóglifa, (c) dentição do tipo proteróglifa e (d) dentição do tipo solenóglifa.

P. mattogrossensis (Koslowisky, 1898);

P. nattereri (Steindachner, 1870);

P. viridissimus (Linnaeus, 1758);

P. olfersii (Lichtenstein, 1823);

P. patagoniensis (Girard, 1857);

P. livida (Amaral, 1923);

P. oligolepis (Gomes in Amaral, 1921);

P. psammophidea (Günther, 1872).

Suas características principais são corpo alongado, pupilas redondas e dentição opistóglifa (BÉRNILS; COSTA, 2012; ARREDONDO,2011). No Brasil podem ser encontradas em algumas áreas na região Nordeste e Centro-Oeste e em toda a região Sudeste e Sul, estendendo-se até a Patagônia (HARTMANN;

MARQUES,2005).

A espécie Philodryas olfersii (Figura 4), família Dipsadidae, subfamília Xenodontinae, conhecida popularmente como Cobra-cipó, Cobra de São João ou mais frequentemente Cobra-verde, devido a sua coloração, é a serpente opistóglifa responsável pela maior parte dos acidentes causados por dipsadídeos no Brasil (COLLAÇO et al., 2012; CORREIA et al., 2010).

Fonte:http://www.ufrgs.br/herpetologia/R%C3%A9pteis/Philodryas%20olfersii.htm [acesso em 25/08/2016 às 21h 49]

Figura 4: Serpente pertencente a espécie Philodryas olfersii (cobra-verde).

É um dipsadídeo de porte médio, encontrado em vários ecossistemas, que apresenta hábitos terrestres e semi-arborícolas, vivendo em florestas e áreas adjacentes (LEITE et al., 2009). P. olfersii é descrita como sendo semi-arbórea uma vez que é comumente encontrada no solo e em florestas, no entanto, quando na floresta, é mais frequentemente encontrada na vegetação (HARTMANN; MARQUES, 2005; MESQUITA et al., 2012; MESQUITA et al., 2013).

Nos meses chuvosos é comum perceber um aumento na quantidade de serpentes ativas, possivelmente devido a maior disponibilidade de presas e também para fins de reprodução. A serpente P. olfersii apresenta hábito exclusivamente diurno, onde suas atividades diárias estão mais concentradas nos períodos mais quentes do dia (HARTMANN; MARQUES, 2005; PONTES, 2007; MESQUITA et al., 2011; MESQUITA et al., 2013).

Sendo um predador generalista, a serpente P. olfersii pode predar uma ampla variedade de pequenos vertebrados (LEITE et al., 2009). Sua dieta consiste em:

lagartos, sapos, mamíferos, pássaros, peixes e ovos de répteis, apresentando grande interesse por sapos, mas também sendo comum predarem passeriformes (Figura 5) (HARTMANN AND MARQUES, 2005; FRANÇA et al., 2008; MESQUITA et al., 2013).

Figura 5:Philodryas olfersii predando um passeriforme em Caçapava SP

Foto: Autora, 2016.

No entanto, Balestrin (2008) em um estudo conduzido em uma serra na região sudeste do Rio Grande do Sul, constatou que a dieta dessa serpente era exclusivamente composta por pássaros. É possível observar uma variação ontogenética tanto quantitativa (número de diferentes itens consumidos) quanto qualitativa (tipos de itens consumidos) em serpentes do gênero Philodryas (VASCONCELOS-FILHO et al., 2015).

Esta variação ontogenética sofre influência do tamanho da serpente, uma vez que as serpentes juvenis apresentam uma dificuldade para subjugar presas grandes bem como a disponibilidade associada com o uso de micro hábitat, o que explica a maior incidência de aves na dieta de P. olfersii (PONTES, 2007).

O ciclo reprodutivo de P. olfersii é longo e ocorre entre os meses de outubro a abril (BALESTRIN, 2008) ou entre junho a dezembro (MESQUITA et al., 2011).

Mesquita et al. (2013) reportou a presença de folículos vitelogênicos ao longo do ano. Apesar das fêmeas apresentarem folículos vitelogênicos ao longo do ano, o seu ciclo reprodutivo não é continuo já que a ovulação é claramente sazonal e restrita aos meses de novembro a janeiro. Além disso, os machos aparentam ter um período de dormência reprodutiva durante os meses mais frios, de junho a setembro (MESQUITA et al., 2011).

Todas as espécies apresentam um dimorfismo sexual similar, onde as fêmeas apresentam um comprimento rostro-cloacal maior do que os machos, porém os machos apresentam caudas relativamente mais longas. Essa diferença, no entanto,

não ocorre em P. olfersii (FOWLER; SALOMÃO, 1994; MESQUITA et al., 2013). A ausência de dimorfismo entre machos e fêmeas relativo ao tamanho da cabeça está relacionado ao nicho alimentar, já que cada sexo pode predar diferentes tipos e tamanhos de presas. Portanto, essa ausência de dimorfismo sugere que ambos os sexos de P. olfersii se alimentam de presas similares (MESQUITA et al., 2011).

3.3 Importância dos estudos sobre a peçonha e toxinas de serpentes

As serpentes peçonhentas são animais que, durante sua evolução, se especializaram em afetar as funções vitais de suas presas por meio de suas peçonhas. As toxinas presentes nas peçonhas de serpentes são cada vez mais estudadas, possibilitando a elucidação de vários processos bioquímicos e fisiológicos manifestados durante o envenenamento, e são cada vez mais utilizadas como ferramentas farmacológicas e também como protótipos para o desenvolvimento de novos princípios ativos de drogas para os mais variados fins.

(NERY, 2012; LOPES,2008).

As serpentes produzem sua peçonha em glândulas especializadas, que são capazes de sintetizar e secretar uma quantidade e variedade de substâncias biologicamente ativas, sendo capazes de paralisar e matar outro organismos e ajudar na defesa contra predadores ou agressores (NERY, 2012).

As peçonhas de serpentes, em geral, são misturas complexas de várias substâncias, onde a proporção e características variam entre famílias, gêneros e entre as mesmas espécies. Sua composição também pode variar em função da idade e do sexo do animal, assim como pelos seus hábitos alimentares, distribuição geográfica, caráter individual entre as serpentes e também pela sazonalidade (NERY,2012; LOPES,2008,). Cerca de 90%, do peso seco das peçonhas de serpentes, referem-se a proteínas e enzimas, hialuronidases, L-amino-oxidases, metaloproteases e serinoproteases, sendo os demais componentes constituídos por peptídeos, compostos orgânicos de baixa massa molecular e compostos inorgânicos como cálcio, potássio e zinco, como mostra a Figura 7 (NERY, 2012).

Fonte: Ramos; Araújo, (2006).

A intensidade dos sintomas após o envenenamento está diretamente

A intensidade dos sintomas após o envenenamento está diretamente relacionada com a quantidade de peçonha que foi inoculada, que por sua vez, está relacionada com o tamanho, idade e tempo de alimentação da serpente (NERY, 2012).

Figura 6: Quadro ilustrativo mostrando os principais componentes da peçonha de serpentes.

As toxinas da peçonha de serpentes, normalmente, estão envolvidas em mecanismos de defesa, além de possuírem características de letalidade, já que são utilizadas para captura, abate e digestão de suas presas e de possíveis inimigos.

Para isso, é necessário que essas toxinas sejam biologicamente ativas, havendo possíveis aplicabilidades terapêuticas para elas (LEWIS; GARCIA, 2003).

Cada vez mais se faz necessário o conhecimento sobre os mecanismos de ação das toxinas e antitoxinas animais e vegetais para a busca de técnicas de diagnósticos, tratamentos alternativos ao envenenamento e/ou para o desenvolvimento de novos fármacos. Como um exemplo clássico na literatura cientifica, da aplicação dessas toxinas na terapêutica, temos a utilização do peptídeo oriundo da peçonha de Bothrops jararaca, utilizada como um protótipo para o tratamento de doenças cardiovasculares, sendo o agente terapêutico o captopril, um inibidor da enzima conversora de angiotensina (LEWIS; GARCIA, 2003).

3.4 Efeitos biológicos da peçonha de Philodryas olfersii

A peçonha das serpentes são misturas complexas de componentes proteicos e não-proteicos e que apresentam uma ampla gama de atividades biológicas (ZELANIS et al., 2010). Os principais componentes, presentes na peçonha dos dipsadídeos, são os polipeptídeos que podem ou não apresentar atividade enzimática. As toxinas enzimáticas presentes na peçonha podem ser hidrolases como as proteinases, fosfodiesterases e fosfolipases que auxiliam na digestão de suas presas (NERY, 2012). As proteínas podem atuar em substratos inespecíficos ou em substratos altamente especializados, como no caso das serinoproteinases e metaloproteinases (BJARNASON; FOX, 1994; GUTIÉRREZ; RUCAVADO,2000).

A pesar da maioria dos registros existentes não declararem sérias consequências nos acidentes causados por serpentes opistóglifas, muitos relatos ressaltam a importância das toxinas presentes nessas peçonhas, sendo que os registros causados por colubrídeos Sul-americanos datam do início do século XIX (LOPES, 2008).

A família Dipsadidae é uma das maiores famílias dentre a superfamília Colubroidea, consistindo em mais de 700 espécies (UETZ; FREED; HOŠEK, 2013).

Embora essas serpentes sejam consideradas não peçonhentas, estudos mostram que a glândula de Duvernoy, localizada na região posterior da maxila, presente

nessas serpentes produzem substancias tóxicas que podem causar efeitos locais e sistêmicos (CORREIA et al., 2010; VASCONCELOS-FILHO et al., 2015).

Os acidentes causados pela família Dipsadidae, mais especificamente, pelo gênero Philodryas, apresentam manifestações clinicas semelhantes aos acidentes botrópicos (jararacas), onde se destaca hemorragia local, desenvolvimento do processo inflamatório e/ou necrose, podendo ou não apresentar sintomas de ordem sistêmica (NERY, 2012; PUORTO; FRANÇA, 2003).Grande parte dos sinais e sintomas observados nesses acidentes é resultante tanto do trauma mecânico da mordida como também da ação de toxinas presentes em sua peçonha (ACOSTA DE PÉREZ et al., 2003).

Após a inoculação da peçonha de uma espécie pertencente à família Dipsadidae, é possível observar os seguintes sinais na vítima (Figura 6): dor, inchaço, hematomas, sangramento transiente, necrose muscular e efeitos sistêmicos, tais como tonturas e vômitos (VASCONCELOS-FILHO et al., 2015).

Nota: A) lesão após a mordida da serpente P. olfersii. A seta indica o local de inoculação pela dentição do tipo opistóglifa, na mão direita. B) a mão direita do paciente apresentando edema e equimoses após o envenenamento. C) regressão dos sintomas após a soroterapia. D) O espécime capturado de P. olfersii.

Fonte: Foto de Correia et al., 2010.

Araújo e Santos (1997) relataram que tanto a mordida de P. olfersii quanto de P. patagoniensis não causam dor ou sangramento imediato, porém 15 minutos após o acidente foi observado a formação de um edema que mais tarde progrediu para toda a região do antebraço e braço, impedindo os movimentos do membro afetado e

Figura 7: Envenenamento causado por uma serpente da espécie Philodryas olfersii, atendido no Hospital da Restauração do Recife, Pernambuco.

formando duas áreas de hematomas. Este edema durou 15 dias e não foram identificados efeitos sistêmicos na vítima.

Além disso Peichoto, Céspedez e Pascual (2007) observaram a presença de uma dor ardente após a picada de P. olfersii, assim como tonturas, náuseas e vômitos, que persistiram durante duas semanas, mesmo após intervenção medicamentosa. A presença de hemorragia transitória, eritema, bem como os sinais clínicos já mencionados acima, tem sido relatos, porém não observados em todos os casos de picadas por P. olfersii. Como demonstrado por Rocha e Furtado (2007) a formação de edema após picada de P. olfersii e P. patagoniensis foi muito rápida, ocorrendo entre 5 e 10 minutos após a inoculação da peçonha, atingindo seu efeito máximo após 30 minutos e manteve-se estável até a quarta hora após o envenenamento.

De acordo com alguns estudos a peçonha produzida pela glândula de Duvernoy da serpente P. olfersii apresenta alta atividade hemorrágica, com um pico de atividade de duas a quatro horas e doses mínimas para sangramento de 24ug/camundongo de peçonha (ROCHA; FURTADO, 2007). Em outros estudos foram encontrados uma dose mínima para sangramento de 0.5ug/camundongo de peçonha (ASSAKURA et al.,1992). A atividade hemorrágica da peçonha é provavelmente causada pela ação de metaloproteinases que degradam a membrana basal da parede dos vasos sanguíneos, resultando numa perda da integridade capilar levando a um sangramento local. Além disso, as enzimas fibrinogenolíticas reduzem a quantidade de fibrinogênio do plasma por hidrólise, dificultando a coagulação (VASCONCELOS-FILHO et al., 2015).

A peçonha de Philodryas spp. apresenta alta atividade proteolítica, superando até mesmo as peçonhas de Bothrops alternatus e B. jararaca, o que parece ser um fator determinante, resultando em extensas mionecroses, caracterizada pela presença de núcleos picnóticos (PRADO-FRANCESCHI et al.,1998), aumentando de intensidade ao longo do tempo (VASCONCELOS-FILHO et al., 2015). Foi proposto por Rocha e Furtado (2007) uma dose necrosante mínima, para P. olfersii, de 79.1ug/camundongo de peçonha. Está necrose é provavelmente causada pelas enzimas proteolíticas presentes na peçonha e que degradam a matriz extracelular dos tecidos. Isso pode ser visto de maneira mais proeminente nos arredores do músculo gastrocnêmio inoculado com peçonha, onde é possível se observar degradação das miofibrilas, danificando e inibindo as contrações musculares

(PRADO-FRANCESCHI et al.,1998). Outro fator no diagnóstico de mionecroses é o aumento dos níveis de creatina quinase (CK) no plasma, o qual é um marcador especifico para dano muscular (PRADO-FRANCESCHI et al.,1998; PEICHOTO et al., 2004).

Segundo Assakura et al. (1992) a peçonha de P. olfersii apresenta atividades hemorrágica, edematogênica e fibrinogenolíticas, sendo este desprovido de enzimas do tipo-trombina, procoagulantes, fosfolipase A2 e de agregação plaquetária. Após este estudo, Assakura et al. (1994) conseguiram isolar cinco diferentes proteinases fibrin(ogen)olíticas desta mesma peçonha, sendo elas: PofibC1, C2, C3 H e S.

Ao estudar os efeitos “in vivo” da peçonha de P. olfersii, Prado-Franceschi et al. (1996) demonstraram ação miotóxica, com aumento dos níveis séricos de creatino quinase (CK), e lise das células musculares em camundongos. Também foram observados paralisia e bloqueio irreversível em preparações da junção neuromuscular de pintainhos. Posteriormente, Prado-Franceschi et al. (1998) conseguiram isolar e caracterizar uma fração miotóxica com peso molecular de 20.0 kDa, sem ação fosfolipásica.

3.5 Epidemiologia

Os casos de envenenamentos representam um sério problema de saúde pública, sendo as serpentes as responsáveis mais frequentes por esses acidentes.

No Brasil foram registrados 27.261 casos de acidentes ofídicos com 120 óbitos no ano de 2014. Os três estados que apresentaram os maiores números de acidentes foram Pará (19,3%), Minas Gerais (10,3%) e Bahia (8,2%). A região onde ocorreu a maioria dos acidentes por serpentes foi a Norte (35,5%), seguida das regiões Nordeste (22,7%), Sudeste (22,2%), Centro-Oeste (10,5%) e Sul (9%) (DOURADO;

RECKZIEGEL; MOURA, 2014). Entretanto esse número parece não condizer com a realidade, uma vez que algumas serpentes peçonhentas não são consideradas como sendo peçonhentas devido à localização anatômica de suas presas inoculadoras (LEMOS et al., 2009). Isso é devido as características morfológicas das presas, já que serpentes opistóglifas apresentam dificuldade em inocular sua peçonha em razão da localização de suas pesas na parte de trás da mandíbula superior, como no casos de espécies pertencentes a família Dipsadidae (MEDEIROS et al., 2010; MENEZES et al., 2013).

O perfil epidemiológico dos acidentes ofídicos causados por serpentes consideradas não peçonhentas foi traçado a partir de estudos onde foi possível verificar que o número de relatos de picadas causadas por estas serpentes vem aumentando consideravelmente, tornando-se assim um problema de saúde pública (BIGELLI et al, 2012). No Brasil cerca de 40% entre todos os acidentes registrados no país são causados por serpentes consideradas não peçonhentas (SINAN, 2011).

Os estudos epidemiológicos tem demonstrado um elevado número de acidentes causados por serpentes com dentição opistóglifa (do grego ópisthen, atrás; posteriormente) pertencentes a família Dipsadidae, subfamília Xenodontinae, como vem ocorrendo com as serpentes do gênero Philodryas (ARAUJO; SANTOS, 1997, RODRÍGUEZ-ACOSTA et al., 2006).

3.6 Atividades das peçonhas de serpentes

3.6.1 Atividade proteolítica

A atividade proteolítica é atribuída a complexa mistura de enzimas proteolíticas que são responsáveis pelos efeitos locais da peçonha, onde os fatores responsáveis por esta atividade incluem as fosfolipases, proteases e toxinas polipeptídicas que agem destruindo membranas e células. Seu mecanismo de ação pode ser direto, por destruição celular, ou secundário, pela indução da síntese de mediadores inflamatórios, como leucotrienos, prostaglandinas e outras substâncias (VARGAFTIG et al., 1974). Além de importantes efeitos locais, como edema e necrose, peçonhas com atividade proteolítica podem acarretar em efeitos sistêmicos importantes, como choque, alterações na cascata de coagulação sanguínea, agregação plaquetária e liberação de autacoídes endógenos como histamina, serotonina e bradicinina (BRAZIL, 1982).

3.6.2 Atividade miotóxica

Durante o processo da mionecrose as modificações morfológicas que ocorrem no tecido estão associadas ao aumento nos níveis plasmáticos de creatinoquinase (CK), que é uma enzima intramuscular frequentemente utilizada como marcador de lesões musculares (GUTIÉRREZ; LOMONTE, 1989).

Experimentalmente, muitas espécies de serpentes induzem miotoxicidade (GUTIÉRREZ et al., 1992) no entanto a correlação destes achados com o aspecto clinico dos envenenamentos ainda não está totalmente clara. O envenenamento causado pelas serpentes do gênero Crotalus causam uma necrose muscular atribuída a crotoxina, composta por crotapotina, que não apresenta atividade enzimática, e fosfolipase A2(AZEVEDO-MARQUES et al., 1985). Tem sido observados modificações por necrose degenerativa e sinais de regeneração em fibras dos tipos I e IIa de músculo estriado (CUPO et al., 1992).

3.6.3 Atividade hemorrágica

A atividade hemorrágica está atribuída principalmente a componentes específicos denominados de hemorraginas, que são metaloproteinases que contem zinco, e que podem romper a integridade do endotélio vascular. São responsáveis pela degradação de vários componentes da matriz extracelular, como o colágeno tipo IV, fibronectina e laminina, sendo também potentes inibidores da agregação plaquetária (LOMONTE, 1994). Apresentam como possíveis mecanismos de ação a digestão enzimática da lâmina basal da microvasculatura e a ruptura completa das células endoteliais ou a formação de “gaps”. As clivagens específicas em pontos chaves desencadeariam mecanismos endógenos amplificadores, sendo que atualmente há clara evidencia de ataque proteolítico a lâmina basal vascular (GOULD et al.,1990; BJARNASON; FOX, 1994; KAMIGUTI et al., 1992; 1994).

3.6.4 Atividade inflamatória

A atividade inflamatória é resultante de um conjunto de frações heterogêneas e com especificidades diversas presentes na peçonha e que são responsáveis pelos fenômenos locais, sendo estas aminas biogênicas pré-formadas do tipo histamina, pequenos peptídeos ou proteínas como fosfolipases A2, esterases, proteases, enzimas liberadoras de cininas (calicreínas, cininogenases) e lectinas. As frações da peçonha frequentemente apresentam uma atividade direta, induzindo ou liberando potentes substâncias autacóides, como por exemplo, a bradicinina, prostaglandinas, leucotrienos, prostaciclinas, que irão atuar de maneira complexa e inter-relacionada,

sendo que muitas vezes, uma única fração da peçonha pode liberar várias substâncias com atividade inflamatória. (LOPES,2008).

3.6.5 Atividade sobre plaquetas e coagulação

A peçonha produzida pelas serpentes do gênero Bothrops apresentam a capacidade de ativar fatores de coagulação sanguínea, acarretando em um consumo de fibrinogênio e formação de fibrina intravascular, podendo induzir frequentemente uma incoagulabilidade sanguínea e podendo levar a fibrinogenemia (KAMIGUTI; CARDOSO, 1989; KAMIGUTI; SANO-MARTINS, 1995).Grande parte dessas peçonhas possui isolada ou simultaneamente substancias capazes de ativar fibrinogênio, protrombina e fator X, sendo também descritos fatores com atividade dobre a agregação e aglutinação plaquetária. Os fatores ativadores da cascata de coagulação presentes nas víboras sul americanas agem em três diferentes pontos:

Fator I (atividade thrombin-like), protrombina e Fator X (atividade pró-coagulante) (NAHAS et al.,1979).

3.6.6 Atividade cardiovascular

A atividade cardiovascular das peçonhas é causada pela liberação de substâncias farmacologicamente ativas (bradicinina, histamina, 5-hidroxitriptamina e prostaglandinas) dos tecidos e estas podem contribuir para o choque circulatório produzido por peçonhas de viperídeos e elapídeos. É importante lembrar que algumas peçonhas contem enzimas coagulantes ou pró-coagulantes, podendo produzir coagulação intravascular e contribuir para as modificações cardiovasculares observadas (LEE; LEE,1979). O efeito hemodinâmico mais visível produzido pela peçonha que detém essa atividade, em geral, é uma imediata e profunda queda da pressão sanguínea sistêmica, seguida pelo choque secundário. Sendo já descritos esses efeitos hipotensivos para algumas peçonhas de Micrurus (RAMSEY et al., 1972; FRANCIS et al., 1993).

3.6.7 Atividade neurotóxica

A atividade neurotóxica é causada por neurotoxinas pré-sinápticas que atuam em terminações nervosas motoras, inibindo dessa maneira a liberação de acetilcolina pelos impulsos nervosos, sendo essa inibição a principal responsável pelo bloqueio neuromuscular e consequentemente pelas paralisias respiratórias e motoras observadas nos animais.

As neurotoxinas pós-sinápticas acarretam no bloqueio do impulso nervoso devido a ligação da peçonha aos receptores colinérgicos presentes na membrana pós-juncional da placa mioneural, causando uma síndrome semelhante a myasthenia gravis. Essas neurotoxinas pós-sinápticas são encontradas em venenos de Micrurus frontalis e Micrurus leminiscatus (BRAZIL, 1987).

3.6.8 Atividade nefrotóxica

A insuficiência renal aguda (IRA) e diversas alterações renais são descritas após o envenenamento ofídico, sendo elas a glomerulonefrite, glomerulite, nefrite intersticial, artrite, necrose tubular, necrose cortical e insuficiência renal. Vários fatores são implicados na patogênese da IRA induzida pelo envenenamento botrópico, como vasoconstrição renal e consequentemente isquemia renal, hemólise, deposição de fibrina glomerular, lesão vascular, liberação de substâncias vasoativas, deposição de complexos imunes e ação nefrotóxica direta pela atividade proteolítica da peçonha (SITPRIJA, 2006).Histaminas, cininas, eicosanoides, fator de ativação plaquetária (PAF), catecolaminas e endotelina, são alguns dos mediadores envolvidos dentre as alterações cardiovasculares e renais (MORAIS, 2011). O envenenamento por serpentes do gênero Bothrops induziram elevações significativas de TNF-α, IL-1, IL-6, IL-10, IFN-γ e NO (SITPRIJA, 2006). A atividade fosfolipásica pode produzir diversas prostaglandinas, vasodilatadoras renais responsáveis pelo aumento do fluxo sanguíneo e consequentemente diurese, natriurese e caliurese ou por outro lado liberação de PGF2α, que apresenta ação vasoconstritora. Através da cicloxigenase e PLA2 pode ativar o tromboxano A2 que também tem ação vasoconstritora, promovendo assim a redução do fluxo sanguíneo renal e da taxa de filtração glomerular (BARBOSA et al., 2002).

3.7 O sistema muscular

O sistema muscular é um sistema de células contráteis que envolvem um elevado grau de interação entra as proteínas de actina e miosina. Nos mamíferos é composto por quatro células especializadas, sendo elas: células do músculo esquelético, células do músculo cardíaco, células do músculo liso e células mioepiteliais, diferenciadas entre si em estrutura e função (ALVES, 2010).

Os músculos estriados esqueléticos, de uma maneira genérica, podem ser classificados em músculos de contração rápida e músculos de contração lenta. Os músculos estriados são compostos por fibras, que se desenvolvem durante a embriogênese por fusão de mioblastos mononucleados, formando dessa forma células multinucleadas. As células do músculo estriado esquelético geram forças contráteis por meio de sistemas de filamentos organizados, actina e miosina, e no ser humano apresentam tamanho aproximado de 2 e 3 cm de comprimento e

Os músculos estriados esqueléticos, de uma maneira genérica, podem ser classificados em músculos de contração rápida e músculos de contração lenta. Os músculos estriados são compostos por fibras, que se desenvolvem durante a embriogênese por fusão de mioblastos mononucleados, formando dessa forma células multinucleadas. As células do músculo estriado esquelético geram forças contráteis por meio de sistemas de filamentos organizados, actina e miosina, e no ser humano apresentam tamanho aproximado de 2 e 3 cm de comprimento e

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