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CAPÍTULO II – A IMPRECISÃO CONCEITUAL DO APRENDER A

2.2 Piaget ou Vigotski?

Vigotski insistiu na importância da mediação do adulto ou do professor para a ampliação das zonas de desenvolvimento proximal do indivíduo. O destaque do papel da mediação para o aprendizado escolar levou Newton Duarte (2001) a contestar o uso do pensamento de Vigotski como base teórica para a promoção do aprender a aprender na escola. Em sua visão, os que querem promover tal habilidade deveriam se contentar com as teses desenvolvidas por Jean Piaget, por serem, visivelmente, favoráveis ao construtivismo.

Para Davis, ter que optar por Jean Piaget ou por Lev Semenovich Vigotski é uma falsa questão. Ela diz que a educação nunca foi interesse específico de Piaget, que tinha a preocupação com o sujeito epistêmico – o sujeito que conhece. Em suas pesquisas, fugia, deliberadamente, daquilo que poderia ter sido ensinado. Piaget fez uso de muitas questões que serviram de base às suas conclusões. A variação das respostas, a depender da idade dos informantes, levou-o a crer que as idéias das crianças e a dos adolescentes “[...] são construções que envolvem tanto estruturas mentais como experiência, a qual não é apreendida de forma direta e linear, mas sim, de maneira organizada, pela inteligência.” (DAVIS, 2005, p. 40).

A preocupação de Vigotski com a construção de uma nova sociedade, aliada com seu desejo de construir uma nova Psicologia deu-lhe a visão da possibilidade de articulação das condições em que a vida humana se processa com a capacidade de aprendizagem e desenvolvimento dos sujeitos, “[...] acreditando que o homem pode se constituir enquanto sujeito de várias maneiras, dependendo das situações concretas em que vive” (DAVIS, 2005, p. 40).

A escola, para Vigotski, é o lugar para que as gerações mais novas se apropriem das conquistas das gerações precedentes, à medida que “[...] nela se conta com o amparo e o auxílio de membros mais experientes da cultura, na difícil empreitada de construir uma visão própria e critica do real.” (Ibidem, p. 40).

Piaget era biólogo e Vigotski professor. Tratando das diferenças entre Piaget e Vigotski, Davis diz que o primeiro, dada a sua formação em Biologia, pode ser visto como evolucionista, pois coloca o sujeito em primazia, com forte ênfase nas ações que esse exerce sobre o objeto, enquanto Vigotski, como sociointeracionista, salienta as interações do sujeito com o objeto, assinalando que a ação do primeiro sobre o segundo passa, necessariamente, pela mediação do social. Contudo, reforçando a ideia de que a antítese em torno de Piaget e Vigotski é uma fabricação equivocada, ela acrescenta:

Piaget – informado por Kant, Husserl, Bergson, a corrente estruturalista e pelo campo da biologia – constrói uma teoria universalista com acentuada ênfase na interação indivíduo/meio, no pólo do sujeito. Já Vygotsky, partindo dos pressupostos de Spinoza, Hegel, Engels, Marx, e Lênin, não chega a constituir uma escola de psicologia: sua contribuição está em ter esboçado, em suas linhas gerais, o caminho para alcançar uma psicologia com inspiração no materialismo dialético, que encara o desenvolvimento humano como sendo constituído pelas (e constituinte das) circunstâncias – sempre cambiantes – do ambiente físico e social em que se dá.

A despeito de terem chegado a visões distintas, Piaget e Vygotsky podem dialogar porque partem do mesmo pressuposto: o desenvolvimento humano se dá em razão de sujeito e objeto (meios físico e social) manterem entre si relações recíprocas e contínuas, de modo que um constitui o outro continuamente. São, portanto, autores que se vinculam à corrente interacionista em psicologia (DAVIS, 2005, p. 40).

Sendo a aprendizagem e o comportamento humano fatores que não podem ser compreendidos se estão desvinculados das realidades sociais e históricas, não é suficiente, para se entender a cognição humana estudar apenas o cérebro, como se ali fossem perceber, biologicamente, em que ponto daquele órgão fica a indicação que define o funcionamento da inteligência ou, até mesmo, da suposta superioridade de inteligência de uns sobre outros.

A inteligência humana, definida a partir da correlação entre fatores biológicos e sociais, deixa aberta a possibilidade de novas interpretações para a compreensão e valorização de saberes e conhecimentos nem sempre reconhecidos pelos estudiosos que determinam uma ou outra corrente de pensamento, com a tendência ora mais à Biologia e Medicina, ora mais à Psicologia e Sociologia. A constatação de que o saber humano

decorre da interação do indivíduo com o seu meio dá à Educação um papel central no percurso da cognição humana, possibilitando a uma pessoa vir a se fazer mais inteligente que outras, independentemente da idade, a depender dos desafios e das respostas que a eles consiga oferecer, fruto da educação experimentada neste dado momento de vida.

Mesmo sendo de uma matriz distinta, mais próxima à Sociologia, a noção que alia o desenvolvimento do saber a realidades sociais vem se somar, na atualidade, à tese de existência de inteligências múltiplas, apresentada por Gardner. Ele discorda da idéia predominante de uma inteligência única e apresenta, pelo menos, sete tipos de inteligência que se desenvolvem nos indivíduos de forma relativamente autônoma32, e opta por oferecer uma definição de inteligência para o que chama de “uma inteligência.” Conforme esta definição, “inteligência é a capacidade de resolver problemas ou de criar produtos que sejam valorizados dentro de um ou mais cenários culturais”. (GARDNER, 1994, p. x).

Cada autor aqui mencionado, mesmo indo por caminhos próprios e oferecendo nuances analíticas e ângulos distintos, dispostos a melhor esclarecer o fenômeno da aprendizagem, deixa de atribuir à aprendizagem ou à inteligência uma explicação que se diferencie, essencialmente, do que afirmara Jean Piaget: a de ser a aprendizagem um processo adaptativo contínuo, de cunho social, que passa pelo fator biológico.

Alguns estudos tentaram se distanciar dessa versão, a exemplo do realizado por Assmann (2001), destacando o ato de aprender como tarefa social emancipatória. Ele apresenta a irreversibilidade da revolução tecnológica em curso, a lógica da exclusão na sociedade da informação (SI), a mentalidade de mercado e os efeitos disso que fazem de grande parte da população uma “massa sobrante”. Ao explicar o que seja a aprendizagem ou como ela se processa no indivíduo, a contribuição de Assmann não apresenta novidades, mesmo que se empenhe em conectar a Biociência e as lições da evolução à Pedagogia. Sua obra discute os efeitos da lógica de exclusão que se enraizou na sociedade de consumo e apresenta a importância da Biociência para a aprendizagem. O autor defende a idéia de que toda a nossa evolução orgânica foi uma evolução cognitiva e, com muitos fragmentos de idéias, sugere a existência de uma “inteligência coletiva”, fruto de circunstâncias sociais:

32 Gardner apresenta nos humanos os seguintes tipos de inteligência: inteligência corporal e cinestésica;

inteligência espacial; inteligência lingüística; inteligência lógico-matemática; inteligência musical; inteligência intrapessoal e inteligência social.

É preciso entender que as linguagens embutidas nas máquinas adquiriram tal grau de versatilidade e tamanho potencial de agilização que é preciso reconhecer que elas têm hoje uma função co-estruturante de grande parte das representações de “realidade”, na forma como a conhecemos e “administramos” em nossa experiência cotidiana (ASSMANN, 2001, p. 92).

Leonardo Boff, num raciocínio muito próximo ao de John Dewey, apresentando Assmann, defende a idéia de que a aprendizagem é decorrente não só do cérebro, ou só da escola. Segundo ele, aprende-se a vida inteira e de todas as formas de viver.

Processos cognitivos e processos vitais se encontram. São expressões da auto-organização, da complexidade e da permanente conectividade de todos com todos em todos os momentos e em todas as etapas do processo evolucionário. Conhecer é um processo biológico. Cada ser, principalmente o vivo, para existir e para viver tem que se flexibilizar se adaptar, se re-estruturar, interagir, criar, e coevoluir. Tem que fazer- se um ser aprendente. Caso contrário, morre (Ibidem, 2001, p.12).

Essas ponderações demonstram – mais do que a diversidade de pontos de vista acerca da cognição humana – quão amplos são os aportes para que se analise a questão. Assinalam, também, que o ato de aprender se estabelece em ligação a muitos aspectos da vida humana. Sem cair no ecletismo, em cada um dos recortes teóricos podem ser encontradas informações relevantes a uma visão mais precisa e mais ampla sobre o ato de aprender. Para a expressão aprender a aprender, em meio à vastidão de recortes teóricos sobre a cognição, muitas vezes desencontrados entre si, permanece a dificuldade de se ter uma definição precisa, uma vez que aprender não é ação de fácil enquadramento.