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Placas indicativas dos limites do território Pitaguary

Fonte: arquivo pessoal.

Como a terra indígena está situada em dois municípios, as demarcações da aldeia de Monguba são formadas a partir de pontos específicos assinalados pelos relatos orais que remetem aos espaços de uso dos antigos habitantes, como afirmaram antigas lideranças, em conjunto com a delimitação dos próprios municípios. Portanto, a TI Pitaguary de Monguba está situada às margens da CE-060, sendo delimitada ao leste pela linha férrea, distante 70 (setenta) metros da rodovia, ao norte, pela antiga pedreira, palco da recente disputa judicial

entre os Pitaguary e um empresário cearense, ao sul, nos limites do bambuzal com a granja, que também é fonte de conflitos com os índios e, por fim, com a demarcação oficial dos dois municípios no cume da serra.

As áreas limites entre a TI e a comunidade envolvente60 são imperceptíveis para quem passa pela região, sendo quase impossível notar alguma distinção entre quem está dentro ou fora do território indígena. Existem algumas placas, com sinais de desgaste pelo tempo, indicando que na base da serra existe a terra dos Pitaguary. Praticamente, o que faz a delimitação dessa área é a ferrovia e as placas colocadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) na estrada que vai até o acesso do bambuzal.

Como a fronteira entre a TI e o distrito de Monguba é muito sutil para aqueles que não conhecem a região, perceber o que os Pitaguary entendem por margens do território é muito importante, merecendo uma atenção mais detida. O que os Pitaguary chamam de margem são espaços que ficam a uma distância de até 100 (cem) metros da TI. Dessa forma, a área entre a ferrovia e a rodovia seriam considerados como estando dentro da margem, do mesmo modo a pedreira vizinha a TI, que inclusive foi ocupada pela família do Pajé Barbosa como meio de assegurar que não ocorresse nova tentativa de reapropriação do terreno.

Esse entendimento de que esses espaços que margeiam a aldeia fazem parte da TI ocorre principalmente pelo fato de que vários Pitaguary estão residindo em casas que ficam após a linha férrea, bem como depois da pedreira. De fato, existem pessoas da etnia que residem em locais até mais distantes da margem e que se identificam como Pitaguary, inclusive profissionais da escola Itá-Ara. Essa percepção de que as margens fazem parte da aldeia ocorre de modo tácito e é percebida nos atendimentos feitos pela Unidade Básica de Saúde Indígena dos Pitaguary aos que residem fora da fronteira demarcada.

Segundo a liderança Pitaguary, A. C., que também é agente indígena de saúde do local, quatro anos atrás a população na unidade básica chegou a ter mais de mil indígenas, atendendo tanto os aldeados quanto os “desaldeados”, mas por recomendação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), esse total diminui para 557 (quinhentos e cinquenta e sete) 61. Esse número de índios cadastrados na unidade básica de saúde indígena refere-se agora apenas aos Pitaguary que estão localizados na TI e em suas margens, que engloba o território da pedreira e da “Provisória”, seguindo até a Granja do Dr. Miguel.

60 Por sociedade envolvente, pensamos em uma sociedade que cerca a outra, como de fato ocorre com alguns

territórios indígenas, dentre eles os Pitaguary, que estão circunscritas em áreas geográficas ocupadas por populações não indígenas em um ambiente de amplo desenvolvimento urbano.

A escola Itá-Ara também está às margens do território e a sua construção foi fruto da “luta” 62 pela educação indígena iniciada por uma antiga liderança Pitaguary, Maria Eclena da Silva Souza, hoje falecida, mãe de atuais lideranças Pitaguary de Monguba. Sua construção às bordas da CE-060 e bem à margem da TI, em terreno vizinho ao espaço demarcado, no sopé da Monguba, proporciona um belo cenário aos que chegam a Itá-Ara.

A criação da escola indígena da Monguba ocorreu a partir da necessidade dos índios de ensinar a população da localidade. Entretanto, o intuito foi, além do objetivo mais premente de alfabetizar, poder adicionar aos conteúdos tradicionais, histórias e costumes da comunidade. Esse fato também é encontrado no relato de outras etnias, como os Tapeba e os Tremembé. Após esse primeiro momento, quase “artesanal”, de desenvolver o ensino da cultura destas populações, há o reconhecimento das etnias e o início da construção dos primeiros espaços para a educação indígena no sistema educacional do Ceará.

O motivo da gênese das escolas indígenas entre estes povos recai na situação de conflito entre índios e não índios, como relatado pelos professores da escola diferenciada dos Tremembés, em Almofala, e também mencionado pelos Tapeba, da escola diferenciada da Capoeira e pelos professores da Escola Itá-Ara, escolas que foram visitadas por mim anteriormente e que terminaram por exibir essa situação, fato que não foi apenas uma mera coincidência. Nas regiões onde ocorreram os processos de emergência étnica, a falta de compreensão dessas populações que se identificavam como diferentes da população envolvente criaram situações de constrangimentos para os grupos étnicos ao serem estereotipados como indivíduos menores que os da sociedade abrangente.

Foram estas situações que mobilizaram as etnias a buscar a criação das escolas diferenciadas, fazendo destes um local que se pudesse envolver as disciplinas regulares aos conhecimentos étnicos destas populações. Para a construção da escola indígena dos Pitaguary de Monguba, o Governo Federal investiu, em 2002, recursos na Escola Municipal Maria de Sá Roriz, de modo a contemplar essa população com as novas incumbências do Ministério da Educação (MEC) e do Plano Nacional de Educação (PNE).

Foram construídas e mobiliadas duas salas de aula para a etnia. Além disso, destinou-se recurso federal especificamente para a alimentação dos alunos Pitaguary. Estas duas salas eram exclusivas para os alunos da etnia e funcionavam no contraturno das turmas

62O termo luta é utilizado para designar a mobilização social e política das etnias em seu processo pelo

reconhecimento de sua distinção em relação aos não índios. Segundo Aires, “uma parcela significativa dos índios Tapeba recorre ao vocábulo ‘luta’ para se referir à organização deles próprios em torno de um movimento social pela garantia dos seus direitos como indivíduos pertencentes a um grupo étnico” (AIRES, 2000, p. 37), o mesmo termo foi relatado pelos Tremembés e pelos Pitaguary, o que indica ser um conceito nativo de ampla aceitação pelas etnias.

de 3º ao 5º ano. Entretanto, a direção escolar da época não aceitava essa distinção entre os alunos e adotaram uma postura contrária em relação às metas e objetivos do PNE referentes ao ensino diferenciado na escola.

Algumas hostilizações citadas pelos primeiros professores indígenas da Monguba foram: a falta de receptividade praticada pela gestão da escola para com a educação diferenciada e os professores indígenas; a não aceitação das atividades da cultura dos Pitaguary; e a não distribuição da alimentação destinada aos alunos. Essas ações provocativas da direção da Escola Maria de Sá Roriz foram se agravando cada vez mais, a ponto de algumas agressões verbais terem sido travadas entre uma professora indígena e um membro do núcleo gestor da escola. Nas palavras da professora Vt, em entrevista no dia 15.05.2015:

Vt.: No ano de 2002 a escola iniciou com duas salas de aula cedidas pelo município, ali na escola Maria de Sá Roriz, foi um período assim... Humilhante, muita humilhação mesmo que a gente passou dentro daquela escola. O município recebeu um recurso pra tá dando a merenda para os nossos alunos, mas na escola, quando chegava a hora de merendar, eu mesma fui uma das pessoas que peguei uma briga com uma coordenadora de lá, porque ela veio me barrar na sala de aula com os meus alunos pra que eles não saíssem para merendar. Porque eles só poderiam sair depois que todos os alunos da escola merendassem e se sobrassem. Aí foi que realmente eu parti pra cima dela, tirei ela da frente e mandei os meninos irem merendar. Aí depois ela ainda quis me peitar na sala de aula, querer dar na minha cara, só que aí como eu estava com crianças na sala, eu não reagi, eu não fiz mais nada, eu deixei ela agir e o caso a gente levou pra secretaria de educação. E, aí, foi devido a todos esses constrangimentos que a gente não podia está dançando Toré nas nossas aulas, a gente não podia levar lideranças. A gente não podia fazer nada dentro da escola porque a gente era mal visto, era mal interpretado. Aí começamos a ter conversas com o município, a SEDUC e FUNAI, até mesmo as pessoas que estavam à frente da escola aqui, e algumas lideranças, e foi aí quando na época a comunidade havia recebido, ganhado essa Casa de Apoio, aí eles fizeram, deram a estrutura para que a escola funcionasse aqui. Aí a gente passou a funcionar aqui no ano de 2004.

A solução para este atrito foi a construção da casa de apoio dos Pitaguary em 2004 e que funcionou até 2009 como local de ensino escolar indígena, inclusive tendo aulas do projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA) no período noturno 63. Com a indenização das TI de Monguba, em virtude de uma obra do Governo Federal, foi adquirido um terreno adjacente ao território onde foi construído a Escola Itá-Ara. A compra do terreno da escola ocorreu em 2007, sua obra foi concluída em 2009, ano de sua fundação.

63 Alguns projetos escolares fizeram uso da casa de apoio, bem como cursos destinados à comunidade, como o

de cerâmica/olaria e o de aproveitamento de bambu. Esse espaço também é utilizado para reuniões e encontros entre etnias.

3.2. A estrutura física da escola Itá-Ara e os seus usos sociais

A escolha da compra do terreno contíguo à TI foi uma estratégia dos Pitaguary como uma forma de acrescentar mais uma área ao território da aldeia de Monguba, pois, na visão dos Pitaguary desta localidade, a sua aldeia possui a área “de menor tamanho”, uma vez que seus limites são a estrada de ferro e a fronteira oficial entre os municípios. Esta “área menor” diz respeito, mais especificamente, ao alcance administrativo dos índios desse local.