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Professores e alunos da Escola Itá-Ara sob a tenda em uma manifestação cultural na Mangueira Sagrada

Fonte: arquivo pessoal. Fotografia tirada no dia 12.06.15.

A presença dos estudantes em 2015 na festa do dia 12 foi menor que no ano anterior. Tal fato ocorreu em virtude de indisponibilidade de veículo adequado para a condução dos profissionais e discentes da Itá-Ara. Foi priorizada a presença dos alunos do primeiro e do segundo ano e apenas os que fossem da etnia; mesmo estes passaram por uma seleção, pois o transporte só poderia conduzir 12 pessoas. A informação do núcleo gestor era a de que os alunos retornassem próximo ao final do horário da aula e que assistissem junto dos professores aos discursos feitos pelas lideranças e as orações feitas pelo Pajé. O objetivo dos alunos em participar dessa aula era o de vivenciar na prática as construções culturais que eram trabalhadas na escola indígena.

A história da Mangueira Sagrada remete ao tempo da escravidão e da perseguição aos índios da localidade pelos fazendeiros que se intitulavam como os donos da terra. Um

traumatizantes, lembranças que esperam o momento propício para serem expressas, [...] lembranças durante tanto tempo confinadas e transmitidas de uma geração a outra oralmente” (POLLAK, 1989, p. 5). Essa ressonância que se repete “durante décadas” à espera do momento de ir ao encontro da memória oficial é uma característica da emergência étnica das populações autóctones nessa busca pela sua afirmação.

De acordo com Pollak, “quando vemos pontos de referência de uma época longínqua, frequentemente os integramos em nossos próprios sentimentos de filiação e de origem, de modo que certos elementos são progressivamente integrados num fundo cultural comum” (1989, p. 10). A Mangueira Sagrada, em sua extensão impressionante, parece reforçar a sua resistência e perenidade, formando uma ponte entre o passado e o presente, ela própria sendo a voz e o eco para a afirmação identitária. A presença dos alunos da Itá-Ara no dia da festa é uma aula de história vívida sobre a sua etnia, rememorada e celebrada pela geração atual, ressonando os desejos ainda inconclusos que os índios buscam, bem como uma voz que visa a preservar aquilo que já foi alcançado.

3.3.1. A participação das professoras na “luta” pela terra indígena e o seu fortalecimento da identidade Pitaguary

A fronteira do território Pitaguary de Monguba foi, em períodos recentes, fonte de conflito entre os índios e os não índios. Esses momentos tão delicados para a população local ocasionam a compreensão da importância das conquistas empreendidas pelas lideranças mais antigas. Percebo nessas ocasiões que os professores mais novos que participam das mobilizações criam ligações mais fortes com o movimento (GONH, 2011). Essas participações dos professores nas mobilizações, acredito que sejam importante para a escola, pois podem levar para a sala de aula as percepções do que pode vir a ocorrer se o movimento ficar arrefecido ou se for desvirtuado para outras funções, priorizando um grupo de índios ao invés da coletividade.

A retomada da pedreira, por exemplo, talvez tenha sido o marco maior das investidas dos não índios na região e mobilizou parcela significativa das lideranças do território, além de entidades governamentais e da sociedade civil. A recuperação da área do empreendimento de extração de pedra fez com que a professora V tomasse parte da mobilização e a fez sentir como as disputas de poder entre os índios e os não índios eram definidas, inclusive com a utilização de coerção do Estado. Sobre isso, a própria preceptora comenta que a troca do plantão da polícia foi realizada em frente à pedreira, local que no

momento só estava sendo ocupado pelos Pitaguary que receavam sair dessa área e a pedreira voltasse a ser apossada pelos empregados do empresário. Segundo a professora V,:

V.: Tinha a van da FUNAI, tava em frente à minha casa e eles estavam precisando de urgência que levassem a van para lá. E nesse tempo, eu estava casada e o meu marido não queria levar porque era um carro federal, não queria pegar, aí eu que peguei a chave foi dirigindo a van. Aí a minha mãe lá de dentro da pedreira, eu tava fora e ela [disse]: “Vanessa eu quero que você anote todas as placas das viaturas!”, eu estava fora da pedreira e ela dentro, e eu fiquei anotando. “Vanessa, eu quero que você ligue para fulano de tal!”, aí eu ligava (entrevista concedida no dia 09.05.2015).

Em outra ação de conflito foi relatado pela professora S que, no limite sul da TI dos Pitaguary de Monguba, próximo à granja, os índios que viessem a passar perto ao terreno seriam ameaçados por funcionários do empreendimento, que avisaram que não queriam ninguém passando pelo local. A justificativa da professora para passar próxima à granja era a de que alguns moradores da região usavam aquele caminho quando queriam realizar alguma trilha com familiares para subir a serra ou para colocar armadilhas para a caça. Segundo ela, a ameaça chegou ao ponto de serem exibidas armas para coagir os Pitaguary, sendo ela mesma uma das que foram duramente repreendidas pelos funcionários.

A professora V afirma que em sua fala uma transformação de sua atuação junto a sua etnia e sua aldeia nestes momentos de conflito. Ela se considerava como estando de fora do movimento e o momento em que despertou para a militância foi no momento da pedreira.

V.: Eu não conseguia ter interesse, eu não via interesse da minha parte para participar do movimento. Eu não via o porquê de estar lá. Algumas até me questionavam em relação a isso, minhas tias mesmo me questionavam por que eu não participava. Principalmente por eu ser a filha mais velha, eu, filha de uma liderança muito forte dentro da comunidade. Porque ela é uma liderança muito forte aqui, muito conhecida, mas eu não participava. Não tinha quem fizesse eu participar, eu não saía de casa. Eu ainda fui para uma manifestação antes de 2013 na pedreira, saí. [...]. Mas eu não era ativa, eu não era. Eu fui uma vez para Caucaia, num evento que teve lá, mas sem gostar, não gostava. Eu fui para uma reunião, uma vez ela me fez ir para uma reunião, pra participar de um seminário que tinha lá, eu fui dormir. Eu saí e fui dormir, não gostei. Não gostava. Não era pra mim, eu acho que não estava na hora certa, eu só senti isso depois.

Este processo de entrar em contato com a realidade de retomada da pedreira e da ameaça por fazer um trajeto em um espaço vizinho ao seu território repercutiu de forma direta na militância da professora V. De uma forma diferente a hostilidade sofrida pela, ainda jovem, professora Vt, que já no início das primeiras turmas do ensino indígena, aflorou a necessidade de se colocar como índia ao enfrentar uma dirigente da gestão da escola Maria de Sá Roriz.

únicos a ocorrerem na história dessa etnia e das etnias em geral, como ocorreu em 2015, durante uma conferência regional que contou com a presença de várias etnias e com órgãos federais.

Foto 9 – Índios partindo da Conferência Nacional de Política Indigenista para o