A revalorização da esfera municipal no plano federativo brasileiro - que ainda ressente de uma efetiva descentralização - se faz acompanhar por uma grande ênfase no planejamento municipal.
Isto é decorrente, por um lado, do conjunto de prescrições legais emanadas da Constituição Federal de 1988 que unificam a processualidade e a formatação do planejamento para todos os níveis de governo, e por outro lado, e principalmente, da generalização, entre os acadêmicos e profissionais, da compreensão dos limites do planejamento em grande escala (nacional, setorial, macro-regional, regional, estadual) e das possibilidades - articuladas a um cenário favorável - do planejamento ao nível micro-regional e local.
Conforme Souto-Maior (1988:13), o regime burocrático-autoritário inviabilizava
“(...) o planejamento espacial, sobretudo em pequena escala, como é o caso do planejamento municipal e micro-regional justamente aqueles níveis onde observa-se, em outros países, experiências bem sucedidas de planejamento.
Não obstante, o processo de democratização do país e a perspectiva participativa idealizada para a administração pública, apoiados na mobilização e organização comunitária, propiciam o clima necessário ao desenvolvimento do planejamento de pequena escala.
De acordo com Souto-Maior (1988:14), dado que “(...) a participação do
cidadão no planejamento é dependente de (1) sua capacidade de perceber as conseqüências para si e seus familiares das alternativas propostas e de (2) sua confiança na eficácia de sua própria participação à medida em que aumenta o tamanho do grupo social - ou escala/nível de planejamento - mais difícil é satisfazer estas (pré) condições de participação popular. Por conseguinte, para o Professor Souto-Maior (1988:14), o planejamento em nível comunitário ou municipal deve ser privilegiado:
Primeiro, por ser esse o espaço teal no qual se manifestam mais concreta e nitidamente os interesses dos cidadãos e grupos que compõem a sociedade civil. Segundo, é ao nível da comunidade que mais efetivamente os efeitos e impactos das políticas, planos, programas e projetos são sentidos, e portanto podem ser acompanhados, avaliados e reformulados. E, finalmente, é a nível da comunidade, que em última instância, toda a ação pública deve ser integrada.
Convém salientar que considera-se, para efeito deste trabalho, o planejamento municipal em sua variante governamental, ou seja, apesar de admitir se e valorizar-se a existência de práticas não-governamentais de planejamento, estas não estarão no escopo deste trabalho.
Desta maneira, para Souto-Maior (1993:s/p), o planejamento governamental constitui-se:
Num processo intelectual e social (interativo) que ocorre na fronteira entre política, administração pública e o mercado econômico, procurando tornar decisões governamentais relacionadas com meios e fíns, espaço e tempo futuro, mais racionais.18
O planejamento municipal, por sua vez, deve ser entendido, na perspectiva de Oliveira (1989:14), como:
... um processo constante, que permite diagnosticar os problemas locais e
promover incessantemente a melhoria dos serviços públicos e o bem-estar da população do município. Tal processo deve resultar em documentos simples (planos, programas e projetos) e viáveis, e se orientar pelo princípio da prestação de contas ao público.
Segundo Oliveira (1989), na história recente do planejamento municipal, predominam três formas diferentes de abordagem dos problemas locais:
1) PLANOS DIRETORES DE CIDADE:
Até a década de 70, enfatizou-se, em municípios médios e grandes, a elaboração de planos diretores voltados aos problemas físicos e ao ordenamento da cidade, regulamentando as disposições sobre funcionalidades. O crescimento explosivo da população nestes municípios, basicamente, determinou a ineficácia dos planos;
2) PLANEJAMENTO LOCAL INTEGRADO:
Posteriormente à ênfase na elaboração de planos diretores, ocorreu o predomínio da abordagem de planejamento integrado, propondo a integração aos níveis horizontais (soluções consistentes devem englobar os vários aspectos interdependentes da complexa realidade local) e vertical (a viabilidade, a coerência e a compatibilidade das soluções propostas exigem a articulação com os níveis superiores da administração pública). A maior parte dos planos produzidos sob esse enfoque não chegaram sequer a serem implantados e, quando o foram, tiveram
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SOUTO-MAIOR, Joel, em aula proferida em agosto de 1993, na disciplina de Planejamento
repercussão inexpressiva. O insucesso desta metodologia é decorrente, em boa parte, pela utilização de uma metodologia cunhada aos níveis superiores de governo, inapropriada aos inferiores recursos tecnológicos, humanos e financeiros dos municípios, isto é, distante da realidade concreta dos municípios;
3) PLANOS DE DESENVOLVIMENTO COM PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE:
O desenvolvimento dos movimentos sociais urbanos, por fim, fez florescer uma diversidade de experiências de administração municipal, cujo traço comum é a participação comunitária nas decisões e na solução dos problemas públicos. Surgiram, assim:
...formas de planejamento democrático, no nível municipal, apoiadas na consulta popular, que pressupunham a organização da comunidade e a vontade política de descentralizar o poder de decisão (Oliveira, 1989:12).
Entretanto, observa Oliveira (1989:10) que o planejamento participativo não generalizou-se, mesmo sendo expressivo o número de experiências neste sentido, podendo-se afirmar que:
A história da administração municipal brasileira apresenta mais exemplos de planos de govemo esporádicos, elaborados e seguidos conforme o estilo de cada governante, do que uma tradição de processo de planejamento sistemático, contínuo e com efetiva participação da população, (sic)
Este processo histórico, ainda segundo Oliveira, revela, no entanto, o abandono de metodologias sofisticadas de planejamento municipal - sem muitos resultados positivos - e a descoberta de formas simples e efetivas de planejamento com envolvimento da comunidade.
Assim, a evolução do planejamento municipal, nos termos acima apresentados, conduziu e conduz a novas definições e métodos de planejamento, destacando-se, neste contexto, a abordagem de PEP anteriormente apresentada.
O PEP se insere, portanto, num movimento de inovação e renovação institucional, encontrando, em governos municipais e pequenas organizações públicas e não-governamentais, sua maior receptividade, destacando-se como um importante canal de participação da população, através de seus grupos representativos no planejamento e na gestão da coisa pública (Souto-Maior, 1994).
Contudo, mesmo reconhecendo a necessidades e a importância da abertura de canais de participação para a população, não basta abrí-los para que a população se sinta motivada a mobilizar-se para a participação. Nas experiências de planejamento participativo e PEP já levadas a efeito (posteriormente aqui comentadas), os envolvidos diretamente consideraram como não tendo sido satisfatória a participação popular . Este fato é decorrente dos limites históricos da cultura nacional para experiências democráticas de gestão pública.
É fundamental, para tanto, a utilização de instrumentos/estratégias de mobilização capazes de levar a população à participação e ao envolvimento no planejamento, de tal forma que este venha a configurar-se como um processo
democrático, efetivo e eficaz.
Desta maneira, nos itens a seguir, veremos alguns elementos relacionados à mobilização para a participação no PEP.