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Esta tese está organizada em cinco capítulos que mostram como os diferentes atores que compõem a comunidade militar relembram a “luta contra a

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subversão” e homenageiam os oficiais “mortos pela subversão”. Essas páginas recorrem a um período da história argentina que, se bem parte das últimas ações de governo do Proceso de Reorganización Nacional, envolve a transição democrática, o governo de Raúl Alfonsín (1983-1989), passando pelos anos de impunidade, o governo de Carlos Menem e da Alianza (1989-2002), até o reinício dos julgamentos aos oficiais acusados por violações aos Direitos Humanos, no governo de Néstor Kirchner (2002-2007). No entanto, os capítulos não seguem uma ordem cronológica, mas abordam a memória castrense desde o posicionamento de seus diversos atores e dos diferentes planos e dimensões que a compõem, tentando dar conta, tal como o indica o título da tese: Nem burocratas

nem cruzados: militares argentinos - Memórias castrenses sobre a repressão, dos

sentidos e das lutas paralelas e em conflito que atravessam tais memórias.

O primeiro capítulo - De vencedores a vítimas: reconfigurações da memória

oficial do exército - ocupa–se dos ciclos de desconstrução e reconstrução da

memória oficial do exército sobre a repressão ilegal. Daí que se propõe a realizar uma periodização em três momentos que retratam essas transformações: a difusão do Documento Final da última Junta Militar, em 1983, o Mensaje al País do general do exército Martín Balza, em 1995, e o lema Memoria Completa, do general do exército Ricardo Brinzoni, em 2000. A partir da análise desses discursos, esse capítulo busca dilucidar os seguintes interrogantes: quais são os sentidos e verdades que pugnam por serem legitimados em cada um desses momentos? Afirmam-se continuidades ou rupturas com relação às tradições e legados do passado? Quais são os agentes encarregados de estabelecer e difundir a memória oficial, e que suportes utilizam para isso? Com que atores sociais enfrenta-se a memória do exército? Como influenciam os contextos políticos e históricos e os marcos ideológicos no enquadramento da memória militar?

O segundo capítulo - Entre heróis e traidores: memória e identidade dos

oficiais reformados do exército - propõe-se a dar conta, por um lado, da memória

dos oficiais reformados do exército, os quais se reconhecem como parte de uma geração que tem um vínculo privilegiado com o passado recente pelo fato de

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terem sido contemporâneos dos acontecimentos, e, por outro lado, das práticas comemorativas nas quais, ao recordarem e homenagearem os camaradas de armas mortos na década de 70, os oficiais reformados ensaiam os conflitos que mantêm com a política comemorativa da atual condução do exército. Em termos gerais, esse capítulo tem o objetivo de indagar sobre os sentidos e significados atribuídos e expressos nos “atos de homenagem” e a relação da memória da “luta contra a subversão” com os valores da comunidade militar. Em tal sentido, nessas páginas, procura-se responder aos seguintes interrogantes: que eventos ou fatos priorizam-se ou ocultam-se nos “atos de homenagem” e na memória da “luta contra a subversão”? Que retóricas e performances mobilizam-se e quais caem em desuso? Quais são os personagens ou atores do passado que se reivindicam e quais se esquecem? Quais se convertem em porta-voz autorizados e quais em interlocutores legítimos? Como se redefinem as relações entre memória e identidade, por um lado, e entre passado, presente e futuro, por outro lado?

A partir da indagação das práticas comemorativas e das representações sobre o passado recente das associações cívico-militares, o terceiro capítulo -

“Vítimas do terrorismo” e “caídos pela pátria”: figuras públicas da memória cívico/militar – propõe-se a analisar como - fazendo uso dos símbolos, figuras e

linguagens provenientes, por um lado, dos organismos de Direitos Humanos, e, por outro, da ideologia e da história nacional - essas associações procuram estabelecer, convencer, transmitir uma narrativa que possa chegar a ser aceita pela sociedade civil e, desse modo, inaugurar um espaço social civil e nacional que lhes permita posicionar-se como um novo ator no cenário da memória, questionar a legitimidade dos organismos de Direitos Humanos, divulgar e popularizar suas reivindicações e demandas entre a opinião pública e avançar na política pela “reconciliação nacional”.

Com a análise e interpretação dos relatos em “primeira pessoa” de oficiais reformados do exército que participaram no Operativo Independência, na província de Tucumán, entre 1975 e 1978, obtidos por meio de entrevistas, o quarto capítulo - Experiência e narração: memória militar em “primeira pessoa” - propõe-se a indagar sobre a dimensão subjetiva da memória militar. Em outras palavras,

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ocupa-se da relação entre o sujeito da experiência e o sujeito da palavra, isto é, da dimensão da memória que se materializa em lembranças, relatos, sentidos e apropriações articuladas de maneira singular e única em termos autobiográficos. A dimensão subjetiva da memória refere-se, pois, à forma em que o vivido inscreve- se em um sujeito, deixando rastros e marcas, mas também ao modo como esse legado é imaginado ou repetido no transcurso de uma biografia que se apresenta sob a forma de um testemunho. Por isso, entre as perguntas que animam esse capítulo, estão as seguintes: o que ocorre quando os que rompem o silêncio, relembram o passado, dizem publicamente sua verdade, enfim, os que testemunham são os mesmos que perpetraram os atos atrozes? Seus relatos contribuem para confirmar e verificar os horrores testemunhados pelas vítimas e significam um questionamento da versão denegatória da violência, ou, pelo contrário, restituem o regime de silêncio que isola e deprecia a palavra dos sobreviventes e favorecem a interpretação escusatória do passado autoritário?

A modo de conclusão, o quinto e último capítulo - O futuro da memória

militar: efeitos e conseqüências - pretende apresentar uma série de considerações

finais que atenda à dimensão de futuro que atravessa a memória militar. Em tal sentido, propõe-se não só a identificar os efeitos da memória da “luta contra a subversão” no plano da identidade militar, mas também a analisar as estratégias aplicadas pelo exército e seus homens para controlar e direcionar as conseqüências dessas memórias no plano histórico, ético e político. Em outras palavras, o objetivo é indagar - em todos os níveis da memória castrense trabalhados nos capítulos precedentes: oficial, coletivo, público e individual - para identificar os legados que se procura transmitir, os ensinamentos que se pretende universalizar, as clausuras que se tenta instalar, as seqüelas que se quer obliterar, as justificativas a que se aspira generalizar e as saídas políticas que se propõe implementar.

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