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1 INTRODUÇÃO

2.3.3 Plano de texto e ensino

2.3.3.1 Plano de texto do Relato Pessoal

Nessa seção, diante das discussões teóricas sobre o plano de texto, buscamos definir o Relato Pessoal, gênero de estudo desta pesquisa, trazendo algumas propostas teóricas, nas quais fundamentamos nossa definição e reflexões a respeito desse gênero, segundo os estudos de Koche, Marinello e Boff (2012), Costa (2012), Dolz e Schneuwly (2004), Dantas (2015) e as considerações de Adam (2011). As definições e reflexões desses autores sobre o gênero em questão auxiliam nosso entendimento e facilitam o nosso ensino nas aulas de Língua Portuguesa.

Esses autores definem o Relato Pessoal ora a partir de uma visão literária, ora como sequência textual, ou mesmo como macroação do discurso.

Koche, Marinello e Boff (2012, p. 36), numa definição aproximada da visão literária, sugerem como plano de texto do Relato Pessoal, a:

a) Apresentação: situa o leitor sobre os fatos narrados, localiza-os no espaço e no tempo em que ocorreram e ainda identifica as personagens envolvidas na situação apresentada;

b) Complicação: diz respeito à ruptura do momento de equilíbrio das ações relatadas;

c) Resolução: propõe um desfecho para a complicação;

d) Avaliação: expõe os comentários do produtor do texto em relação aos fatos relatados e avalia a repercussão desses acontecimentos em sua vida.

Nessa proposta de definição, esses autores apresentam as características estruturais desse gênero com relação ao texto literário, com personagens ao invés de pessoas reais. Ou seja, esses autores atribuem ao Relato Pessoal definições próprias da narrativa literária. E, ainda, com características bastante peculiares à sequência textual narrativa, como a complicação e a resolução das ações.

De acordo com Costa (2012, p. 202), “relato é uma narração (v.) não-ficcional escrita ou oral sobre um acontecimento ou fato acontecido, feita geralmente usando-se o pretérito perfeito ou o presente histórico”. A partir dessa afirmação, o relato passa a ser visto não mais como ficcional ou do campo discursivo da literatura, como colocado por Koche, Marinello e Boff (2012), mas como um texto narrativo com acontecimentos vividos por pessoas reais. É preciso considerar que o autor acima utiliza o termo “relato” sem especificar o tipo de relato. No caso dessa pesquisa, distinguimos o tipo de relato “pessoal”, para um estudo detalhado e específico.

Acerca do plano de texto do Relato Pessoal, Dantas (2015, p. 33) propõe uma nova definição, pontuando as seguintes etapas:

a) uma contextualização inicial em que o autor apresenta um fato ou acontecimento não ficcional que será relatado, situando-o no tempo e no espaço; b) a identificação do autor como sujeito que vivenciou as experiências ou acontecimentos relatados ou participou deles como um observador;

c) o desenvolvimento dos fatos relatados que, não necessariamente, envolvem um conflito e sua resolução, mas que normalmente são acompanhados das impressões do autor sobre eles;

d) o encerramento do relato, em que o autor pode realizar reflexões acerca da influência ou repercussão dos acontecimentos relatados em sua vida.

Dantas (2015), nessa proposta de definição do Relato Pessoal, aponta características estruturais, orientadas por uma noção desse gênero a partir de acontecimentos reais, vivenciados e relatados em primeira pessoa. A partir dessas definições, vemos que as ações devem ser desenvolvidas com verbos em primeira pessoa, seja no singular ou plural, atribuindo a responsabilidade enunciativa a quem relata.

Conforme já discutido, há relatos do campo discursivo literário quanto do não- literário. Quer dizer, relatos sobre acontecimentos reais, com pessoas, e relatos criados com personagens e fatos fictícios. A especificação do tipo de relato distingue a sua natureza (relato profissional, de viagem, poético, pessoal etc.). Sendo assim, seguimos as definições de Relato Pessoal com pessoas reais, que vivenciaram algo marcante em sua vida. Optamos, assim, trabalhar com esse gênero na perspectiva da realidade social, com pessoas, seguindo as definições de Costa (2012) e Dantas (2015).

Dantas (2015, p. 32), sobre o Relato Pessoal, resume:

Nesse sentido, acreditamos que o gênero relato pessoal situa-se na ordem do relatar e é uma narração não ficcional em que o autor, utilizando a primeira pessoa do discurso, relata fatos e/ou acontecimentos que considere relevantes e/ou marcantes em sua vida, imprimindo-lhe suas impressões sobre eles. O relato pessoal pode ser produzido com o emprego dos tempos verbais pretérito ou presente histórico e pode se realizar nas modalidades oral e escrita da língua. Para adequar-se aos diversos contextos comunicativos, a linguagem utilizada em sua produção pode variar da mais popular às variedades cultas, podendo ser utilizados registros mais ou menos formais.

Conforme essa estudiosa, o Relato Pessoal é narrado em primeira pessoa, com tempos verbais no pretérito ou presente histórico, sobre acontecimentos vividos por pessoas em lugares e situações reais. O que liga, intimamente, o gênero à sequência textual narrativa.

Dolz e Schneuwly (2004), no seu quadro provisório de agrupamento de gêneros, apresentam os domínios sociais de comunicação do relatar, sendo a documentação e a memorização dos acontecimentos vividos situados no tempo. A partir do estudo sobre o relatar contido no quadro desses autores, propomos outro quadro especificando a ação do relatar, conforme é apresentado abaixo:

Quadro 03: Relatar: atividade de memória situada no tempo

Documentação e memorização das ações humanas

Relatar

Representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo. Fonte: Adaptado de (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 51)

Observamos, assim, a confirmação de que as ações são relatadas no pretérito ou presente histórico e situam-se em experiências vividas de forma especial, marcantes. Ainda apontam para uma atividade humana de memorizar os acontecimentos vividos – gênero de memória. Isso reforça mais ainda nossa afirmativa sobre os fatos serem vividos e narrados por pessoas em situações reais de interação social.

Adam (2011, p. 207) tece considerações a respeito das macroações, as quais serão base para definirmos a macroação do relatar:

[...] Narrar, descrever, argumentar e explicar são macroações sóciodiscursivas que as teorias clássicas dos atos de discurso não permitem descrever. Entretanto, essas quatro formas de ação verbal são bastante correntes e logo dominadas pelas crianças.

Então, a partir das reflexões de Adam (2011), relatar é uma macroação sociodiscursiva pertencente às relações de interação das pessoas, desde a tenra idade, ou seja, é uma forma de ação verbal da sequência narrativa, utilizada para comunicarmos acontecimentos marcantes e que tem sentido para a nossa vida pessoal ou coletiva. Assim, vemos a Macroação do Relatar, referindo-se à temporalidade, situando-se na memória de experiências vividas, narradas no pretérito ou no presente histórico.

Explicitamos nossa compreensão sobre o relato pessoal a partir das definições e considerações apresentadas por Koche, Marinello e Boff (2012); Dantas (2015); Costa (2012); Dolz e Schneuwly (2004) e Adam (2011). Entretanto, seguimos a visão do Relato Pessoal na perspectiva desses quatro últimos. Sendo assim, com base nos estudos desses autores, pontuamos que este gênero possui o seguinte plano de texto:

Quadro 04: Plano de texto do Relato Pessoal Plano fixo do relato pessoal

a) Referenciação temporal do acontecimento (advérbios ou expressões adverbiais de tempo);

b) Contextualização do assunto, das pessoas envolvidas (inclusive quem relata) e o lugar do acontecimento (pronomes pessoais – Eu/Nós -, verbos em primeira pessoa, e advérbios de localização);

c) Desenvolvimento das ações relatadas, atribuindo-lhe identidade própria a quem relata (uso de pronomes pessoais, verbos em primeira pessoa, indicando o tempo pretérito ou o presente histórico);

d) Reflexão sobre o acontecimento relatado – autor(a) imprime um comentário pessoal à vivência ou observação do acontecimento, concluindo-o.

Fonte: Proposto com base em Dantas (2015), Costa (2012), Adam (2011) e Dolz e Scheneuwly (2004)

Então, para esclarecermos o plano de texto do Relato Pessoal proposto, explicamos cada proposição empreendida e pontuamos nossas escolhas com base nessas definições propostas pelos autores acima e nas discussões sobre a sequência narrativa. Sendo assim, fundamentamos a primeira proposição tanto na base do gênero quanto na sequência narrativa, ambos têm como principal característica o tempo (relatar algo acontecido; narrar um acontecimento ao longo do tempo). A segunda proposição faz parte da introdução do acontecimento, ou seja, situa o leitor sobre o assunto, as pessoas envolvidas e o lugar do acontecimento. A terceira proposição pontua os acontecimentos como ações realizadas no tempo verbal (pretérito ou presente histórico), desenvolvendo as ideias numa sequência linear. A quarta proposição diz respeito à reflexão e conclusão do acontecimento (a história ganha a impressão pessoal do autor sobre o acontecimento relatado).