• Nenhum resultado encontrado

O modelo referencial e inicial que exerceu forte influência na disseminação da prática de elaboração de Planos Diretores no Brasil foi o Plano Agache para o Rio de Janeiro em 1930, com o uso do nome Plan Directeur (VILLAÇA, 2005).

O arquiteto e urbanista francês Alfred Hubert-Donat Agache foi contratado em 1927 pela prefeitura do Rio de Janeiro para a elaboração de um plano de remo- delação da cidade que na época sofria um processo de desenvolvimento desordenado no qual os investimentos no núcleo urbano eram privilegiados em detrimentos dos subúrbios e das regiões periféricas (PREFEITURA DO DISTRICTO FEDERAL, 1930). O Plano Agache pressupunha uma visão abrangente do território e enca- minhava diretrizes para a preservação das áreas verdes urbanas e para o enfrenta- mento dos problemas sanitários do Rio de Janeiro. O Plano era dividido em três partes e um anexo, com minutas para as legislações e regulamentos que deviam ser implan- tados. A primeira parte discorria sobre os componentes antropológicos e geográficos do Rio de Janeiro. A segunda parte tratava do crescimento da cidade e apresentava preocupações com as favelas que já ocupavam os morros do Rio de Janeiro (PRE- FEITURA DO DISTRICTO FEDERAL, 1930).

34

As favelas eram identificadas como um conjunto de construções precárias, feitas com latas de querosene e caixas de embalagens que ocupavam os morros e abri- gavam a população pobre que não tinha condição de arcar com os custos dos terrenos e dos impostos na área urbanizada da cidade. Na época estimava-se que 200.000 pessoas viviam em favelas que eram consideradas como bairros insalubres que não eram atendi- dos pelas redes de abastecimento de água, esgoto e limpeza pública. O perigo da pro- pagação de incêndios e de epidemias para os outros bairros da cidade indicavam a ne- cessidade da construção de habitações adequadas para a população pobre do Rio de Janeiro.

A 3° parte do Plano Agache tratava dos grandes problemas sanitários en- frentados pela cidade do Rio de Janeiro naquele período. Na análise sobre o meio ambiente e as ocupações urbanas apontava-se novamente para o problema das fa- velas que com seus “horríveis barracos” que ocupavam os morros da cidade. As ruas das favelas eram cheias de buracos formados pelas chuvas. Os bairros não eram servidos por água potável e obrigavam os habitantes a percorrer grandes distâncias para o abastecimento. As favelas não eram servidas por redes de esgoto e o lixo era espalhado no solo. Esses bairros insalubres eram apontados como ameaças para a coletividade urbana. A cidade apresentava um sistema de coleta de águas pluviais obsoleto sendo que, em alguns bairros, as águas das chuvas provenientes dos mor- ros, carregadas de terras e detritos diversos, acumulavam nas áreas planas da cidade provocando inundações (PREFEITURA DO DISTRICTO FEDERAL, 1930).

No capítulo sobre Abastecimento de Água apresentava uma análise sobre a hidrologia regional e sobre as alternativas de captação e distribuição. O capítulo II tratava especificamente do tema das inundações e do escoamento das águas pluviais. A água era apontada como fator vital para o abastecimento público e ao mesmo tempo um elemento devastador para a vida urbana nos períodos de chuva. Além dos danos das inundações os perigos das doenças relacionadas às enchentes eram apontados como graves problemas urbanos a serem enfrentados pelo plano.

Já o capítulo sobre saneamento urbano apontava para insuficiência do sis- tema de esgotos da cidade que atendia apenas 60% da população. O Plano apresen- tava então uma proposta para a expansão da rede de esgotos do município e alterna- tivas e diretrizes para a coleta do lixo urbano (PREFEITURA DO DISTRICTO FEDE- RAL, 1930).

35

Alfred Agache desenvolveu ainda planos para outras cidades brasileiras, entre as quais para Vitória e Curitiba. A concepção dos seus planos, que compreen- diam a ampliação da infraestrutura e o embelezamento da cidade, passou então a se configurar como um modelo de planejamento para todo o País (ALMEIDA, 2005).

Ainda na década de 30 o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) passou a defender a criação de órgãos de planejamento urbano e regional em âmbito federal, estadual e municipal, bem como o financiamento para processos de elaboração de Planos Diretores, objetivando a institucionalização do planejamento no Brasil.

Mais tarde em 1963 com o Seminário de Habitação e Reforma Urbana, re- alizado no Hotel Quitandinha em Petrópolis, o IAB estabeleceu as bases de uma Po- lítica Nacional de Habitação e Reforma Urbana (MOTA, 2007).

As resoluções do Seminário de Habitação e Reforma Urbana centraram sua atenção na solução dos problemas habitacionais, bem como na criação de um órgão central que devia administrar o Fundo Nacional de Habitação. Entretanto o do- cumento apontava ainda para a necessidade de elaboração de um Plano Nacional Territorial que trataria da distribuição demográfica e de questões de infraestrutura ur- bana e regional. O Plano Nacional Territorial devia se interligar aos diversos planos setoriais estabelecendo normas gerais para o planejamento urbano e regional visando à conservação e a utilização do meio geográfico, natural e humano (SILVA, 2003).

O Governo Jango adotou a Reforma Urbana como uma das suas chama- das Reformas de Base, contudo, a divulgação de suas propostas no comício da Cen- tral do Brasil em 13 de março de 1964 e o consequente Golpe Militar interrompeu esse debate.

Em agosto de 1964 foi criado o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) que além das questões habitacionais passou a desenvolver ações espe- cíficas de planejamento urbano abrangendo processos relacionados à elaboração de Planos Diretores (MOTA, 2007).

O Decreto Federal 59.917 de dezembro de 1966 regulamentou o SER- FHAU criando o Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local Inte- grado determinando que o SERFHAU se articulasse com órgãos e entidades federais, regionais e estaduais de assistência técnica aos municípios para efetivação dessa proposta (BRASIL, 1966).

O SERFHAU tinha na sua concepção e na sua atuação a ideia de induzir os municípios brasileiros a realizar um Plano Urbanístico ou o Plano Diretor de

36

Desenvolvimento Integrado. O órgão possuía consideráveis recursos financeiros que viabilizavam a realização dos planos pelos municípios por meio de empréstimos às prefeituras. A realização do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado passou a se constituir um requisito para investimentos públicos junto ao Banco Nacional da Habi- tação (BNH). Assim muitos municípios tiveram que gastar vultosos recursos financei- ros na contratação de Planos Diretores para obtenção de financiamentos necessários para expansão da rede de água e esgotos, pavimentação de ruas, eletrificação e ilu- minação, construção de centrais de abastecimento e mercados. Entretanto os altos investimentos dispendidos na contração desses planos junto ao SERFHAU demons- traram-se como inócuos uma vez que a maioria desses planos foi arquivada ou es- quecida pelos gestores municipais (BOLAFFI, 1982).

O Decreto nº 76.149, de 22 de agosto de 1975 extinguiu o SERFHAU trans- ferindo as suas atribuições ao BNH (BRASIL, 1975).

O fim do SERFHAU demonstrou o fracasso da política de planejamento urbano promovido pelo Regime Militar, uma vez que os diversos Planos Diretores e processos de planejamento não conseguiram enfrentar as desigualdades sociais e a desordem urbana que passaram a caracterizar as metrópoles brasileiras daquele pe- ríodo.

Já no período democrático a Assembleia Nacional Constituinte passou a sofrer pressões de grupos políticos, entidades e movimentos sociais, para que suas demandas fossem observadas no processo de redação da nova Constituição. Nesse contexto Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU), junto com organizações da sociedade civil, movimentos sociais, entidades profissionais, organizações não-go- vernamentais e sindicatos encaminharam à Assembleia Nacional Constituinte a emenda popular da reforma urbana, elaborada pelo MNRU. Dos 23 artigos que com- punham essa emenda popular foram aproveitadas poucas propostas que configura- ram o capítulo da Política Urbana da Constituição Federal com apenas dois artigos (SANTOS JÚNIOR, 1996; SAULE JÚNIOR; UZZO, 2009).

O artigo 182 conferiu ao município a responsabilidade pela condução da política de desenvolvimento urbano tendo como objetivo: o ordenamento do pleno de- senvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus habitantes (BRASIL, 1988).

37

O conceito de função social da propriedade e da cidade, formulado por vá- rios autores considerava o uso socialmente justo e equilibrado do espaço urbano (SANTOS JÚNIOR, 1996).

O artigo 182 definiu ainda que a propriedade urbana cumpre a sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor.

A obrigatoriedade da elaboração de Planos Diretores em cidades não foi resultado de pressões populares ou das administrações municipais. A proposta nas- ceu a partir do confronto de posições entre as demandas populares presentes na emenda popular da Reforma Urbana com representantes de entidades governamen- tais e os congressistas. A proposta reforçava o controle do Estado no planejamento urbano pressupondo cidades que seriam conduzidas por Planos Diretores competen- tes (ROLNIK, 1994).

Cabe ressaltar que o Plano Diretor previsto na Constituição Federal se res- tringia aos limites dos municípios com mais de 20.000 habitantes, não estabelecendo referências com as regiões nas quais essas cidades estavam implantadas. A questão regional foi tratada no artigo 21 da Carta Magna, atribuindo à União o encargo da elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.

Já em relação aos recursos hídricos a Carta Magna estabeleceu, no seu artigo 20, que os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domí- nio eram bens da União. No artigo 21 criava-se o Sistema Nacional de Gerencialmente de Recursos Hídricos (SINGREH). Já o artigo 26 incluía como bens dos Estados: as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas aquelas decorrentes de Obras da União (BRASIL, 1988).