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O primeiro referencial legal para a gestão das águas no Brasil foi o Código das Águas de 1934 promulgado num período político conturbado posterior à Revolu- ção de 30 e a Revolução de 1932 durante o chamado Governo Provisório de Getúlio Vargas (1930-1934). O Código das Águas atendia ao projeto do Governo Vargas de modernização e industrialização do País considerando seu acelerado processo de

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urbanização, a abundância dos recursos hídricos e o potencial dos mesmos para a geração de energia elétrica (SILVESTRE, 2008).

Antes do Código das Águas de 1934, ou seja, no período conhecido como Primeira República (1889-1930), a água era considerada um recurso natural inesgo- tável que sustentava as atividades produtivas privadas das oligarquias agropecuárias. No Governo Provisório de Getúlio Vargas o controle das águas passou para o domínio do Estado, como o objetivo de que os recursos hídricos passassem também a atender não só o setor agropecuário, mas também o desenvolvimento do setor industrial (SILVA, 2013; DRUMMOND; BARROS-PLATIAU, 2006).

Entretanto, o Código das Águas tomou como referência o trabalho desen- volvido pelo professor e jurista Alfredo Valladão, que em 1907 foi convidado pelo go- verno federal a elaborar o anteprojeto do Código das Águas. O trabalho foi concluído no mesmo ano, sendo encaminhado para Câmara dos Deputados e lá permanecendo até 1931, quando o Governo Provisório de Getúlio Vargas passou a considerar a água como um bem público que devia a ser regulado pelo governo central e não mais pelas oligarquias agropecuárias (PAGNOCCHESCHI, 2013; SILVA, 2013; DRUMMOND; BARROS-PLATIAU, 2006).

Alfredo Valladão era, na época, um reconhecido defensor dos recursos am- bientais nacionais, que já havia publicado a obra: Dos rios públicos e particulares em 1904, discutindo o tema da regulamentação das propriedades dos rios no Brasil. Os estudos desenvolvidos por Alfredo Valladão receberam então o nome de Bases para o Código das Águas da República (SAES, 2009).

Mais tarde, o Decreto nº 24.643 de 10 de julho de 1934, que promulgou o Código das Águas, se justificava considerando a inadequação da legislação específica existente e pela necessidade de uma nova regulamentação que permitisse: o controle do poder público e o incentivo ao aproveitamento industrial e racional das águas e da energia hidráulica. O Código das Águas era dividido em três livros com os seguintes títulos: Livro I: Águas em Geral e sua propriedade; Livro II: Aproveitamento das Águas e Livro III: Forças Hidráulicas – Regulamentação da Indústria Hidroelétrica (BRASIL, 1934).

Em 1965 foi criado o Departamento Nacional de Águas e Energia que em 1969 passou a se chamar Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE). O DNAEE assumiu então a responsabilidade pelo planejamento,

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coordenação e execução dos estudos hidrológicos em todo território nacional, o con- trole do aproveitamento das águas e os serviços de eletricidade (ANEEL, 2014).

A partir de 1972 com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambi- ente Humano em Estocolmo e com a Conferência das Nações Unidas para a Água (CONFAGUA) realizada em Mar de Plata em 1977 a questão da água passou a ser discutida em escala internacional.

A Conferência de Estocolmo de 1972 procurou conscientizar a comunidade internacional sobre os cuidados necessários nas relações do homem com o meio am- biente. Definia-se então que o atendimento das necessidades mundiais no presente não podia comprometer a sobrevivência das gerações futuras. O evento contestou a ideologia existente até então de que os recursos ambientais eram inesgotáveis, de- fendo a ideia do controle dos recursos naturais pelo ser humano. Foram desenvolvidos debates sobre a redução das atividades industriais e possíveis impactos nos países em desenvolvimento. O evento produziu o documento intitulado Carta de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, que em seu Princípio 2 recomendava que os recursos naturais do planeta incluindo: o ar, a água, a terra, a flora, a fauna e as amostras representativas dos ecossistemas naturais deviam ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras, mediante processos de cuidadosas planificações e or- denamentos (UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME, 1972).

Já a Conferência das Nações Unidas sobre a Água (CONFAGUA) de 1977 procurou estabelecer uma reflexão crítica sobre o desenvolvimento e a utilização consciente da água no futuro preparando a comunidade internacional para evitar uma possível crise mundial da água que se anunciava para as próximas décadas. Foram produzidos diversos relatórios das seções temáticas e um plano de ação que trataram de temas relacionados à preservação, planejamento e gestão dos recursos hídricos no mundo (CASTILLO, 2009).

O Plano de Ação da CONFAGUA recomendava ainda que cada país for- mulasse uma política hídrica relacionada ao uso, à gestão e a conservação da água. Essa política hídrica nacional devia ser concebida e executada por meio de uma es- tratégia interdisciplinar compreendendo questões e demandas econômicas, sociais, ambientais e de desenvolvimento nacional. O desenvolvimento hídrico era entendido como um elemento essencial dos planos de desenvolvimento dos países. Nesse sen- tido o documento indicava que a terra e a água deviam passar a ser gerenciadas de maneira integrada (CASTILLO, 2009).

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Em 1978 foi criado por meio da Portaria interministerial nº 90 do Ministério das Minas e Energia o Comitê Especial de Estudos Integrados das Bacias Hidrográfi- cas (CEEIBH). Posteriormente foram criados comitês executivos em diversas Bacias Hidrográficas como: do Paraíba do Sul em 1979, do Paranapanema em 1979, do Ja- guari e Piracicaba em 1982, do Ribeira do Iguape em 1984 e o Comitê Executivo de Estudos Integrados da Bacia do Rio Grande (CEEIGRAN) abrangendo os estados de São Paulo e Minas Gerais (BRASIL, 2011, GALLO; TEIXEIRA, 2007).

Os CEEIBHs eram órgãos consultivos que tinham como objetivo: a classi- ficação dos cursos d’água, a realização de estudos integrados para utilização racional dos recursos hídricos das bacias hidrográficas, a promoção dos usos múltiplos das águas e a minimização dos impactos ambientais das ações humanas. Os CEEIBHs adotavam a bacia hidrográfica com unidade territorial de planejamento e gestão. Con- tavam com a participação de ministérios e secretarias do governo federal e dos go- vernos estaduais e usuários (BRASIL, 2011).

Nos anos 70 e 80 movimentos ambientalistas do Rio Grande do Sul passa- ram a discutir a situação e a degradação ambiental do Lago Guaíba e dos rios Grava- taí e Sinos. O reconhecimento do profundo processo de poluição e degradação ambi- ental daqueles recursos hídricos provocou o surgimento de uma série de movimentos e campanhas sociais para a preservação dos mesmos. Em 1987 foi deflagrada a cam- panha SOS Sinos promovida por entidades ecológicas da região, meios de comuni- cação, autoridades locais e estaduais e setores da indústria. Em setembro do mesmo ano um seminário na Universidade Vale dos Sinos (UNISINOS) decidiu pela criação de um comitê de bacia para o enfrentamento do processo de degradação ambiental do rio Sinos. No ano seguinte através do Decreto Estadual nº 32.774/1988 o Comitê do Rio dos Sinos foi criado tornando-se o primeiro comitê de gerenciamento de bacias implantado no País (CÁNEPA et al., 2001).

Ainda em 1987 o documento Nosso Futuro Comum do chamado Relatório Brundtland da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMD) apresentou os princípios do desenvolvimento sustentável. O Relatório Brundtland de- finiu o desenvolvimento sustentável como aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades (UN-DOCUMENTS, 2016).

Em 1992 a Conferência da Internacional de Água e Meio Ambiente reali- zada em Dublin, considerando a escassez e o mal-uso da água doce no mundo como

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fatores prejudiciais, ao desenvolvimento sustentável e ao meio ambiente, produziu o documento Declaração de Dublin, apresentando princípios para a preservação, pla- nejamento e gestão da água no mundo (AGDA, 2016).

Os princípios da Declaração de Dublin e a descrição de cada um dos seus temas são apresentados no Quadro 3.

Os princípios 1 e 2 da Declaração de Dublin apontavam para a necessidade da abrangência do planejamento e da gestão dos recursos hídricos indicando a ne- cessidade da participação e a integração da gestão da água com a gestão do uso do solo. Esse caráter holístico exigia um novo papel dos técnicos, entidades e governos na condução dos programas de planejamento e gestão da água que tivesse a capaci- dade de desenvolver uma efetiva gestão integrada e participativa do território e de seus recursos hídricos.

Quadro 3 - Princípios da Declaração de Dublin

Princípio Tema Descrição

1 Abordagem holística da ges- tão dos recursos hídricos.

A água é um recurso finito e vulnerável, essencial para a manutenção da vida, do desen- volvimento e do meio ambiente; partindo-se do princípio que a água sustenta a vida, a ges- tão dos recursos hídricos requer uma abordagem holística, integrando o desenvolvimento econômico e social com a proteção dos ecossistemas naturais. A sua gestão efetiva inte- gra o uso do solo com os usos da água no âmbito da bacia de drenagem ou do aquífero subterrâneo;

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Enfoque participativo na ges- tão e desenvolvimento dos re- cursos hídricos.

A gestão e o desenvolvimento dos recursos hídricos devem ser baseados no enfoque par- ticipativo, envolvendo usuários, projetistas e governos de todos os níveis; a abordagem participativa implica o fomento à consciencialização da importância da água em todos os setores público e privado e sugere que as decisões sejam tomadas na base, com ampla participação e consulta pública e o envolvimento dos usuários no planeamento e imple- mentação dos Projetos;

3 As mulheres e os recursos hí- dricos.

As mulheres têm um papel fundamental na administração, gestão e proteção dos recursos hídricos; implícito no papel das mulheres está o processo, o que raramente se verifica nos arranjos institucionais da gestão dos recursos hídricos;

4 Valor econômico da água.

A água tem valor econômico para todos os seus usos e deve ser reconhecida como um bem econômico; este último princípio embute o conceito fundamental do reconhecimento do direito de todos à água potável e ao saneamento, a preços compatíveis.

Fonte: AGDA, 2016

Em 1997 foi promulgada a Lei Federal nº 9433 que instituiu a Política Na- cional de Recursos Hídricos (PNRH) definindo a bacia hidrográfica como base territo- rial de planejamento e gestão da água. No ano 2000 a Lei Federal nº 9.984 criou a Agência Nacional das Águas (ANA) com a responsabilidade de implementar o Plano Nacional de Recursos Hídricos e coordenar o SINGREH (BRASIL,2011).

A Lei nº 9433/97 estabeleceu que a gestão dos recursos hídricos devia ser descentralizada garantindo a participação do Poder Público dos usuários e da comu- nidade. A PNRH tinha como um dos seus objetivos a utilização racional e integrada dos recursos hídricos. As suas diretrizes estabeleciam uma gestão sistemática dos recursos hídricos que devia ser adequada às diversidades ambientais,

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socioeconômicas e culturais das diversas regiões brasileiras. A gestão dos recursos hídricos devia ser integrada à gestão ambiental. O planejamento dos recursos hídricos devia articular-se com os setores dos usuários e com as estratégias de planejamento regional, estadual e nacional. A gestão dos recursos hídricos devia ainda articular-se com a gestão do uso do solo (BRASIL, 1997).

A PNRH estabeleceu ainda os seguintes instrumentos de planejamento e gestão dos recursos hídricos: Planos de Recursos Hídricos; enquadramento dos cor- pos d’água; outorga dos direitos de uso; cobrança pelo uso; compensação aos muni- cípios e o Sistema de Informações sobre os Recursos Hídricos. Os Planos de Recur- sos Hídricos foram então definidos como planos diretores que deviam fundamentar e orientar a implementação da PNRH (BRASIL, 1997).

A Lei nº 9433/97 apresentava então uma nova modalidade de Plano Dire- tor, ou seja, o Plano de Recursos Hídricos que compreendia um conjunto de ações, diretrizes e propostas de longo prazo para a Bacia Hidrográfica.

As Agências de Águas, entidades criadas pela Lei nº 9433/97 para dar su- porte técnico aos Comitês de Bacia Hidrográfica, são responsáveis pelo processo de elaboração do Plano de Recursos Hídricos. Já o Comitê de Bacia Hidrográfica, com- posto por representantes da União, dos Estados, dos Municípios, dos usuários das águas e das entidades civis de recursos hídricos com atuação na bacia hidrográfica, tem a responsabilidade de aprovar o Plano de Recursos Hídricos e acompanhar o seu processo de implantação, bem como sugerir providências para o cumprimento de suas metas (BRASIL, 1997).

Nesse contexto, os Planos de Recursos Hídricos devem compreender con- teúdo mínimo apresentado no Quadro 04.

Quadro 4 - Conteúdo Mínimo do Plano de Recursos Hídricos previstos na previstos na Lei Federal nº 9433

Item Conteúdo

I Diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos;

II Análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo;

III Balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais;

IV Metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis; V Medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas

previstas;

VI Prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos;

VII Diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos

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Os objetivos e diretrizes da Lei nº 9433/97, ao referir-se à integração da gestão dos recursos hídricos à gestão ambiental, ao planejamento regional e ao uso do solo, abarcavam então o planejamento e a gestão dos recursos hídricos inseridos dentro dos territórios municipais exigindo a integração e articulação com a gestão ambiental e o uso do solo.

Nesse sentido o planejamento do uso do solo dos municípios que até en- tão, eram temas específicos dos Planos Diretores e das Leis Municipais de Zonea- mento e de Uso e Ocupação do Solo, passaram também a ser objeto dos Planos de Recursos Hídricos. As bacias hidrográficas e os Planos de Recursos Hídricos passa- ram então a abranger territórios que extrapolavam os limites municipais, abrangendo na maioria das vezes vários municípios.

Muitos desses municípios tinham mais de 20.000 habitantes e conforme o disposto no capítulo da Política Urbana da Constituição Federal, deviam elaborar, ou já tinham elaborado, seus Planos Diretores. Nesse contexto a política de desenvolvi- mento e expansão urbana, que devia ser expressa nos Planos Diretores visando o cumprimento das funções sociais da propriedade urbana e da cidade, devia contem- plar também as diretrizes e propostas previstas nos Planos de Recursos Hídricos. Da mesma forma os Planos de Recursos Hídricos deviam observar as diretrizes e pro- postas dos Planos Diretores Municipais.

O Enquadramento dos Corpos de Água, instrumento previsto na PNRH configurou-se como uma estratégia específica de planejamento regional ao estabele- cer metas de qualidade das águas relacionadas ao ordenamento e a regulação do uso do solo na região do recurso hídrico. No processo de gestão do uso múltiplo recursos hídricos, determinados usos passaram a ser considerados mais restritivos ou menos restritivos em relação à qualidade das águas. A Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 20/86 estabeleceu oito classificações para as águas dividindo-as nas seguintes categorias: águas doces, águas salinas e águas salobras. Mais tarde a Resolução CONAMA n° 357/2005, revogou a Resolução CONAMA nº 20/86 e estabeleceu cinco categorias de classes para as águas doces, quatro catego- rias para as águas salinas e quatro categorias de para as águas salobras. As águas doces foram dividias em: a Classe Especial e as classes de 1 a 4. Sendo Classe Es- pecial a água de melhor qualidade e classe 4 a de pior qualidade (ANA, 2011).

A PNRH consolidava então conceitos inovadores como a gestão comparti- lhada dos recursos hídricos e a atribuição de valor econômico para água. O SINGREH

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tinha que obrigatoriamente embasar-se nas decisões do Conselho Nacional de Re- cursos Hídricos e nos Comitês de Bacias Hidrográficas. Nessa gestão participativa os Comitês de Bacias Hidrográficas passaram a contar com o envolvimento dos usuários, dos governos municipais, estaduais e federal, e de organizações civis como centros de pesquisa e consórcios de municípios. (BRASIL, 2011).

Com a Lei nº 9984 de 17 de julho de 2000 foi criada a Agência Nacional das Águas (ANA), entidade federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente com a finalidade de implementar a Política Nacional de Recursos Hídrico integrando o Sis- tema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (BRASIL, 2000).

A Resolução nº 32 de 15 de outubro de 2003 do CNRH instituiu a Divisão Hidrográfica Nacional dividindo o País em doze regiões hidrográficas. A região hidro- gráfica era considerada como o espaço territorial brasileiro compreendido por uma bacia, grupo de bacias ou sub-baciais hidrográficas contíguas com características na- turais, sociais e econômicas homogêneas ou similares, com o objetivo de orientar o planejamento e o gerenciamento dos recursos hídricos. Desde então o território bra- sileiro foi dividido em doze regiões hidrográficas: Amazônica, Tocantins/Araguaia, Atlântico Nordeste Ocidental, Paranaíba, Atlântico Nordeste Oriental, São Francisco, Atlântico Leste, Atlântico Sudeste, São Francisco, Paraná, Uruguai, Atlântico Sul e Paraguai (BRASIL, 2003).