• Nenhum resultado encontrado

2 EXCLUSÃO FINANCEIRA: DIRECIONAMENTO DE PESQUISA,

3.1 O plano investigativo ideal

A pretensão de se realizar uma análise “micro” da exclusão financeira estimulou uma pesquisa exploratória singular. O compromisso com o “buscar honestamente” e o estímulo para se investigar a realidade de pessoas em estado de grande vulnerabilidade social fundamentaram a idealização de um estudo etnográfico em três áreas totalmente diferentes, mas que compartilham a condição de “locais com altos níveis de fragilidade econômica e social”.

A princípio, partindo da ideia de que os aspectos espaciais influenciam na distribuição dos serviços financeiros pelas áreas, bem como na maneira que os indivíduos se relacionam com o sistema financeiro, buscou-se o direcionamento para locais que, de certa forma, fossem carentes no que tange à situação socioeconômica. Ou seja, ao partir da referência áreas intraurbanas de uma grande cidade, surgiu a proposta da escolha de uma comunidade (“favela”) com o maior índice de vulnerabilidade (ou ao menos, que estivesse entre as comunidades mais desfavorecidas). Ainda, considerando-se as cidades de um Estado, chegou-se à opção de se realizar um trabalho em uma cidade pequena situada em uma das regiões mais vulneráveis (se não a mais vulnerável) que o compõe. Por último, pensou-se, tendo como alusão o Brasil, sobre a possibilidade de se investigar a realidade de um bairro considerado desprivilegiado de uma cidade com “menor influência econômica e social” de um país desenvolvido. 3.1.1 Perguntas que estimularam esta pesquisa

Algumas perguntas estimularam a idealização deste estudo aqui desenvolvido, tendo como principal foco os indivíduos, as famílias e as comunidades que vivenciam condições de vulnerabilidade e que de alguma forma não conseguem e/ou não tem a oportunidade, que seja adequada à sua realidade, de utilizar/ acessar os produtos e serviços financeiros, na forma e/ou na quantidade ideais às suas necessidades do dia-a-dia, sendo alvo do que se reconhece como exclusão financeira. Tais perguntas são, a seguir, descritas:

(i) Por que estes indivíduos não participam da “esfera” dos serviços e produtos financeiros?

(ii) De que maneira eles são excluídos?

(iii) Existem relações não pertencentes à “economia convencional” (com base nas dinâmicas sociais ou familiares ou de geração) que podem ditar os termos através dos quais diferentes indivíduos ou famílias alcançam o sistema financeiro?

(iv) Gênero influencia em termos de participação financeira e decisões financeiras?

(v) Quanto que aqueles que são financeiramente excluídos perdem por esta condição?

(vi) Os “micro” fatores mencionados anteriormente são os mesmos ou eles se diferem por entre as áreas de uma nação, e além das fronteiras nacionais? 3.1.2 O objetivo que motivou e fundamentou o estudo

Ao propor um olhar sobre os “microfundamentos” da exclusão financeira, este trabalho objetiva investigar como os indivíduos veem e vivenciam esta situação, abordando também todas as versões da mesma e não somente uma de suas vertentes pautadas pela teoria existente.

O ponto fundamental desta pesquisa pode ser assim descrito: A maneira como os indivíduos, em cada localidade vulnerável, podem enfrentar o “estrangulamento financeiro” - reconhecido como situação em que o indivíduo de baixa renda é desprovido de qualquer recurso ou reserva monetária e financeira, bem como condições favoráveis para se garantir os serviços financeiros adequados, quando um choque e/ou um evento imprevisto que configure uma emergência ocorram -, tendo em vista as situações adversas, as urgências de necessidades básicas e as condições desfavoráveis de privações econômicas e desvantagens sociais.

Além disso, pretende-se também através desta investigação, mostrar como as diferentes dimensões da exclusão financeira se relacionam entre si, ou seja, discutir os processos e as estruturas da exclusão financeira como um todo e não somente uma parte deste todo (evitando-se uma generalização, como aquela usual em que se consideram somente os graus de “bancarização”). Ainda, como um ponto de finalização para este estudo, objetiva-se conduzir a uma nova forma de se entender a exclusão financeira.

3.1.3 As hipóteses elaboradas no estudo

Diante do esclarecimento e ênfase do objetivo exposto acima, elaboraram-se algumas razões e as hipóteses que fundamentaram as escolhas e direcionamento que formam esta pesquisa:

i) Há a possibilidade de existir “condições significativas e específicas inerentes ao local”, que se diferem entre países, regiões, estados, municípios e áreas urbanas. Tais condições envolvem aspectos sociais, econômicos e até mesmo culturais (valores/ padrões/ direcionamento de conduta, costumes, práticas, regulamentos, funcionamentos, dentre outros), os quais influenciam particularmente a relação dos indivíduos com o sistema financeiro, bem como a relação das instituições financeiras com aqueles locais determinados.11 Além

disso, conduzindo-se na direção em que o estudo do Banco Mundial (200412) apresenta, admite-se a existência de “microdiferenças” relevantes dentro de cada local, seja ele, região do país, estado ou município, as quais permitem que bolsões de pobreza ocorram em áreas prósperas, tal como pessoas abastadas residam em locais de baixa renda.

ii) A depender do local, tendo em vista as considerações descritas acima em (i), as consequências sociais e econômicas sofridas pelos indivíduos que

11 A relação com o sistema financeiro é intermediada pelo espaço, o qual mediante as suas

especificidades (físicas, culturais, sociais, institucionais e econômicas) contribui para divergentes formas das instituições financeiras e, assim, para a existência de padrões diferentes de exclusão financeira.

12 Trabalho já citado anteriormente e que representa uma referência por ser um dos maiores

vivenciam a exclusão financeira serão mais ou menos agravadas, impondo maneiras diferentes de enfrentamento e de resistência a estas condições. iii) A exclusão financeira não é somente uma questão de acesso físico ou

relacionado às mudanças de local geográfico das provisões de serviços financeiros, ela tem outras dimensões13. Tais diferentes formas constituem um

complexo conjunto de barreiras de acesso (e utilização dos) aos serviços financeiros formais/convencionais (“mainstream”) e/ou legais (oferecidos pelas instituições tradicionais e reconhecidas pelos Estados) para muitas pessoas que possuem uma renda limitada. De acordo com o que está implícito em (i), em cada área ou local é possível se observar certas formas que acabam por caracterizar uma tendência espacial, justamente pelas características e fatores que compõe este espaço.

iv) O “olhar” que é possível a partir do local desfavorecido difere da informação relatada em áreas diferentes daquela em que ocorre o fato. De certa forma, há uma empatia estabelecida entre o pesquisador e o entrevistado quando o primeiro se desloca até o ambiente do segundo, o que faz com que os relatos sejam mais completos, além de permitir a observação das condições vividas e das necessidades substanciais aparentes, ainda que (por motivos de vergonha, timidez ou orgulho) os indivíduos queiram omitir alguma informação. v) A exclusão financeira pode ser vista como uma das principais causas da “pobreza” (Kempson, Whyley, Caskey, Collard, 2000, Barr, 2004, Solo, 2005, Lenton e Mosley, 2011), considerada como a condição vivida por indivíduos que, geralmente, possuem uma renda abaixo de níveis decentes ou de níveis aceitáveis que possam cobrir as suas necessidades básicas. Indivíduos que são excluídos do acesso/utilização dos serviços e dos produtos financeiros pelas vias convencionais (“mainstream”) experimentam desvantagens além da renda baixa, privações que contribuem para a repetição de uma tendência, para a existência de um ciclo ou, ainda, para o que é reconhecido como armadilha de pobreza. Em se tratando de um todo, as opções disponíveis para se administrar um orçamento familiar fora dos setores convencionais

(“mainstream”) de serviços financeiros são mais custosas e, geralmente, não regulamentadas (não fiscalizadas por algum órgão regulador). Isto é, tais indivíduos são obrigados a se sujeitar a excesso de débitos, a refinanciamentos a taxas abusivas, à imposição de juros inadministráveis, à dependência de instituições informais e até mesmo ilegais (por estes indivíduos representarem ausência de garantias e, portanto, risco elevado), uma vez que devem sobreviver a fatores inevitáveis em suas condições – desarranjos familiares, perda de posses ou ações de despejo, problemas inesperados de saúde, baixo nível de educação, alta dos preços de bens de consumo, incapacidade de se retornar ou garantir um emprego, incapacidade de poupar ou de tomar empréstimos para financiar tais custos inesperados. Sem qualquer auxílio das instituições formais para sair destas situações de estrangulamento financeiro, tais pessoas não só podem ser consideradas como “excluídas financeiramente” como também excluídas socialmente, uma vez que são incapazes de participar dos processos sociais que determinam as chances de vida (evolução, mudanças e bem estar) de um indivíduo – Relação entre Exclusão Financeira e Exclusão Social.

vi) Corroborando o argumento do Banco Mundial em seu estudo, considera-se que há desigualdades espaciais significativas e persistentes na disponibilidade e utilização de serviços financeiros, o que não somente se relaciona às disparidades de renda entre as regiões e entre os indivíduos, mas também tende a agravar e a perpetuar tais tendências.

A partir destas considerações, este trabalho se desenvolveu de maneira inversa às pesquisas tradicionais que enfatizam a realidade daqueles que tem amplo acesso e vasta utilização dos serviços financeiros, a visão agregada do local desenvolvido e o não aprofundamento da questão de sobrevivência das pessoas socialmente e financeiramente excluídas. Voltou-se a atenção às condições dos indivíduos que se encontram à margem do sistema capitalista: residem em locais com níveis elevados de vulnerabilidade socioeconômica; na maioria, possuem subempregos ou empregos informais ou empregos formais com baixos salários; que vivem na informalidade; ou que dependem de benefícios sociais garantidos pelo Estado. A investigação com o foco direcionado para as condições de tais

indivíduos se justifica por eles serem tantas vezes reconhecidos como aqueles que não podem oferecer garantias, representando altos níveis de riscos às instituições convencionais (“mainstream”), sendo, assim, marginalizados pelo sistema financeiro, subjugados a uma situação sem perspectivas de crescimento, vítimas de racionamento de crédito e dos serviços financeiros em geral (quando não submetidos à classificação em perfis que caracterizam desigualdade de “oportunidades”) e, por conseguinte, considerados como excluídos financeiramente. A forma como são excluídos e a maneira com que administram suas condições vulneráveis são supostas por este estudo como significativamente influenciadas pelo espaço – suas características sociais e econômicas, valores inerentes, padrões culturais e etc..