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O artista e o homem estão unificados em um indivíduo de forma ingênua, o mais das vezes mecânica: temporariamente o homem sai da "agitação do dia a dia" para a criação como para outro mundo "de inspiração, sons doces e orações". O que resulta daí? Mikhail Bakhtin No bloco 1, "As vozes do eu", os jogos e dinâmicas pensados basearam-se e preocuparam-se essencialmente em compor algumas estratégias definidoras de interação. Utilizamos como referencial o cronograma geral de ensaios de Spolin (2004, p. 28), que é dividido em três períodos e enfoca, em um primeiro momento na "[...] colocação dos fundamentos das relações e atitudes em relação à peça e de um para com o outro". Esquematizamos nesse sentido, dentro da programação de três oficinas, jogos que objetivassem a percepção corporal e sensorial, bem como da ênfase na noção do jogo improvisacional em grupo, em que as atividades colaborativas seriam peça-chave no decorrer do processo e dos próximos encontros.

A primeira oficina aconteceu na sala de leitura e contou com a participação das professoras Zelda e Cecília. Nossa programação para este primeiro momento contemplou o trabalho com três jogos: "Caminhando e sonorizando", "Audiodescrição, som e memória" e "Que máquina é essa?".

O jogo "Caminhando e sonorizando" objetivou um aquecimento prévio, onde o foco seria caminhar pelo espaço procurando movimentar-se e emitir sons simultaneamente. Para compor a atmosfera utilizamos uma música de fundo e pensamos em alguns comandos sonoros a serem emitidos a fim de direcionar a caminhada.

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Fizemos um aquecimento corporal com alongamento, explorando as partes do corpo como pé, mãos, cabeça, quadril e na sequência foi proposta uma caminhada no espaço da sala de leitura simulando a ideia de lugares fictícios como uma floresta e o bairro do Alecrim. Foi solicitado que procurassem emitir os sons que encontravam nesses lugares. A provocação dessa primeira incursão parte das ideias de caminhadas no espaço e jogos de movimento rítmico de Spolin (2007), que focalizam a exploração e a consciência do próprio corpo em movimento.

As caminhadas no espaço estendem esta exploração, dando aos alunos a chance de se movimentar e explorar o espaço familiar da sala de aula, proporcionando um novo imediatismo ao espaço. As caminhadas no espaço devem ser dadas freqüentemente como aquecimento. (SPOLIN, 2007, p. 69).

O aquecimento que propusemos começa, portanto, na grande roda que se abre no espaço da sala de leitura, a partir da realocação de mesas e cadeiras, deixando espaço livre para que o círculo se forme e que haja a interação de todos. Acionamos a caixa de som portátil - que nos acompanhará durante todo esse percurso das oficinas -, para tocar uma melodia instrumental suave e a partir desta ambiência começamos a propor que os alunos tocassem seu próprio corpo, explorando os movimentos que iriam do plano mais alto ao mais baixo. "Girem o pescoço em círculo,", "Procurem ouvir os sons que seu pescoço faz ao girar", foram alguns dos comandos que enunciamos. Fizemos juntos com os alunos esses movimentos de alongamento afim de exemplificá-los, inicialmente ainda em posição fixa, e gradativamente fomos acionando-os para que começassem a caminhar lentamente, todavia sem que cessassem os movimentos com mãos e braços.

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Figura 1 – Toquem, explorem, sintam seu corpo

Fonte: Elaborada pelo autor (2019).

Descrição da imagem: fotografia colorida, em plano geral, dos alunos, em pé e em círculo, na sala de leitura. Usam uniforme escolar, composto por camiseta branca e calça azul. Alguns deles estão em postura ereta e outros têm o corpo curvado para a frente. Uma das alunas está sentada em uma mesa escolar. Eles tocam e exploram os próprios corpos com as mãos. Na sala, há computadores pretos sobre uma bancada branca encostada em uma das paredes. Algumas cadeiras de plástico brancas e outras escolares azuis estão recuadas para as extremidades. Nas janelas, cortinas beges por onde passa a luz do sol (Fim da descrição). 6

Introduzimos então novos comandos como: "Agora vocês estão em uma floresta de mata bem fechada", "Desloquem-se com cuidado", "Que sons existem nessa floresta?". Os alunos começam a entrar no jogo e a ambiência sonora que toca na caixa portátil agora é a de barulho de folhas ao vento. Alguns deles arriscam os primeiros sons, cantos de grilos, pássaros, outros reproduzem onomatopéias de ações diversas, ceifa de mato, uma das alunas parece catar ou apanhar no chão algo imaginário.

6A descrição das imagens contou com a participação da equipe técnica integrada por Kim Arouca (consultoria) e Katyuscia Silva (revisão)).

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Figura 2 – Na "viagem imaginária" pela floresta, havia algo no caminho...

Fonte: Elaborada pelo autor (2019).

Descrição da imagem: fotografia colorida, em plano geral, de um grupo de quatro alunos em pé, na sala de aula à frente do quadro branco. Ao centro, entre dois rapazes, a moça está de costas, olhando para o chão, com as pernas entreabertas e joelhos levemente flexionados. O rapaz à esquerda olha para ela. O rapaz à direita olha para o aluno que está encoberto, por trás do outro rapaz à esquerda (Fim da descrição).

O comando muda e o cenário imaginário proposto agora é o de uma realidade bem conhecida pela maioria deles, o centro comercial do bairro do Alecrim em Natal/RN, que fica próximo às imediações da escola. "Que sons vocês ouvem quando estão no Alecrim?", "Como vocês se comportam e andam por lá?". Os alunos aderem de imediato à realidade que tão bem conhecem e começam a simular atitudes de vendedores ambulantes, de pedestres apressados que se esbarram, falam mais alto, logo alguns já estão gritando, "Água mineral é um real!", outros emitem sons de buzina, de freadas de ônibus.

125 Figura 3 – Que confusão é essa? É o bairro do Alecrim!

Fonte: Elaborado pelo autor ( 2019).

Descrição da imagem: fotografia colorida com destaque para um grupo de cerca de oito alunos na sala de aula, em sua maioria vistos dos joelhos para cima. Seis alunos estão em pé e dois sentados. Na sala há um armário cinza encostado na parede, à esquerda e, ao fundo, na outra parede, imagens expostas (Fim da descrição).

Encontramos semelhanças na proposição desse jogo com o de "Viagem imaginária" de Boal (2009, p. 157), em que são estimuladas a criação de um cenário real ou imaginário no qual "[...] toda informação deve ser passada através do contato físico e dos sons". De fato, observamos que os alunos entraram no jogo sem muitas dificuldades operando a partir dos comandos que foram oferecidos, sonorizando esse ambiente, desenvolvendo ações imaginárias que se harmonizavam com essa paisagem.

Neste sentido, outra vertente que se coaduna com essa experiência é a de Schafer (1991, p. 123), ao mencionar que "[...] a nova paisagem sonora da vida contemporânea é familiarizá-los com um vocabulário de sons que se pode esperar ouvir". Ao receberem o comando que passa da floresta para o do centro comercial do Alecrim os alunos reagem quase que instintivamente, demonstrando, com muita propriedade, os sons que possivelmente experimentam diariamente quando passam pelo bairro no deslocamento para a escola.

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Percebemos também a desenvoltura em reproduzir não só os sons que compõem esse espaço, mas os tipos e personagens que coabitam tais instâncias.

Lentamente fomos trazendo os alunos de volta à realidade e aos poucos pedimos para que desfizessem os cenários construídos e respirassem calmamente retornando a seus lugares na roda para conversarmos. Começamos abrindo um círculo e falando um pouco sobre a experiência de caminhar nesses espaços imaginários e reproduzir os sons, o que neles existia. Colocamos a questão do quão havia sido difícil tentar imaginar a floresta, um lugar que muito possivelmente muitos deles nunca haviam estado, em comparação com o espaço do bairro do Alecrim, local comum a todos.

Robin afirmou que: "Na floresta não sabia o que imitar, então pensei logo que podia ter passarinho piando, mas no Alecrim foi mais fácil porque conheço bem o bairro, todo dia passo por lá". Jasmine contou que: "Foi legal imaginar a mata pois já vi muitos filmes que tem floresta e me inspirei nisso para andar com dificuldade por entre as folhas". Gulliver mencionou o fato de que: "Não sei como é estar em uma floresta, mas no Alecrim passo com minha mãe todos os dias e é daquele jeito, com o pessoal gritando e querendo vender coisas".

Figura 4 – "Foi legal imaginar a mata pois já vi muitos filmes que tem floresta..."

Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

Descrição da imagem: fotografia colorida com destaque para uma aluna de perfil, em sala de aula, vista do busto para cima. Ela é morena, tem cabelos longos cacheados e estende o braço esquerdo na direção de um colega à sua diagonal, que está apoiado em uma mesa escolar. Ele está com um

127 papel na mão e olha para a direita. No canto superior direito aparece parte do rosto (queixo, boca e nariz) do professor pesquisador Thiago (Fim da descrição).

Recuperemos a partir da fala de Gulliver um fato curioso que se refere à questão da memória sonora. Gulliver recupera a memória auditiva de quando passeia com a mãe pelo bairro do Alecrim através da reconstituição imaginária obtida na convergência das sonoridades durante o jogo "Caminhando e sonorizando". Essa imersão em uma paisagem sonora lhe remete à sensação imaginária e momentânea de estar ali, naquele ambiente sonoro tão característico e familiar. Essa perspectiva do ambiente sonoro é evocada por Schafer (1991), ao referir que:

O ambiente sonoro de uma sociedade é uma fonte importante de informação. [...] Uma das definições de ruído é que ele é o som que aprendemos a ignorar. E, como nós o temos ignorado por tanto tempo, ele agora foge completamente ao nosso controle. Minha abordagem acerca desse problema trata a paisagem sonora do mundo como uma enorme composição macrocósmica. O homem é seu principal criador. Ele tem o poder de fazê-la mais ou menos bela. O primeiro passo é aprender a ouvir essa paisagem sonora [...]. Somente quando tivermos verdadeiramente aprendido a ouvi-la é que poderemos começar a fazer julgamentos de valor. Quais os sons que gostamos? Quais gostaríamos de guardar? Quais não são necessários? (SCHAFER, 1991, p. 289).

A abordagem de Schafer é muito relevante para nosso estudo porque trata desse ambiente sonoro como uma poderosa fonte de informação. Partindo desse princípio, o som teria o poder de acionar ou deflagrar estados sensoriais que provocam a imaginação, instaurando possibilidades de imersão e interpretação do mundo (BAVCAR, 2003), ou do circundante, conforme ocorreu com Gulliver. A ideia de composição dessa cena sonora seria primordial, portanto, para as aplicações intencionadas no âmbito dos nossos experimentos.

Ainda dentro do viés da memória, analisemos a experiência de Jasmine, que afirma ter se inspirado em filmes com florestas que já assistiu, para compor sua simulação de "andar com dificuldade por entre as folhas", ou a do próprio Robin, que engendrou possibilidades para compor os sons da floresta ao mencionar que: "pensei logo que poderia ter passarinho piando". Há, tanto no caso de Jasmine como no de Robin, a evocação poética de um contexto que eles jamais presenciaram fisicamente, a não ser pela experiência do cinema ou dos filmes e que remete à poética do devaneio de Bachelard (2009):

128 Todos os sentidos despertam e se harmonizam no devaneio poético. É essa polifonia dos sentidos que o devaneio poético escuta e que a consciência poética deve registrar. [...] São esses impulsos de imaginação que o fenomenólogo da imaginação deve tentar reviver. (BACHELARD, 2009, p. 6).

A construção dessa "imagem poética" encontra ressonâncias tanto na fala de Jasmine como na de Robin porque ambos fizeram uso de seus repertórios sensoriais, de sua memória para a composição do quadro imaginário no qual estavam imersos e para o qual tentaram contribuir permitindo-se a criação de sons que coadunassem com tal atmosfera e que corrobora com a indicação de Bachelard (2009), quanto ao registro dessa multissensorialidade por uma "consciência poética".

Os artifícios que operam com essa capacidade de estímulo e resgate da memória através da construção de imagens poéticas seriam então fundamentais para o desenvolvimento dos processos pretendidos no decorrer das oficinas. A proposta do jogo seguinte "Audiodescrição, som e memória" converge para estes princípios, além de instituir um conceito inusitado e desconhecido para a maioria deles que é o da audiodescrição.

O jogo tinha por objetivo a provocação da escuta dessa "polifonia dos sentidos", conforme menciona Bachelard (2009) logo acima, e onde o enfoque estaria delimitado no esquema: dizer seu nome, escolher um som e um movimento para executar ao mesmo tempo que audiodescreve em linhas gerais suascaracterísticas físicas.

Figura 5– Alguém já ouviu falar em audiodescrição?

129 Descrição da imagem: fotografia colorida, em plano geral, dos alunos, em pé e em círculo, na sala de leitura. O professor pesquisador Thiago e a auxiliar de pesquisa Mayara, também participam do círculo, em pé e de costas (Fim da descrição).

Falamos em audiodescrição e perguntamos se alguém conhecia ou já havia ouvido falar a respeito. Branca manifestou-se arriscando dizer que: "É algo para descrever um áudio?". Athos mencionou que: "Sim, já ouvi falar, serve para descrever imagens para quem não enxerga". Ícaro completou a fala de Athos dizendo que: "Eu conheço também, é muito legal e já assisti um filme com audiodescrição". Agradecemos as contribuições acrescentando que a audiodescrição era um recurso de acessibilidade comunicacional, que realmente tinha essa função, a de traduzir imagens em palavras, que seu público alvo eram as pessoas com deficiência visual, e que promovia o acesso dessas pessoas à informação, aos conteúdos visuais.

Convidamos então todos a participar naquele momento de um jogo com a audiodescrição, questionando se gostariam de conhecer e entender como funcionava o recurso, ao que todos responderam afirmativamente. Explicamos que iríamos nos apresentar de uma maneira diferente do habitual como se costumava fazer. Não apenas falaríamos, ou seja, nos apresentaríamos para os outros descrevendo nossas características físicas. Colocamos as seguintes diretrizes ao grupo afim de exemplificar como se daria o jogo: "Cada participante deverá falar seu nome e executar um movimento que deverá ser audiodescrito. O movimento deve vir acompanhado de alguma sonoridade a ser produzida. Enquanto executa o movimento repetidas vezes o participante audiodescreve suas características físicas. O participante seguinte deverá repetir todo o conjunto de informações fornecidas e assim sucessivamente".

Reforçamos que eles precisariam estar atentos tanto aos movimentos e sons executados pelos colegas como às audiodescrições de suas características físicas para que pudessem reproduzi-las. Pedimos que se concentrassem, pois, a memória deles teria muita importância nesse momento em que precisariam repetir os gestos, sons e palavras do outro. Optamos então por começar com uma pequena exemplificação para ilustrar como se daria a dinâmica do jogo, na qual fazíamos um gesto, emitíamos um som e audiodescrevíamos o movimento realizado, pedindo que todos juntos tentássemos reproduzir em sintonia a mesma coisa.

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Figura 6 – Repitam o gesto e o som, audiodescrevam o movimento!

Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

Descrição da imagem: fotografia colorida, em plano geral, do professor pesquisador Thiago, da auxiliar de pesquisa Mayara e parte dos alunos, em pé e em semicírculo, na sala de leitura. Ao fundo, uma mesa com cadeira e quatro estantes enfileiradas com livros. À esquerda, uma porta azul com um cartaz pendurado e, ao lado, na parede branca, outros cartazes expostos. O professor pesquisador Thiago é branco, tem cabelos castanho-escuros curtos e lisos e está usando camiseta amarela, calça e sapatênis marrons. Ele realiza um movimento com o braço direito estendido diagonalmente para o lado. A auxiliar de pesquisa Mayara é morena, tem cabelos pretos longos e lisos e está usando blusa azul-marinho, calça preta e sapatilhas. Ela e alguns alunos, usando uniformes escolares, também realizam movimentos com os braços (Fim da descrição).

Ressaltamos que a proposta desse jogo surge da adaptação da atividade "O nome próprio (roda acumulativa)" de Busatto (2010, p. 10) que contribui, conforme explica a autora, no desenvolvimento da memorização e da noção de sequência, na socialização e desinibição e onde podem ser aplicadas regras que diferenciem o caráter basal da atividade de acordo com o objetivo pretendido. No nosso caso, optamos por inserir a audiodescrição nesse contexto como tentativa de provocar a congruência entre as ações físicas e orais. Acreditamos que o estímulo à produção deste tipo de percepção nesse momento introdutório seria decisivo para as ações posteriores e deflagrariam as primeiras noções intuitivas de alteridade.

A dinâmica do jogo seguiu tranquilamente, com alguns alunos mais tímidos, outros mais extrovertidos e detalhistas. Nesse jogo eles pareceram estar mais à vontade, embora alguns mais inibidos reduzissem a quase nada os movimentos, sons e audiodescrições dos outros colegas. Procuramos não estabelecer parâmetros para o quesito da audiodescrição,

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optando nesse primeiro momento por um exercício mais intuitivo do olhar. Sentimos a necessidade, entretanto de estar sempre pontuando as diretrizes estabelecidas e desse modo elas eram sempre sinalizadas por nós afim de que o jogo mantivesse seu percurso. Ryngaert (2009) elucida essa configuração presente no jogo improvisacional, que parte da observação à dimensão de coletividade e que nos ajuda a pensar o itinerário desse percurso.

A qualidade de observação assim mobilizada não garante a qualidade da transposição. Ela faz do ator apenas um observador exterior que se dispõe a uma imitação, mas não sabe como participa dela. O trabalho que proponho sobre os rituais desloca o interesse para o próprio jogador, que é, ao mesmo tempo, o modelo e o instrumento expressivo. Entretanto, não se trata de um estudo psicológico nem de uma incitação disfarçada ao psicodrama. Nossos comportamentos cotidianos repetidos, às vezes de maneira inconsciente, passam a ser pontos de partida de exercícios e de improvisações de acordo com processos que engajam o trabalho de todo um grupo. (RYNGAERT, 2009, p. 111).

Observamos que durante a execução do jogo era comum alguns pararem para rememorar todo o conjunto de ações e sonoridades realizadas pelos colegas e, muitas vezes inevitavelmente acabavam sempre esquecendo este ou aquele detalhe que era prontamente relembrado pelo executante ou por um outro colega mais próximo, e que recai sobre essa noção de engajamento apontada por Ryngaert (2009),como fundamental ao trabalho em equipe.

Abrimos então para a roda de conversa e perguntamos o que haviam achado da experiência com o jogo "Audiodescrição, som e memória", quais haviam sido suas maiores dificuldades. Lançamos uma provocação: "Vocês acham que a audiodescrição feita pelos colegas corresponde à imagem que vocês têm deles?".

Aramis foi o primeiro a se posicionar explicando que: "Tive dificuldade em me descrever, que palavras usar". Ariel mostrou-se curiosa com os encaminhamentos do jogo e afirmou que: "Nunca havia parado para prestar atenção em alguns detalhes meus, nem dos meus colegas". Ícaro expressou sua satisfação ao relatar que: "Não sabia como eram muitos dos meus amigos". Gulliver indicou que: "Achei difícil ter que lembrar de tudo ao mesmo tempo, mas foi legal porque muita coisa ficou na minha cabeça". Julieta admitiu que: "Descrever o que estávamos fazendo foi importante para que os colegas com deficiência visual pudessem repetir e também participar do jogo".

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Figura 7 – "Nunca havia parado para prestar atenção em alguns detalhes meus, nem dos meus colegas"

Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

Descrição da imagem: fotografia colorida em primeiro plano de uma aluna. Ela está de semiperfil, é branca, tem cabelos castanhos lisos e longos, rosto oval, nariz largo, boca pequena e usa óculos de grau. Está com um leve sorriso nos lábios e com uma das mãos toca a orelha direita. Em segundo plano, outra aluna, branca, de cabelos castanhos lisos e longos, sorri. Ela usa aparelho ortodôntico e está com a língua entre os dentes. Ambas usam camiseta do uniforme escolar (Fim da descrição).

Temos de considerar no âmago dessas falas a ideia de que a audiodescrição feita aqui durante o jogo foi de caráter ilustrativo e com vistas à promover, conforme sugere Motta (2016, p. 144), uma abordagem lúdica do processo, contudo é possível perceber que ela desperta a atenção de uma das alunas, Julieta, quanto ao fato de que, a existência do recurso da AD sendo exercitado ali permitia aos colegas com deficiência visual "também participar do jogo". A fala de Julieta nos encaminha, por conseguinte para a dimensão de um olhar que se preocupa e vai na direção do outro, se coloca na sua posição e exprime por conseguinte um indício de alteridade, conforme discute Bakhtin (2017:

Em que terreno axiológico medra o caráter clássico, em que contexto

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