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3. Conflitos de direitos e deveres

1.4. Poder disciplinar

O empregador tem a faculdade de exercer o poder disciplinar no âmbito de uma relação contratual laboral. Porém, entendemos que, apesar desse poder, o qual inclui a possibilidade de aplicação de sanções disciplinares, o empregador não deve proibir a utilização do e-mail privado ao trabalhador em determinadas circunstâncias294, e não tem o direito de abrir, aceder ou visionar essa comunicação privada (conforme já referido ao longo deste trabalho).

Os poderes de controlo e fiscalização da entidade empregadora – apesar de não serem aqui postos em causa – devem estar compatibilizados com os direitos dos trabalhadores, pelo que o empregador deve evitar constantes intrusões na execução do trabalho. Por isso, a entidade empregadora deve escolher metodologias de controlo não intrusivas, que estejam de acordo com princípios previamente definidos e sejam conhecidos pelos trabalhadores.

Assim sendo, e tendo em conta o uso do correio eletrónico para o exercício da atividade laboral, não deve ser feito, pelo empregador, um controlo sistemático e permanente dos e-mails dos trabalhadores, até pelo desconforto que isso poderia causar ao prestador de trabalho. Ora, se o controlo não puder ser evitado, este deve ser pontual e direcionado para certas atividades, e em áreas que apresentem um “risco” maior para a empresa, e em termos da sua aferição295. Também deve ser tomado em conta o grau de autonomia do trabalhador, a natureza da atividade que este desenvolve, as razões que levam à atribuição de um e-mail ao trabalhador, e a forma como vai o empregador exercer os seus poderes de controlo, fiscalização e apendência do segredo profissional.

Efetivamente, a entidade empregadora deve definir com rigor e clareza o grau de tolerância quanto à utilização do correio eletrónico no local de trabalho para fins privados, evitando, por esta forma, eventuais conflitos de interesses – ainda que não sejam propriamente litígios.

293 MOREIRA, Teresa – Atas do Congresso de Direito do Trabalho, 1.ª edição, março de 2011, p.183. 294 Por exemplo quando tenha familiares dependentes que necessitem estar em contacto.

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Exemplo: eventual situação de proteção de um direito maior sobre um direito menor – o primeiro no sentido de direito de proteção pessoal e o segundo vertido no direito de propriedade.

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Talvez não se consiga distinguir facilmente os poderes do empregador no seu sentido resumido de autoridade e direção (pois é disto que aqui se trata), porquanto são conceitos de enquadramento para os poderes da entidade empregadora (anteriormente chamados poderes patronais) e correlativas situações passivas do trabalhador dependente, submetido à autoridade, devedor de obediência, controlado e disciplinado. O empregador não só organiza, como dirige, define, específica e encaminha a prestação do trabalhador, tanto de forma abstrata (através de regulamentos) como em concreto (dando ordens e contra ordens, em contínuo ajustamento), como ainda sobre a própria atividade; intervém constantemente, antes, durante e depois da sua realização, controlando-a e fiscalizando-a, submetendo-a a sanções privadas ou disciplinares quando haja desvios ao cumprimento das sua ordens e dos seus poderes empresariais (existindo situações que podem situar-se fora dos esquemas comuns que pressupõem o recurso aos tribunais, sendo reguladas pelo costume).

Com isto se pretende dizer que toda a atividade de uma empresa visa principalmente fins produtivos debaixo do “Domus imperi” do empregador. Tendo em conta que o poder disciplinar pertence ao empregador, na forma de aplicar sanções aos seus trabalhadores que incumpram obrigações ou deveres instituídos dentro da empresa, pode concluir-se, à luz dos artigos 98.º, 97.º, 99.º e 101.º, todos do Código do Trabalho, pela afirmação do instituto disciplinar – que é um aliado da entidade empregadora.

Assim, tendo em consideração o estipulado no artigo 98.º do CT, o empregador pode exercer o poder disciplinar sobre os trabalhadores ao seu serviço. No entanto, podem existir casos em que o prestador de trabalho não está “ ao seu serviço”, ou seja, o empregador pode não ser o beneficiário direto da prestação laboral - mas sim um terceiro a quem ele cede o trabalhador - sendo que esta situação é merecedora de alguma atenção no que concerne ao trabalhador “ao serviço” de uma empresa, porque existem situações de facto em que o empregador pode exercer o poder disciplinar sem que o trabalhador se encontre “ao seu serviço”, isto é, sem que o empregador beneficie diretamente da prestação laboral do trabalhador.

Na verdade, isto passa-se nas situações em que ocorre cisão dos tradicionais poderes laborais e se verifica o seu exercício por vários sujeitos (como, por exemplo no caso de trabalho temporário, e também no caso já mencionado de cedência ocasional de trabalhador).

Assim sendo, no primeiro caso o trabalhador tem um contrato de cedência temporária, sendo que a prestação laboral é executada sobe a direção do utilizador, pelo que o trabalhador

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não está “ao serviço” do seu empregador direto, a quem compete o poder disciplinar296

; já no segundo caso, o poder de direção pertence ao cessionário, ou seja, aquele que acede ao trabalhador por intermédio do empregador cedente, ou aquele que celebra um contrato de cedência ocasional297. Assim, o poder disciplinar sobre aqueles trabalhadores é da responsabilidade do empregador direto e não do empregador a quem o trabalhador “presta serviço”.

Mesmo nas situações de suspensão do contrato de trabalho, o empregador continua a deter o poder disciplinar apesar de o trabalhador não estar ao serviço de ninguém298.

Desta sucinta exposição quanto ao poder de aplicação de sanções laborais, concluímos que este é exercido pelo empregador sobre o trabalhador, o qual pode não estar “ao seu serviço”, existindo ainda a possibilidade de ser delegado pelo empregador num seu representante ou superior hierárquico do trabalhador299.

No que tange à aplicação de sanção disciplinar propriamente dita, presume-se que a mesma corresponde à violação ou omissão de deveres impostos ao trabalhador, salvo no caso de ordens ou diretivas ilegais, que integrem ofensas à ordem pública, aos bons costumes, ou sejam ordens violadoras do princípio da boa-fé e da confiança.

Ora, a sanção disciplinar laboral, no nosso entender, só deve ser aplicada conforme o ato do trabalhador que provoque dano ou ponha em risco o normal exercício da atividade da empresa.