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O poder jovem e os jogos de poder

No documento Arte que inventa afetos (páginas 106-109)

Apesar de Poerner (1979), ao falar de um poder jovem, estar se referindo à juventude ligada ao movimento estudantil, mais especiica- mente à UNE (União Nacional dos Estudantes), pagando uma espécie de tributo às lutas históricas desse movimento, precisamos compre- ender que ele não deixa de se referir aos jogos de poder que estão im-

plicados quando essa juventude se volta contra a universidade ou contra a maneira de se organizar da sociedade. Esse jogo que podemos per- ceber no seu trabalho se dá a partir de uma tensão do “mundo velho” contra o “mundo novo”. Os jovens não são o novo em função da sua faixa etária. O que está em jogo não é um mero conlito geracional, mas o “aniquilamento” de determinada concepção de prática social, Poerner (1979) não quer jogar o jogo do conlito de gerações, dos pais contra os ilhos, dos novos contra os velhos, porém, perceber outro jogo, de um mundo a ser transformado, de práticas sociais a serem reformuladas.

O esforço do autor é justamente desvincular o poder jovem de algo natural à juventude, algo ligado à sua condição etária. Ele quer mostrar que, embora esse poder esteja relacionado aos jovens, ele os transcende, se transformando em uma força social, incorporando tudo aquilo que se volta contra o mundo repressivo capitaneado pelos mili- tares. Estrategicamente falando, esse poder opera a partir de:

[...] uma profunda decepção quanto à maneira como o Brasil foi conduzido no passado, de uma violenta revolta contra o modo pelo qual ele é dirigido no presente e de uma entusiástica dis- posição de governá-lo de outra forma no futuro (POERNER, 1979, p. 32).

Temos aqui, portanto, algo extremamente importante para a nossa análise. Se o poder jovem é constituído por uma decepção, uma revolta e uma esperança, podemos dizer que aquilo que ele objetiva nunca existiu, ou seja, a sua potência reside na negação do que houve e do que há, vislumbrando um horizonte possível, caracterizado por um mundo que se quer.

De outro modo, Foracchi (1972), ao analisar a questão dos jo- vens ligados ao movimento estudantil, acaba por dar mais ênfase à ju- ventude enquanto categoria social do que como uma faixa etária, o que faz com que ela perceba-os como atravessados por uma força que se produz na tensão das práticas sociais. A juventude seria, nesse caso, uma resposta a um sistema injusto. Ela seria a própria possibilidade de mudança social, de tal forma que “a contrapartida dessa transformação é o movimento estudantil, o poder jovem, potência nova que, desconhe-

cendo sua força, recria, na imaginação e na utopia, a práxis de um mundo que apenas se esboça” (FORACCHI, 1972, p. 163). Embora esse poder jovem seja aquele que emerge com uma juventude ligada à noção de estudante, temos que levar em consideração que ele aparece, também, assim como vimos em Poerner (1979), como uma força que institui um campo de possibilidades. Enquanto negação, ele é a redispo- sição das relações de poder na trama social, fazendo com que se pense de forma diferente os rumos da sociedade – mesmo sem saber quais são. Não há uma certeza de onde se quer chegar, essa força é apenas um esboço, uma tensão entre aquilo que quer permanecer como está, e aquilo que quer transformar isso que está.

O fato é que os dois autores percebem um outro jogo de poder que não aquele dos velhos contra os novos, dos adultos contra os jovens. Eles analisam a problemática do poder jovem a partir da reorganização do espaço público. O que atravessa os jovens é uma força de negação do mundo constituído enquanto tal, todavia, essa negação deve ser enten- dida como uma resistência, que, ao assim ser, redeinem outras formas de organização da sociedade. O que os referidos pesquisadores fazem é aquilo que Foucault (2006b) propõe como uma ilosoia analítica do poder, que é perceber os jogos que estão postos nas relações de poder. Com isso, Foracchi (1972) e Poerner (1979), ao falar de um poder jovem, não querem reletir sobre os jogos de poder de um suposto conlito de gerações, que veem na juventude um período de rebeldia e imaturidade que passa ao chegar a idade adulta. De outro modo, eles percebem outro jogo, em que os jovens resistem a um mundo estruturado no controle das condutas, nas práticas coercitivas e na injustiça social. O poder jovem, assim, se transforma em força política, visto, em função de seu modo de operar, reorganizar as relações de poder da sociedade.

Podemos concluir, por ora, que as relações de poder, sendo ana- lisadas em termos de jogos, e, consequentemente, do ponto de vista das estratégias, relacionam-se com os saberes mútuos dos sujeitos uns sobre os outros. Os jogos de poder são correlações estabelecidas tendo em vista aquilo que cada um quer e pensa sobre o outro e, do ponto de vista analítico, estabelecem dicotomias que objetivam e cristalizam as rela- ções de poder, fazendo emergir sujeitos bem delimitados. Nesse sen-

tido, caberia sabermos quais são os jogos de poder que podem ser per- cebidos nessas práticas voltadas aos jovens que objetivam governá-los. Foracchi (1972) e Poerner (1979), nos deram um exemplo de olhar sobre a juventude estudantil sem aprisioná-la no jogo do jovem versus adulto. Diferentemente, eles mostraram que analisar a problemática da juventude a partir desse olhar, é desconsiderar uma mudança importan- tíssima que estava acontecendo na sociedade. Falando em poder jovem, eles perceberam que uma força resistia naquele período, produzindo-se como uma crise social, restabelecendo outras relações de poder em con- lito com a sociedade.

No documento Arte que inventa afetos (páginas 106-109)