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Alguns modelos de poder local têm sido apontados na tentativa de equacionar dentro de um viés liberal a questão da participação social tão defendida pela visão progressista. Nesse sentido, Cardoso (2007) aponta um modelo de reforma do Estado capaz de garantir uma nova institucionalidade mediante a participação da sociedade, sem deixar de assimilar conceitos da administração estratégica e gerencial, especialmente no que tange ao desenvolvimento local e busca da eficiência econômica (racionalização da gestão pública).

O modelo que Cardoso aponta é denominado de “Administração Pública Gerencial” que foi preconizado por Bresser-Pereira (2003). Esse modelo teria a capacidade de racionalizar as políticas públicas diante da crise fiscal, mediante a desburocratização, descentralização e participação da sociedade. Assim, termos como parceria, planejamento, eficácia, eficiência e efetividade, dentro desse modelo, seriam conceitos chaves que reforçariam a participação da sociedade na gestão pública, sem a qual, os elementos chaves se tornariam inoperantes (CARDOSO, 2007).

Seria esse modelo uma forma intermediária entre as visões progressista e liberal? Evidentemente que não. Pois a ênfase que a visão progressista dá à participação social é diferente da que se dá no contexto do modelo de Administração Pública Gerencial que é predominantemente liberal.

Segundo Bresser-Pereira (2003) a Administração Pública Gerencial caracteriza-se pela descentralização política mediante transferência de recursos e atribuições para os níveis políticos regionais e locais; pela descentralização administrativa através da delegação de autoridade aos administradores públicos, transformados em gerentes cada vez mais autônomos; pelas organizações com poucos níveis hierárquicos; pela adoção do pressuposto da confiança limitada ao invés da desconfiança total; pelo Controle a posteriori ao invés do controle rígido, passo a passo, dos processos administrativos; e pela administração voltada para o atendimento do cidadão, e não mais auto-referida.

Nesse modelo a participação da sociedade seria como “um processo em que os indivíduos tomam parte das decisões, assumindo a co-responsabilidade pelos interesses coletivos e sendo considerados sujeitos do desenvolvimento de sua comunidade”, que vincula ao mesmo tempo, dinâmicas de gestão descentralizada, democratização política, e controle social sobre o processo administrativo local, conciliando de forma estrita aspectos gerenciais para gestão pública com participação social (CARDOSO, 2007, p. 112).

No entanto, é importante salientar que na maioria dos casos, o “cidadão participativo” é considerado como um “cliente”, em que a administração pública, seguindo uma lógica empresarial deve atendê-lo, prestando-lhes serviços com eficiência e eficácia, não importando se a gestão pública será privatizada atendendo a interesses maiores de um mercado globalizado; o importante nessa racionalidade é o foco nos resultados, onde a participação social se restringe a legitimar processos

de governança local, seja mediante o levantamento de demandas e diretrizes para o planejamento estratégico ou na mobilização de recursos para sua implementação. Nesse modelo não se permite o questionamento dos fundamentos que sustentam problemas estruturais de ordens social, econômica e política que entravam o próprio desenvolvimento da comunidade local, pois isso seria, de modo geral, “sair do foco nos resultados” e uma grande perca de tempo.

Segundo Cardoso (2007), os modelos de Administração Pública Gerencial e de estratégia de desenvolvimento local, em tese, colocariam o cidadão como sujeito da construção de alternativas mais sustentáveis para si e para a sociedade. Nessa perspectiva, seria competência do Estado em seus vários níveis de governo (federal, estadual e municipal) intervir na sociedade mediante um novo papel: o de exercer e adequar políticas nacionais, incentivar projetos de desenvolvimento local e re- equilibrar as estruturas reguladoras que migram cada vez mais do Estado para a Sociedade Civil.

Para a emergência desse novo paradigma de intervenção estatal a modificação da forma de funcionamento do Estado e de seu relacionamento com o mercado, e principalmente com a sociedade civil tornar-se-ia um pré-requisito fundamental. Nesse sentido, a grande questão não seria mais a opção entre privatizar e estatizar, e sim a reconstrução, ou estruturação, da relação entre a Sociedade Civil e as diversas macro-organizações, estatais e privadas, que de fato, dirigem a sociedade (CARDOSO, 2007).

Enfim, a análise comparativa das duas visões de poder local se confundem na emergente idéia da autonomia, que centraliza o debate em torno da possibilidade dessa esfera de poder enfrentar as regras adversas do mundo globalizado, ora criando condições de competição (na visão liberal), ora protegendo os cidadãos da interface segregadora do capitalismo global através de políticas locais redistributivas e democracia participativa (visão progressista) (KORNIN e MOURA, 2004).

Para Kornin e Moura na raiz das discussões, as duas visões envolvem uma mesma elaboração discursiva: “a possibilidade de criação de um oásis de prosperidade e desenvolvimento local, a despeito da conjuntura nacional e internacional, no qual relações sociais seriam mais verdadeiras e o consenso e solidariedade passíveis de construção” (2004, p. 19).

Nota-se, portanto, que em ambas as visões a construção de relações sociais mais verdadeiras e democráticas e a criação de um Estado competitivo convergem

para a autonomia do poder local em direcionar o seu desenvolvimento. Entretanto, não importa qual seja a visão que esteja em maior predominância e expansão no desenvolvimento do poder local no Brasil; uma coisa é certa: a participação da sociedade no processo de gestão das localidades vem ganhando força, mesmo com a incorporação de vários conceitos da administração estratégica no campo das políticas públicas e na reforma do Estado (DOWBOR, 2008).

Contudo, é importante salientar que em torno das ideologias de poder local deve-se evitar uma concepção simplista de solução universal na linha das tecnologias alternativas atreladas ao pequeno e ao comunitário; não se deve excluir a importância das macro-políticas nacionais e/ou regionais, mas sim, através da construção discursiva do poder local, dar um novo enfoque sobre a problemática do desenvolvimento. É importante se ter “um olhar sistêmico que contempla a interseção entre o local/global, global/local, rearticulando um novo compromisso social onde o crescimento econômico e a eqüidade social possam caminhar juntos”, o que seria uma das pré-condições para o desenvolvimento sustentável.

4 PRINCÍPIOS PARA ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS