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Poder político oligárquico e Estado patrimonial: as fontes institucionais da

Cada sociedade constitui uma estrutura própria e muito peculiar de poder. Este, sem dúvida alguma será definido em suas possibilidades mais gerais pela totalidade geopolítica e econômica que o envolve ou constitui. E, se assim for, o poder político no Brasil se constituiu primariamente no contexto da

expansão ultramarina ibérica, do capitalismo mercantil que propiciou e da empresa colonial.

Um poder político local constituído a partir do exterior. Legitimado por interesses forâneos - que em momento algum precisou disfarçar os seus objetivos - mas que se constitui internamente a partir de homens de carne e osso, devendo satisfação apenas a uma autoridade distante e, portanto, dotados de um poder que, em seu exercício cotidiano, fazia-se praticamente ilimitado. A autoridade política colonial constituiu-se, em princípio, como expressão acabada de uma forma peculiar de “mandonismo”. Totalmente

desobrigada diante daqueles que governava e, desconhecendo qualquer limitação à vontade pessoal daquele que se encontra investido no poder. Os que aqui desde o início exerceram o poder o fizeram como um “mandatário” de uma distante monarquia absolutista.

Mas, na medida em que se constituiu e se desenvolveu pela imensidão territorial do país, este poder foi se tornando mais complexo, desvinculado da “autoridade constituinte” e organizado sobre bases mais “concretas”: a grande propriedade rural. Desde a colônia, os senhores da terra se transformaram nos senhores do poder político e do Estado. Desde então, desenvolveram uma verdadeira “cultura política” de auto-preservação, na qual a conciliação entre os

pares (ou os “de cima”, como preferia Florestan Fernandes69) transformou-se na pedra filosofal para a manutenção de um “sistema político de natureza oligárquica”.70

O epicentro fundamental de seu poder sempre foi o controle do Estado. Um controle baseado na indiferenciação entre o público e o privado, ou, melhor dizendo, na apropriação do público pelo privado. O controle sobre o Estado viabilizou todas as composições entre facções rivais dentro do “bloco oligárquico”, evitando a sua desagregação por meio da política da “conciliação

e do “conchavo”.71

69 FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a Teoria do Autoritarismo. São Paulo: Editora

Hucitec, 1979.

70 Uma estrutura de poder político caracterizado pela formação de um grupo restrito, homogêneo, estável,

com uma boa organização interna e fortes vínculos pessoais entre seus membros. Pouco confiante na lealdade de quem a ela pertence e cauteloso na admissão de novos membros. Costuma compor-se por um conjunto de facções que governa o Estado de modo autoritário, robustecendo o Executivo, controlando o Judiciário, marginalizando ou excluindo o Parlamento, desencorajando ou eliminando a oposição.

71 Forma recorrente de composição do poder político no interior do “bloco oligárquico”. Implica a

Assegurada à capacidade de iniciativa, pelo controle quase pessoal sobre o patrimônio público, fizeram-se também portadores de “reformas cosméticas”, todas as vezes que “os de baixo” rangeram os seus dentes ou, ameaçaram desequilibrar de forma inesperada o jogo intra-oligárquico. Um certo governador de Minas Gerais (Antônio Carlos) imortalizou esta cultura com duas pérolas do bordão político da oligarquia brasileira: “é preciso mudar alguma coisa para deixar tudo como está” e “façamos a revolução antes que o povo a faça”.

Simulacro. Talvez pudéssemos descrever com esta única palavra a essência daquilo que o senso comum toma como momentos de grande e significativa mudança na vida política brasileira: a ruptura do pacto colonial; a estabilidade política do segundo Império; a extinção da escravidão; a constituição da República; a “revolução” de 30; o “Estado Novo”; a re- constitucionalização de 1946; o golpe de 1964; a “Nova República”.

A continuidade do sistema político oligárquico é notável. Dotada de uma identidade egocêntrica e megalomaníaca, a oligarquia possui como elemento básico de sua ação política o “pragmatismo”. E este se sustenta por um

princípio maior, aceito por todos, e que mantém a adesão quase incondicional do conjunto: a manutenção dos seus privilégios. Não se chocam contra os

muros da História, praticando um “ludismo senhorial” anti-tecnológico. Mesmo os coronéis mais arcaicos dos nossos grotões mais recônditos abençoam o desenvolvimento, o progresso, enfim, a “modernização”. Mas fazem-no apenas

pela metade. Levantam-se contra as transformações políticas, sociais e culturais associadas às transformações econômicas que eles desejam ou aceitam. Abortam aquilo que Florestan Fernandes72 conceituou como

“revolução dentro da ordem”.

A “modernização conservadora”, pela qual o bloco oligárquico

conseguiu costurar a manutenção de seus interesses e privilégios só pôde ser feita ao custo de um sistema político excludente e marginalizador. E que, em seus resultados mais visíveis, acabou por parir uma sociedade de deserdados, ao lado de um punhado de privilegiados. Estes, em sua opulência, identificam

tradicional, bem como, de todo “sangue novo” necessário para a manutenção do sistema. Implica sempre um “estado de compromisso” dos novos segmentos hegemônicos para com “os acordos anteriormente acertados”.

apenas a si mesmos, estando dispostos a pagar qualquer preço para a manutenção de seus privilégios (seja no campo ou nas cidades).

Isso não quer dizer que o poder oligárquico tenha sido poupado de oposição ou resistência ao longo de nossa História. Houve reações, como as rebeliões liberais (com toda a ambigüidade interna que lhes foi peculiar) que sacudiram o país entre 1817 e 1848; os movimentos populares de natureza milenarista ou messiânica como Canudos e o Contestado; a formação de um movimento anarco-sindicalista no fluxo contínuo da imigração; as “ondas” grevistas das primeiras décadas deste século; o tenentismo e a Coluna Prestes; a formação do PCB; a constituição da ANL; a “intentona”; as ligas camponesas; a resistência política ao golpe de 64; a luta armada; a descoberta de novas práticas políticas e a constituição de novos sujeitos na resistência muda dos operários do final dos anos 60 e início dos 70; as novas experiências de construção partidária e sindical do fim dos anos 80 (como a formação do PT e da CUT); a constituição de grandes movimentos populares de massas nos anos 80 e 90 (diretas-já, a deposição de Fernando Collor,); e movimentos sociais dotados de grande capacidade de mobilização - como Movimento dos Sem Terra (MST).

No movimento histórico em que o conjunto destas ações se desdobraram dialeticamente, gestaram-se novas teias de organização e resistência. Novos desejos de transformação. Novas oportunidades de ação política colocadas pelo próprio desenvolvimento das forças produtivas no país. Aos poucos, ao lado de uma sociedade de corte tradicional, foi se constituindo uma “nova sociedade civil”, de natureza “orgânica”, que passará a opor limites

cada vez mais estreitos ao jogo oligárquico. E se ele ainda se sustenta (o bloco oligárquico), é muito mais por suas “habilidades” e por sua ausência de escrúpulo, do que pela passividade dos excluídos do sistema.

Mas quais seriam os fundamentos históricos desse poder oligárquico? Há pelo menos 500 anos (portanto desde a fundação da colônia), podemos dizer que o Brasil é dominado por um mesmo “sistema político”, que se caracteriza fundamentalmente por sua capacidade para auto reproduzir-se, propiciando aos seus “condutores” uma atribuição política muito peculiar. São 72 FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987.

fundamentalmente “proprietários” do Estado e do poder. Em um processo iniciado por aqueles que, em primeiro lugar, se fizeram donatários,73 abarcar-se-

ão de donos de engenho a mineradores; senhores de escravos a refinados financistas; latifundiários interioranos a trans-urbanos industriais; de empreiteiros do Estado à elementos aburguesados das classes média e baixa

urbana; dos charlatões e exploradores da fé no varejo aos grandes impérios da mídia; dos grandes oligopólios aqui de dentro e de lá de fora. Enfim, somos dominados por um “sistema político oligárquico” que se expressa na capacidade infinita de aumentar o universo nacional de excluídos - na medida e proporção em que se amplia o clube dos “condôminos do poder”.

Nele, a característica fundamental é exatamente o predomínio do interesse particular e de grupo sobre o interesse geral. Tal característica torna- se tão evidente, que fica difícil para os detentores do poder sequer negá-la. Por isso, em estruturas de poder de natureza oligárquica, a “privatização do público” é apresentada como um exercício “natural”, ínsito a quem detém o poder. “Tendo oportunidade, quem não aproveitaria”? Indaga comumente o senso comum, marca evidente do vigor com que a ideologia destas oligarquias penetrou no imaginário popular. É esta continuidade, de um poder amparado na manutenção de “privilégios”, que acreditamos ser necessário buscar na constituição e permanência dos vários “blocos de poder” que se compuseram ao longo da História do país.

Diversas composições foram feitas, atribuindo-se um comando hegemônico em determinados momentos a uma ou outra facção. Muitas tensões se colocaram entre elas. Divisões sempre existiram, e não raras vezes se resolveram por meio do recurso às armas. Mas, de uma maneira geral, três processos se repetiram invariavelmente: 1) a participação popular nas disputas intra-oligárquicas em uma posição caudatária; 2) a composição entre as facções em conflito sempre que este ameaçou a dinâmica do poder paroquial, por meio da qual ela sempre exerceu o seu poder; 3) e, finalmente, o acerto patrimonialista entre as facções estruturantes do bloco histórico no poder, o

73 Segmento originário da oligarquia brasileira. Representantes diretos e primeiros da coroa portuguesa na

colônia. Oriundos em sua grande maioria de segmentos subalternos da “nobreza metropolitana”. Mandatários administradores das capitanias hereditárias - estrutura inicial sobre a qual se instalou a empresa colonial no país. Possuíam poder absoluto sobre “tudo o que se passava na terra” - comando militar e policial, magistratura, representação politico-administrativa etc.

que na maioria das vezes, significou um aprofundamento da pilhagem sobre o Estado, com o conseqüente esvaziamento das possibilidades de prestação e atendimento público de bens e serviços de interesse social. E, o que é mais importante, a não proposição de um efetivo “projeto de desenvolvimento nacional” - já que, ao poder de natureza oligárquica, a associação dependente aos centros mundiais de poder sempre se apresentou com maior comodidade e

menores riscos.

Portanto, o conceito de oligarquia aqui utilizado não pode ser compreendido apenas em um ou outro sentido historicamente datado, e em sua visibilidade mais evidente. Seria o caso de falarmos de uma oligarquia de senhores de escravos ou, da oligarquia cafeeira no contexto da república velha, que pretensamente teria sido destruída pelo movimento político militar de 1930. Contudo, não nos parece que tal facção ou grupo tenha sido vencida ou muito menos destruída por tal movimento, mas que simplesmente teve que se acomodar em um lugar subordinado no interior de um bloco histórico recomposto sobre a hegemonia de outras facções. Não se trata também, como é evidente, de uma oligarquia de “sangue”, na qual o jogo sucessório se dá entre gerações – ainda que eventualmente se observe algum episódio nesse sentido. Trata-se isso sim, de uma “oligarquia de interesses”, daí porque, contemporaneamente, podemos cogitar acerca de sua “atualização” (com a chegada do PT e de uma aristocracia sindical ao Poder) na forma de um “neocorporativismo”. Oligárquica, portanto, é a “cultura” que permeia e se reproduz no interior de uma estrutura paroquial de poder, mantida intacta por

todas as ondas de “modernização” que até o momento se abateram sobre o País – apenas parcialmente refreada, como explicaremos mais a frente, pela “força normativa” da Constituição de 1988.

Este sistema político de natureza oligárquica constituiu um Estado patrimonial. Esta é a chave para a compreensão da estrutura de poder vigente

no Brasil. Uma herança portuguesa. No processo de formação de seu Estado- nacional (português), estabeleceu-se a indiferenciação entre o público e o privado - o patrimônio do rei e o tesouro nacional se confundem. O Estado é o dono de tudo, não apenas do que existe, mas do que está por vir - graças a uma estrutura burocrático-legal que tudo regula. Assim sendo, qualquer atividade econômica só será possível sob sua concessão.

“A coroa criava rendas de seus bens, envolvia o patrimônio particular, manipulava o comércio para sustentar o séqüito, garantia a segurança de seu predomínio. O súdito - súdito qualificado, o nobre, já absorvido o clero nas malhas do poder supremo, e o súdito sem esporas - não paga serviços, tangíveis ou abstratos, como o contribuinte moderno. Um poderoso sócio, sócio e patrão, tosquia a melhor lã, submetia o proprietário nominal à obrigação de cuidar da ovelha. A nobreza, agarrada aos velhos privilégios, ainda se manterá no nível de companheira do soberano. Um pouco mais e ela, já cercada e com unhas embotadas, dividirá, domesticada depois de uma revolução, o segundo lugar com a burguesia. A ideologia completará a obra, vencendo as consciências e roubando à imaginação o estandarte da resistência. O Estado patrimonial, implacável nos seus passos, não respeitará os séculos... A propriedade do Rei - suas terras e seus tesouros - se confundem nos seus aspectos público e particular. Rendas e despesas se aplicam, sem discriminação normativa prévia, nos gastos de família ou em obras e serviços de utilidade geral... Tudo dependia, comércio e industria, das concessões régias, das delegações graciosas, arrendamentos onerosos, que, a qualquer momento, se poderiam substituir por empresas monárquicas. São os fermentos do mercantilismo lançados em chão fértil. Dos privilégios concedidos - para exportar e para importar - não se esquecia o príncipe de arrecadar a sua parte, numa apropriação de renda que só analogicamente se compara aos modernos tributos...Patrimonial e não feudal o mundo português, cujos ecos soam no mundo brasileiro atual, as relações entre o homem e o poder são de outra feição, bem como de outra índole a natureza da ordem econômica, ainda hoje persistente, obstinadamente persistente. Na sua falta, o soberano e o súdito não se sentem vinculados à noção de relações contratuais, que ditam limites ao príncipe e, no outro lado, asseguram o direito de resistência, se ultrapassadas as fronteiras de comando. Dominante o patrimonialismo, uma ordem burocrática, com o soberano sobreposto ao cidadão, na qualidade de chefe para funcionário, tomará expressão. Além disso, o capitalismo dirigido pelo Estado, impedindo a autonomia da empresa, ganhará substância, anulando a esfera das liberdades públicas, fundadas sobre liberdades econômicas, de livre contrato, livre concorrência, livre profissão, opostas, todas, aos monopólios e concessões reais.74

Os que recalcitraram e resistiram às suas pretensões acabaram destruídos - como os judeus, “cristãos novos” ou “marranos”, convertidos à força (no calor da inquisição) ao cristianismo. Perseguidos por longa data e, finalmente, expulsos da Península Ibérica.

Dessa forma, o Estado absolutista atribuiu aos membros da antiga nobreza senhorial as “cartas de comércio”, a partir das quais exerciam suas atividades em regime de monopólio. Na verdade, coube aos ibéricos a invenção de certo tipo de “capitalismo de Estado”,75 legitimado pela ideologia

católica, que via no lucro privado (obtido em regime de concorrência) uma ação pecaminosa.

Tal sistema foi em boa medida transposto para o Brasil. No projeto colonial, ressalvada a tributação metropolitana, o poder político e econômico dos mandatários se confunde totalmente, sobretudo, a partir da posse da terra, meio produtivo fundamental no modo de produção colonial. A evolução

histórica jamais negaria tal tendência, resistindo à passagem da colônia a “nação” e reforçando-se no contexto de nossa “república oligárquica cafeeira”. Nela, bem como no processo de industrialização pós 30, será o controle do Estado pelas facções oligárquicas dominantes que ditará o sentido e os grupos privilegiados pela acumulação de capital local. Tal regime atingiu o seu ápice com o modelo econômico imposto pela ditadura militar e resistiu habilmente à chamada abertura democrática e a sua “nova república”. Só encontrou maiores resistências e alguma disciplina, com a renovação institucional propiciada pela Constituição de 1988, pelo novo arcabouço normativo instituído para a defesa da sociedade, e novos agentes institucionais, como o Ministério Público que dela surgiu.

No entanto, nem mesmo a Constituição de 1988 foi capaz de alterar substancialmente os pressupostos dessa “cultura política”. Nela reside uma tendência quase invencível de institucionalização da desigualdade, a negação

75 Forma de organização estrutural do Estado na qual este reserva para si o monopólio legal da ação

produtora e mercantil. Pode, em determinadas circunstâncias, exercer diretamente as atividades econômicas decorrentes de seu monopólio, bem como, delegá-las a terceiros na forma de concessão - o que isenta os fornecedores e/ou prestadores de serviços privados de qualquer “infortúnio concorrencial”. Verificável até recentemente em amplos espectros do território mundial - sendo a estrutura determinante do conjunto de países pertencentes ao mundo do “socialismo real”. Adotado também de forma majoritária em países dirigidos por “oligarquias modernizadoras” – Brasil, México,Turquia, Iraque, por exemplo. Em seu sentido mais amplo (ou mais propriamente originário) podemos identificá-lo na base do Estado nacional ibérico. Este como se sabe, procurou combinar a expansão mercantil em consonância com a defesa dos “dogmas ideológicos” da igreja católica. No caso, a proibição a prática da “usura” (presente, sobretudo, na atividade concorrencial), encontra no monopólio Estatal (legitimado pela iluminação divina do monarca) sua mais importante “válvula de escape”. Por outro lado, ao concentrar em suas mãos toda a titularidade para a ação mercantil colonial, pode distribuir os créditos da expansão comercial entre os segmentos privilegiados da nobreza metropolitana - agraciados com as mais importantes concessões comerciais.

às vezes explicita, às vezes dissimulada do princípio da igualdade e do Estado de direito. Afinal, se a idéia de isonomia proíbe a lei de tratar pessoas na mesma situação de forma distinta, que se criem então duas leis, ou mais, por meio das quais, “os iguais”, se diferenciam.

Ou então, porque ainda hoje os trabalhadores do setor público devem possuir benefícios que são negados aos trabalhadores do setor privado – que pagam os seus salários? O que justifica, que servidores públicos, ambos pertencentes a carreiras de Estado, com previsão constitucional, como Defensores Públicos e Procuradores dos Estados e da União, tenham benefícios trabalhistas tão mais reduzidos do que os membros do Ministério Público e da Magistratura? Não seriam tais situações denunciadoras de um jogo ilegítimo de cumplicidades, conveniências e favorecimentos que resiste a todas as formas de modernização institucional? Da idéia de que entre os iguais, devem existir os mais iguais? Trata-se de um jogo que continua sendo jogado, em que os poderes estatais, em tese, autônomos, interdependentes e, instituídos para se controlarem reciprocamente, acabam pelo jogo das conveniências, acobertando-se mutuamente. E essa história vem de longe...

“A lei podia e pode dizer que todos são iguais, mas uns são mais iguais e, outros, menos iguais. Tanto que, as rebeliões e insurreições foram tratadas mais ou menos rigorosamente de acordo com os iguais que se insurgiam. Veja-se como trataram os menos iguais, os cabanos, os balaios, os praieiros; e as conspirações, as anistias, com que tratam os mais iguais, como os farrapos, para os quais enviaram e renovaram-se presidentes de província e generais no comando. Assim, a conciliação foi sempre minoritária, feita pelo grupo dominante entre si, com pequenas e mínimas concessões à grande maioria brasileira. Assim foi no Império, assim foi na República, na Velha e na Nova, nas quais, quando foi necessário, recorreu-se à idéia de conciliação. O poder foi sempre um círculo de ferro, onde é difícil penetrar, mas quando um ou uns são iguais do grupo minoritário que se mostram rebeldes, é possível fazer a conciliação, buscar a coexistência evitando o conflito, e fazendo à maioria as concessões mínimas indispensáveis ao êxito sempre temporário, sempre transferível para adiante, sempre realizado em tempo travado, longo, de forma lenta e gradual.”76

Esse poder oligárquico é, por sua natureza e composição, excludente. Implica uma expropriação da maioria por uma minoria. Minoria que pode até

ampliar-se, desde que haja margem de manobra para a intensificação da exploração da maioria. De fato, ao longo de nossa História, esta oligarquia veio-se expandindo por “ajuntamento”, por sedimentação. Podemos compreender a organização interna da oligarquia brasileira com base no conceito de “bloco histórico” oferecido por Gramsci.77 Aliás, as semelhanças há