• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO I – SERVIÇO SOCIAL E AMBIENTE

3. Políticas ambientais e questões urbanas

3.3 Política ambiental em Portugal

Portugal não tem verdadeiramente inscrito na sua política ambiental moderna, nenhuma das raízes do ambientalismo internacional. Quando muito percebe-se na sua curta história ambiental uma raiz conservacionista sobretudo devido aos trabalhos da Liga para a Protecção da Natureza (LPN). A LPN, fundada em 1948 e que se enquadrava de facto nos movimentos conservacionistas internacionais da época, produziria inúmeras pesquisas, bem como os primeiros inventários do património natural, que iriam estar na origem de muitas das actuais áreas protegidas. Manteve, no entanto, um perfil muito discreto ao nível da sua intervenção política e pública, tendo, nas suas três primeiras décadas de existência, uma tarefa quase estritamente científica e académica (Schmidt, 2008).

As questões ambientais tiveram, assim, um percurso muito próprio. O país chegou à política ambiental, ou, melhor dizendo, a política ambiental chegou ao país, marcada

31

sobretudo pela influência externa, primeiro de efemérides, e depois através das leis e directivas europeias e desde cedo, as medidas de política ambiental oficial chegam-nos de fora, impulsionadas por acontecimentos ou pressões externas (Soromenho Marques, 2007)

Apesar do momento crucial ser o da adesão à União Europeia (EU), já antes se podiam identificar factos e momentos em que se verificou o dito impulso externo, embora apenas a partir do governo de Marcelo Caetano, com o Ano Europeu da Conservação da Natureza, em 1970, se desencadeou a primeira Legislação da Conservação da Natureza (Lei 7/70). Esse diploma levaria, por sua vez, no ano seguinte à criação do Parque Nacional da Peneda-Gerês, marcado pela contestação abafada das populações locais e pela indiferença geral das elites nacionais (Castro Caldas, 1991).

Por outro lado, foi a necessidade de preparação da participação portuguesa na Conferência de Estocolmo que esteve na origem da Comissão Nacional do Ambiente (CNA). Esta, criada em 1971 no âmbito da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), que produziu em 1971 o primeiro “Relatório Nacional sobre os Problemas Relativos ao Ambiente” em Portugal (Schmidt, 2008).

A CNA integrava-se no conjunto de tentativas de aproximar Portugal às questões e organizações internacionais, quebrando o isolamento do país devido à política colonial.

Passado o período da revolução com as suas especificidades próprias, entre as quais, a desvalorização das questões políticas ambientais, foi de facto a adesão à União Europeia (1986), quase coincidente com o Ano Europeu do Ambiente (1987), que constituiu um marco crucial na política ambiental do país, trazendo-lhe novas exigências, reforçando-lhe a legislação e intensificando as medidas. A UE trouxe ainda claras vantagens de apoio financeiro para infra-estruturas básicas e consequente melhoria das condições de vida. Os finais dos anos 80 foram, pois, anos charneira em que se conjugaram alguns factores e acontecimentos chave para o protagonismo das questões ambientais. Ao nível legislativo destaca-se a aprovação da Lei de Bases do Ambiente (LBA), em 1987. Na sua sequência surgiram leis sobre os mais diversos problemas ambientais: gestão da poluição da água, do ar e do ruído e dos resíduos, defesa do litoral, e protecção das espécies. Entre 1987 e 1992 foram publicados quase setenta diplomas implicando directamente a gestão dos recursos naturais e a protecção do ambiente (Melo e Pimenta, 1993).

Com excepção dos primeiros instrumentos estruturantes, mas avulsos, que visavam a conservação da natureza e aprovados durante a vigência de Ribeiro Telles (1974-76;

32

1982-83), esta foi a grande fase de arranque da produção legislativa sobre ambiente em Portugal, e, embora muitos dos decretos tivessem de esperar vários anos até serem regulamentados, seria a partir das directivas europeias que todo o quadro jurídico administrativo nacional se construiria. A partir de então, o país, enquanto membro da UE, seguiria todos os tratados, protocolos e convenções, tal como as conferências que lhes deram origem (Schmidt, 2008).

Contudo, todas estas leis e directivas transpostas produziram poucos resultados efectivos face às expectativas criadas. Quando, mais tarde, os sucessivos diagnósticos foram fazendo a avaliação do impacto das políticas, leis e medidas, verifica-se que esta influência externa acabou por ter frágeis reflexos internos, não sendo suficiente para implementar e, menos ainda, para consolidar, uma politica do ambiente (Schmidt, 2007). Considerados os três eixos fundamentais que compõem uma Política Ambiental: eixo internacional, eixo cívico e eixo oficial (Dunlap, 2007), verificou-se que, se Portugal adquiriu dimensão internacional/global por via da adesão, ainda estava longe de conseguir uma dimensão cívica forte e uma estrutura administrativa oficial com autonomia e capacidade de afirmação.

A acção da UE acelerou o quadro jurídico-institucional e trouxe apoios financeiros e tecnológicos, mas internamente, foi a inércia que prevaleceu, criando-se uma espécie de resistência. Segundo Soromenho Marques (1998), as políticas ambientais foram pouco assumidas pelos decisores, mudando conforme os responsáveis do ministério, não se tendo criado linhas de continuidade em decisões cruciais. A falta de força política levou assim a que se instalasse uma espécie de consentimento tácito em relação ao incumprimento das leis ambientais. Por outro lado, uma espécie de “efeito hierárquico” que criou dificuldades ao processo de endogeneização das políticas. As medidas ambientais e de conservação da natureza foram sendo decididas e impostas de fora para dentro ou de cima para baixo (top-

down), sem uma efectiva participação e amadurecimento democrático, ou seja, sem base

social de apoio. Para o período de 2007-2013, a política ambiental nacional e comunitária é definida de forma integrada com outras políticas comuns. Procurou-se, assim, que a preocupação ambiental estivesse presente em todos os domínios, de modo a que as metas relativas ao ambiente fossem mais facilmente alcançadas (Life +). O objectivo do Life + é contribuir para a execução, a actualização e o desenvolvimento da política e da legislação ambientais da Comunidade, incluindo a sua integração noutras políticas.

33

A legislação comunitária e a nacional reflectem esta preocupação, subjacente ao Sexto Programa de Acção em Matéria Ambiental - Ambiente 2010: o nosso futuro, a nossa

escolha. A economia portuguesa no período 2008-09 foi gravemente afectada pela crise

económica e financeira mundial e entrou em recessão como consequência da desaceleração económica mundial enfrentado actualmente um período no qual a consolidação orçamental será uma das principais prioridades tendo por objectivo resolver um forte défice orçamental. O Pacto de Estabilidade e Crescimento de 2010-13 previa o fortalecimento de medidas fiscais relacionadas com o ambiente, com vista a uma melhor manutenção da sua função de incentivo e por forma a melhorar a sustentabilidade fiscal.

O desenvolvimento sustentável é, há muito, um objectivo comum às várias políticas da UE. Em 2001, os dirigentes da UE lançaram a primeira estratégia de desenvolvimento sustentável da UE, que foi posteriormente revista em 2006 para colmatar lacunas e dar resposta a novos desafios. A estratégia revista estabelece ligações estreitas com as alterações climáticas e a política energética e realça a importância da educação, da investigação e do financiamento público para se conseguir chegar a padrões de produção e consumo sustentáveis. Outros dois processos merecem também destaque a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) e o Planeamento Territorial.

Em 1969 o Congresso dos Estado Unidos da América (EUA) aprova a legislação que viria a ser a génese da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) de projectos, o National Environmental Policy Act (NEPA). O NEPA (promulgado em 1970) estipula como obrigatória a necessidade de avaliação prévia de impactos de “grandes acções da responsabilidade dos departamentos federais que possam afectar significativamente o ambiente” (Jones et al. 2005).

Em 1978 o termo “grandes acções” foi definido como incluindo regulamentações, projectos, programas, políticas, procedimentos e propostas legislativas de responsabilidade federal (CEQ, 1978).

O objectivo inicial da AIA é assegurar que aspectos ambientais sejam considerados nas decisões públicas e privadas referentes a novos projectos de desenvolvimento, incidindo inicialmente apenas sobre factores ecológicos. Na década de oitenta o contexto socioeconómico e político emergente, dinâmico e complexo, provoca a alteração do paradigma de planeamento, evoluindo-se de uma atitude passiva para uma intervenção pró- activa.

34

Em 1987 o Relatório Brundtland introduz o desenvolvimento sustentável na agenda política internacional, afirmando que o ambiente e o desenvolvimento económico não podem ser dissociados (WCED, 1987). Mais tarde, a Agenda 21 resultante da Conferência do Rio em 1992 assume a necessidade de integrar questões ambientais na decisão política sugerindo instrumentos de planeamento e avaliação de visão integrada (UNCED, 1992). Instala-se assim o contexto para o desenvolvimento de um novo instrumento de avaliação de impactes que integre os novos paradigmas de desenvolvimento sustentável e planeamento territorial. O termo Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) é usado pela primeira vez num relatório produzido pela Comissão das Comunidades Europeias em 1989 (Wood e Djeddour, 1989). Na década de noventa este termo é utilizado para referir a avaliação de políticas, planos e programas (PPP), passando a AIA a estar associada ao nível do projecto. Esta distinção vem reconhecer a necessidade de adaptar a metodologia de avaliação a objectos de carácter estratégico, adoptando critérios de sustentabilidade, prazos e escalas alargados (Partidário, 2006, Vicente, 2007).

Na Europa é desenvolvido um esforço de uniformização de políticas referentes à AIA e AAE na fase de formalização metodológica desenvolvida nos anos noventa. Em 1991 é ratificada a Convenção de Avaliação de Impactes Ambientais num Contexto Transfronteiriço, em Espoo, Finlândia (UNECE, 1991), através da qual os quarenta e seis estados signatários se comprometem a desenvolver a avaliação antecipada dos impactes ambientais de certas actividades cujos impactes possam atingir uma escala transfronteiriça. Portugal ratifica a Convenção no ano 2000. Durante a década de noventa várias metodologias são formalizadas em diferentes países e organismos internacionais. No entanto, a aplicação continua a ser muito similar à AIA. As principais abordagens metodológicas desenvolvidas têm como base (adaptado de Partidário 2006a): a prática de AIA de projectos, tornando-se a AAE um instrumento de avaliação reactiva (Holanda, Hong-Kong ou União Europeia); a prática de planeamento sectorial e de uso do solo, quer como processos paralelos e separados (Reino Unido, Suécia ou Austrália), ou em integração completa (Nova Zelândia); abordagens de análise de política, tendo a AAE evoluído como instrumento de política ambiental (ex.: Canadá e Dinamarca).

Como resultado desta evolução, reconhecem-se actualmente duas abordagens dominantes na prática internacional da AAE (Partidário 2007b): a abordagem orientada por práticas de AIA, que integra questões ambientais e sociais em políticas, planos e programas para criar melhores contextos para o desenvolvimento de projectos e a

35

abordagem de orientação estratégica, que procura assegurar perspectivas largas e de longo prazo que melhorem o desempenho e os resultados da decisão estratégica.

A prática europeia tem vindo a manifestar um esforço de distinção entre a AIA de projectos e a Avaliação Ambiental de PPP’s materializado na produção de duas directivas, uma referente à AIA, em 1985 (Directiva 85/337/CEE) e outra à Avaliação Ambiental de planos e programas, em 2001 (Directiva 2001/42/CE de 27 de Junho). A Directiva 2001/42/CE resulta da necessidade de uniformização de práticas e conceitos europeus relativos à Avaliação Ambiental de planos e programas, que procurou estabelecer condições de desenvolvimento similares no território europeu20. Esta Directiva aplica-se a “planos e programas” excluindo a avaliação ambiental de políticas e, apesar do seu objectivo principal ser “promover o desenvolvimento sustentável” (Artº 1º), o conceito de ambiente adoptado limita-se a questões dominantemente físicas, pelo que o seu texto tem sido criticado por vários autores (Partidário, 2000, Therivel, 2005, Dalal Clayton e Sadler, 2005).

Em 2003 o “Protocolo da AAE” (UNECE, 2003) assinado em Kiev, na Ucrânia, vem reforçar a Convenção de Espoo dando enfoque à escala regional e transfronteiriça dos impactes ambientais. Este documento confere mais relevância à participação pública (Art.º 8º) do que a Directiva Europeia (Stoeglehner e Wegerer, 2006) e, apesar de apenas recomendar a avaliação de planos e programas e também se refere a políticas e legislação (Artº 13º). O protocolo aprofunda a necessidade de articulação entre os processos de planeamento e AAE, destacando a flexibilidade adaptativa que a AAE deve ter em relação a diferentes processos de planeamento (Art.º 7º).

Em síntese, a Avaliação Ambiental tem registado avanços: na sua escala e objecto, evoluindo da avaliação micro de projectos (AIA) para uma avaliação mais abrangente, “centrada na dimensão política dos processos de planeamento” (Bina, 2003); no seu âmbito, acompanhando a evolução dos conceitos de ambiente e sustentabilidade, desde

20

Portugal transpõe a Directiva Europeia em 2007 com a publicação do Decreto-Lei n.º 232/2007 de 15 de Junho, mais tarde integrado na revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 316/2007 de 19 de Setembro)e que procede à adaptação do regime geral relativo à avaliação ambiental de planos e programas e à avaliação ambiental dos instrumentos de gestão territorial, incluídos no Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, que tem como objectivo introduzir nos procedimentos de elaboração e aprovação dos instrumentos de gestão territorial o procedimento de avaliação ambiental respectivo.

36

considerações meramente biofísicas, passando pela integração de preocupações sócio- económicas e culturais, até à consideração do ambiente num sentido lato incorporado no desenvolvimento sustentável. Os principais marcos a referir na evolução histórica da AAE encontram-se no quadro I.3:

Quadro I.3 – Marcos históricos na evolução AAE

Ano

1969 O NEPA é aprovado pelo Congresso americano, mandatando todas as agências federais e departamentos a considerar e avaliar os efeitos ambientais das propostas de legislação e outros projectos de grande envergadura (período de formação).

1978 O Conselho americano para a Qualidade Ambiental (USCEQ) lança regulamentos de aplicação do NEPA e requisitos específicos para a avaliação de Programas

1987 A Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento, através da declaração de Tóquio (WCED, 1987), vem reforçar a preocupação em considerar a dimensão ecológica nos processos de decisão das políticas

1989 O Banco Mundial adopta uma Directiva interna (D.O. 4.00) sobre a AIA que promove a preparação de avaliações ambientais sectoriais e regionais

1990 A Comunidade Económica Europeia lança uma primeira proposta para a Directiva sobre a Avaliação Ambiental de PPPs (período de normalização)

1991 A Convenção de Espoo sobre a AIA num Contexto Transfronteiriço promove a aplicação da Avaliação Ambiental de PPPs (Schrage, 1999)

1991 O Comité de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE adopta princípios que incentivam a análise e monitorização de impactes ambientais dos programas de assistência (OECD, 1992)

1992 O Plano de Acção das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, conhecido como Agenda 21 (UNCED, 1992), defende a integração das questões ambientais nos processos de decisão a todos os níveis

1992 O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento introduz a figura de Levantamento Ambiental como ferramenta de planeamento (UNDP, 1992)

1997 A Comissão Europeia lança uma proposta relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (CE, 1997)

2001 A Comissão Europeia aprova a Directiva comunitária 2001/42/CE relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (período de expansão)

2003 A UNECE adopta um Protocolo sobre AAE que, uma vez ratificado, compromete os signatários a desenvolver AAEs a planos e programas

Fonte: Vicente 2007 (complementado de Partidário 2000 e adaptado de Sadler, 2001)