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Capítulo 4 – Minas Gerais e Pernambuco: Uma Análise Comparativa

4.3 A política de integração

A estratégia de integrar as ações policiais pode ser considerada fundamental para o desenvolvimento exitoso de ambas as políticas de segurança pública. Entretanto, como já foi mencionado em capítulos anteriores, não foi uma tarefa fácil unir duas instituições que carregam entre si uma animosidade histórica.

“Tivemos um problema em 2005 porque os índices de criminalidade estavam sinalizando um crescimento novamente depois de 2004 apresentar uma estabilidade. O diagnóstico foi a integração não estava avançando. Os conflitos entre as polícias na negociação dos projetos de integração estavam atrasando muito a execução dos projetos” (entrevista, sociedade civil, MG).

O estado de Minas Gerais conseguiu desenvolver sua política de integração entre as polícias de maneira eficaz, em boa medida, após contornar os problemas iniciais que haviam entre essas instituições. Pernambuco, além de integrar ações de suas polícias, buscou também um maior envolvimento do Ministério Público e do Poder Judiciário, algo que não ocorrera em no estado mineiro.

“Então [a integração] foi uma coisa difícil. Não só fazer a Polícia Civil e a Polícia Militar trabalharem juntas, mas também foi um desafio fazer o Ministério Público, o Poder Judiciário porque eles são órgãos e poderes que têm as suas prerrogativas, que têm a sua posição seja conceitual, seja operacional, seja legal sob determinados fatos que muitas vezes emerge da posição adotada pelo executivo, né? Mas eu acho que o que fez a diferença também, eu falei da liderança do governador, mas não foi a única liderança desse processo. Houve lideranças importantes na Polícia Militar, na Polícia Civil, no Ministério Público, no Judiciário, na Defensoria [Pública] de pessoas que tinham alguma representatividade, que tinham voz entre seus pares e que aderiram fortemente ao programa” (entrevista, gestor, PE).

Entretanto, essa integração entre as polícias pernambucanas, o Ministério Público e o Judiciário ficaram mais na esfera normativa do PPV. Conforme observa Ratton (2015):

“Houve adesão de setores do MP e do Judiciário ao esforço de integração que o PPV produziu. No entanto, a própria natureza do trabalho do Poder Judiciário e do MP, que guarda forte compromisso com a ideia de independência funcional e o conservadorismo e a acomodação de partes expressivas destas organizações, permitem que seja dito que o PPV nunca contou efetivamente com a participação expressiva e orgânica de promotores e juízes. Ademais, faltou ao nível central do Governo Estadual a iniciativa de diálogo e pressão permanente, o que certamente não é fácil dadas as complexidades das relações, em todos os níveis do Executivo Estadual com o Ministério Público e o Tribunal de Justiça” (RATTON, 2015, p.3).

Lamentavelmente a integração que outrora fora uma das estratégias seminais para a política de segurança pública de ambos os estados, anos depois mostrou-se, em Minas Gerais, como sendo seu ponto sensível. Analisando as falas dos entrevistados naquele estado, percebi que conflitos corporativistas foram apontados como sendo o ponto fraco da manutenção dos bons resultados de da política de segurança mineira.

“As demandas corporativas tomaram conta, principalmente das elites de dos delegados, dos oficiais. O cenário nacional é outro que complicou ainda mais o processo porque cenário nacional é de exacerbação dessa disputa corporativista. Então não dá mais para recuperar o modelo de integração. Você precisa reinventar alguma outra iniciativa que faça com que as duas polícias no âmbito operacional apenas volta a trabalhar juntas” (entrevista, sociedade civil, MG).

A partir do que nos foi relatado por nossos entrevistados, a integração entre as polícias era algo inimaginável até o momento em que de fato foi colocada em prática. Foi uma ação conturbada durante todo o processo, mas que se desenvolveu e chegou a ocorrer por um bom tempo, porém nunca de forma fluida. Em Minas Gerais, como mencionei acima, o exacerbado corporativismo parece ter comprometido a política de segurança de maneira geral. As demandas passaram a ser cada vez mais exigidas, sobretudo após a redução dos indicadores de criminalidade, fazendo disso uma moeda de troca. A solidez das lideranças políticas, apontadas por nossos entrevistados como sendo o elo que unia as ações integradas das polícias, foi sendo comprometida até o momento em que ela não existia mais. Novas figuras entraram no cenário e, a esta altura, as lideranças policiais deram início a cobranças cada vez mais ligadas aos seus próprios interesses. Hoje, a integração ainda é a proposta, mas com as dificuldades de sempre e com mais desafios do que nunca. A integração entre as polícias é uma medida extraordinária, mas a impressão deixada é a de que enquanto a mentalidade egoísta continuar dominando as corporações, tal política nunca funcionará plenamente.

Em Pernambuco o tom das entrevistas foi mais ameno no que diz respeito à política de integração. As pessoas ouvidas relataram problemas no início da integração oriundos da rivalidade existente entre as instituições, mas que ao longo do processo a situação teria se normalizado. Parece-me que a integração neste estado foi mais duradoura se comparada com Minas Gerais. Ratton (2015) assinala que

“O diálogo continuado com associações de policiais civis e militares, algumas concessões e alguns acordos de longo prazo, atenuaram, no cenário pernambucano, algumas tensões que em outros estados foram acentuadas. Parte destas negociações cedeu a demandas corporativas que foram positivas no curto prazo, mas não se sabe se o serão no longo prazo” (RATTON, 2015, p.2).

Como podemos observar, Ratton menciona a manutenção contínua de um diálogo que seria responsável por atender de maneira aparentemente satisfatória a ambos os lados, fazendo com que a integração das polícias em Pernambuco se desenvolvesse. Entretanto, segundo o autor, “há queixas permanentes sobre a ingerência de setores externos às polícias em questões das próprias polícias. Quando a coordenação afrouxou as demandas corporativas cresceram e a integração caiu” (RATTON, 2015, p.9). Portanto, assim como em Minas

Gerais, a política de integração em Pernambuco tornou-se cada vez mais frágil ao longo dos anos, restando apenas um resquício daquilo que fora inicialmente planejado.