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2 MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEAS E DIASPORA HAITIANA

3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS PARA HAITIANOS

De acordo com informações disponíveis no site da Conectas Direitos Humanos12, após a crise de 2008 ocorreram novos movimentos migratórios, dentre os quais se destacam: a redução do fluxo de saída de brasileiros para o exterior; a ampliação do processo de retorno; e, a imigração tendo o Brasil como destino e trânsito. Sobre esse último movimento, que é o enfoque da presente pesquisa, apresentam-se os principais envolvidos: 1) migrantes na área do Mercosul, por meio do acordo de livre residência entre os países da região; 2) novos fluxos de imigrantes de países que não tinham a tradição de migração em direção ao Brasil como Bangladesh, Senegal, Haiti e países africanos.

12Conectas Direitos Humanos é uma organização não governamental internacional, sem fins lucrativos, fundada em setembro de 2001 em São Paulo – Brasil

Em se tratando de questões internacionais, os migrantes possuem atualmente dois instrumentos jurídicos: a Convenção da ONU para a Proteção dos Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias, de 1990; e a Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951, e seu Protocolo, de 1967. O primeiro dispõe de questões básicas para tratamento dos migrantes econômicos e membros de sua família, mas envolve países desenvolvidos e subdesenvolvidos deixando de lado os demais. Alguns países recusam-se a participar e não dão a devida atenção ao assunto. O segundo envolve os refugiados da Segunda Guerra Mundial e posteriormente, em 1967,contempla outros refugiados.

Corroborando com a discussão dos regimes internacionais, Claro afirma que

[...] apenas ao tema dos refugiados pode ser atribuído um regime específico. Pode-se concluir que não apenas a temática migratória possui normativa e princípios escassos, mas que, sobretudo, as questões migratórias tendem a permanecer sob o direito e a política domésticos dos Estados, sob a alegação de soberania e de segurança nacional a respeito de a quem é permitido entrar e permanecer no seu espaço geográfico. (CLARO, 2012, p.57)

Assim sendo, nota-se que o Estado apresenta grande liberdade para o desenvolvimento de políticas públicas relacionadas às necessidades dos migrantes, tendo em vista que a legislação internacional não trata de maneira aprofundada sobre a questão. Já os refugiados dispõem de um estatuto mais claro e abrangente.

Para além deste debate, uma questão que surge é se os haitianos enquadram- se na categoria de migrantes ou refugiados, uma vez que múltiplos são os motivos que condicionaram esse deslocamento geográfico. Para efeitos da convenção de 1990, o artigo 2º define a expressão "trabalhador migrante" como “a pessoa que vai exercer, exerce ou exerceu uma atividade remunerada num Estado de que não é nacional”. E, para efeitos da convenção de 1951, artigo 1º, o termo "refugiado" designa a pessoa que

[...] em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951, e receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar. (ONU, 1951, p.2)

Diante do exposto, e segundo o Instituto de Migrações e Direitos Humanos do Brasil (IMDH, 2015), os haitianos não se enquadram como refugiados, pois não atendem aos critérios estabelecidos na Convenção de 1951 e na Lei Nacional nº 9474/97 para serem designados como tal, em outras palavras não têm vida ameaçada, não são perseguidos e não necessitam da proteção internacional. Dessa forma, o CONARE não pode conceder os pedidos de refúgio dos haitianos no país e estes são encaminhados para o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) para que possam ter residência permanente no país, por questões humanitárias.

O Conselho Nacional de Imigração (CNIg) criou, então, a Resolução Normativa Nº 97, de 12 de janeiro de 2012, dispondo sobre a concessão do visto permanente previsto no art. 16 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, a nacionais do Haiti. Em tal documento, constam cinco artigos que estão dispostos, a seguir:

Art. 1º Ao nacional do Haiti poderá ser concedido o visto permanente previsto no art. 16 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, por razões humanitárias, condicionado ao prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 18 da mesma Lei, circunstância que constará da Cédula de Identidade do Estrangeiro.

Parágrafo único. Consideram-se razões humanitárias, para efeito desta Resolução Normativa, aquelas resultantes do agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010.

Art. 2º O visto disciplinado por esta Resolução Normativa tem caráter especial e será concedido pelo Ministério das Relações Exteriores, por intermédio da Embaixada do Brasil em Porto Príncipe.

Parágrafo único. Poderão ser concedidos até 1.200 (mil e duzentos) vistos por ano, correspondendo a uma média de 100 (cem) concessões por mês, sem prejuízo das demais modalidades de vistos previstas nas disposições legais do País.

Art. 3º Antes do término do prazo previsto no caput do art. 1º desta Resolução Normativa, o nacional do Haiti deverá comprovar sua situação laboral para fins da convalidação da permanência no Brasil e expedição de nova Cédula de Identidade de Estrangeiro, conforme legislação em vigor.

Art. 4º Esta Resolução Normativa vigorará pelo prazo de 2 (dois) anos, podendo ser prorrogado.

Art. 5º Esta Resolução Normativa entra em vigor na data de sua publicação. (BRASIL, 2012, p. 1)

Ao criar essa resolução o governo brasileiro também toma medidas para reprimir a imigração ilegal e o tráfico de pessoas pelas fronteiras, uma vez que os vistos podem ser solicitados na Embaixada do Brasil em Porto Príncipe. Além disso, o Brasil passou a conceder Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) para esses haitianos residirem e trabalharem aqui.

A Coordenação Geral de Imigração(CGIg) salienta que atualmente não há integração entre os sistemas dos órgãos e entidades que cuidam de assuntos imigratórios, as bases de dados são falhas e os sistemas ultrapassados, não permitindo a CGIg ter o controle de quantos estrangeiros realmente entraram no país e se o estrangeiro ficou mais ou menos tempo do que o prazo indicado no pedido. O sistema da CGIg trata os dados manualmente, não possuindo um sistema estatístico capaz de trazer a informação em tempo real, ou seja, a informação é publicada com defasagem de tempo. Há também dificuldade em se obter informações de outros órgãos e entidades (demora e excesso de burocracia).

Ao adquirirem o visto e a documentação, os haitianos passam a ter os mesmos direitos que os nacionais brasileiros, como acesso à saúde e à educação. Esses direitos estendem-se aos cônjuges e a demais membros da família, uma vez que a unidade familiar “é princípio-dever aplicado pelo Brasil aos imigrantes” (PACÍFICO E PINHEIRO, 2013, p.115).

Outra medida tomada posteriormente foi a criação da Resolução Normativa nº 106, de 24 de outubro de 2013. Por meio desta, o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) prorrogou por doze meses o prazo de vigência da Resolução Normativa nº 97, de 12 de janeiro de 2012 (Art. 1º).

Apesar dessas medidas, o novo e complexo quadro migratório envolve inúmeros desafios para a gestão pública brasileira. Como já mencionamos, até o momento inexiste uma política nacional para migrantes vigente, existem apenas leis, decretos, resoluções normativas, entre outros, que apresentam algumas diretrizes sobre o tema. A aprovação final da nova Lei para Migrantes trará benefícios para esses haitianos que residem no Brasil, além de benefícios para todos os migrantes que ampara. Esse já é um primeiro passo para perceber os migrantes como importantes para o desenvolvimento do Brasil e também para o desenvolvimento do país de origem, uma vez que remessas de dinheiro são enviadas mensalmente aos familiares que permaneceram.

Conforme o IMDH (2015, p.44), o atual contexto migratório nos faz refletir sobre o Direito de Migrar, mas acima de tudo “lutar para que as condições básicas de vida, de segurança e de dignidade das pessoas lhes assegurem o Direito a Não Migrar”, pois o

natural é que nasçam e queiram viver com dignidade e segurança no seu país de origem. O Instituto ressalta ainda a importância de ações pessoais e coletivas que promovam a hospitalidade e a interculturalidade com os imigrantes, de forma a combater qualquer prática preconceituosa.

As características do fluxo migratório de haitianos para o Brasil – grande número de pessoas, falta de documentação, entrada ilegal pelas fronteiras - demonstraram as deficiências, carências e desafios do país em relação à legislação migratória. Cada dia mais se percebe a necessidade de uma política migratória e de ampliar ações que promovam a inserção social, laboral, educacional, linguística, etc. dos imigrantes.

A primeira ação em prol da redução da vulnerabilidade é a emissão documentação brasileira, pois ela garante acesso aos demais direitos (IMDH, 2015). Além disso, a aprendizagem e domínio da LP é um importante instrumento para a defesa dos direitos, para o acesso a algumas liberdades e para a inserção social como um todo.

As políticas públicas restritivas aos migrantes - como as que vigoram no Brasil - favorecem o tráfico humano, a violência, a exploração e a vulnerabilidade. O rigoroso controle das fronteiras contribui para esse problema, pois os migrantes que não possuem documentação precisam buscam caminhos alternativos para a entrada. Isso favorece a ação dos “coiotes” (atravessadores) e aumenta consideravelmente o custo da viagem (IMDH, 2015). No entanto, conforme anunciamos anteriormente, o país já deu um primeiro passo para combater esses problemas, lançando o PLS 288/13, com uma política mais abrangente e justa aos migrantes.

Por fim, destaca-se a importância do trabalho coletivo, envolvendo órgãos públicos responsáveis pela formulação de políticas e sociedade civil, em busca da efetiva integração dos migrantes e refugiados. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) também pode contribuir com ações pontuais e, de modo mais amplo, identificando lacunas que dificultam o acesso aos direitos sociais e propondo avanços/adequações às políticas públicas ou aos mecanismos de acesso a elas (IMDH, 2015).

É igualmente importante a formação de redes locais e nacionais para acolhida e apoio ao migrante, envolvendo organizações que ofereçam diversas contribuições, tais

como serviços jurídicos, religiosos, educativos, saúde, oportunidades de trabalho e inserção cultural (IMDH, 2015). Diante dessas questões, a seção 3.4 objetiva apresentar o contexto da migração dos haitianos para o Paraná, bem como ações/políticas que estão sendo desenvolvidas para essa população.