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CAPÍTULO 1 – POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL E

1.5 Políticas públicas de desenvolvimento territorial rural no Brasil: o programa Territórios

A permanência da pobreza e das desigualdades regionais, setoriais, sociais e econômicas resultou em reivindicações da sociedade civil brasileira, quando o governo federal elaborou o documento “Referências para uma estratégia de Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil”, propondo uma política pública nacional para os territórios rurais, visando o desenvolvimento sustentável, entendido como aquele que:

[...] deve contemplar medidas que objetivem a melhoria contínua da qualidade de vida do conjunto da população do território, não apenas de parte dela. Portanto, é indispensável que haja uma forte articulação de políticas públicas entre si, nos diversos níveis de governo, com as iniciativas da sociedade, do setor privado dos diversos ramos de atividades (BRASIL, 2005c, p.5).

Nesse ensejo, os documentos oficiais brasileiros pontuam as principais dificuldades a serem vencidas, tais como: altos índices de analfabetismo, educação formal deficiente, dificuldade de acesso aos serviços de saúde, reduzida participação, pobreza, desemprego, exclusão social, migração, desqualificação dos serviços públicos, concentração fundiária, esgotamento dos recursos naturais, dentre outros (BRASIL, 2005c). Dessa forma, considera que:

[...] O investimento social é decisivo para que se alcancem melhores condições de vida da população. O acesso aos serviços públicos básicos é condição para que o desenvolvimento se converta em um valor tangível para as populações pobres. A universalização do acesso à educação, à saúde, ao saneamento, à moradia digna, à energia elétrica, à comunicação, ao transporte, aos direitos humanos, à proteção à criança e ao idoso, ao trabalho, são direitos que exigem investimentos públicos e privados, o empenho da sociedade e o estímulo das políticas públicas (BRASIL, 2005c, p. 22)

O governo federal, reconhecendo a extensão e diversidade do território brasileiro, e que as políticas nacionais de desenvolvimento até então vigentes contribuíram para acentuar as assimetrias entre regiões e classes sociais, viu a necessidade de políticas e ações públicas regionalizadas e territorializadas (BRASIL, 2005c). Nesse sentido, o “ordenamento” do território não deve se resumir à caracterização, localização ou a ocupação espacial de um território. O “ordenamento” deve ser entendido como:

[Um] ciclo proposto de articulação entre o Estado/Governo e a Sociedade/Instituições. É um processo de diagnóstico, “escuta” e estudos, formulação e validação, informação e capacitação, articulação com os interlocutores e implementação. Com a integral participação dos atores sociais, de tal forma que aperfeiçoamentos possam e devam ser feitos, ajustando os instrumentos às condições locais, tendo por objetivo o processo educativo, a participação social e o resultado econômico [...]. Portanto, o desenvolvimento territorial será a consequência induzida, estimulada, apoiada e esperada do ordenamento territorial (BRASIL, 2005c, p. 27-28).

Deste modo, desde o primeiro mandato as políticas públicas do governo Lula começaram a ser traçadas a partir da visão do desenvolvimento territorial, principalmente aquelas direcionadas aos muitos municípios de pequeno porte, os quais registravam os maiores percentuais de pobreza. Para o governo federal:

O desenvolvimento rural sustentável somente será possível quando a população do campo for efetivamente incluída em processos locais de desenvolvimento. Nesse sentido, foi instituído no PPA 2004-2007 o Programa Desenvolvimento

Sustentável de Territórios Rurais [programa TRs], que deverá apoiar-se no

crescimento das competências locais para que os atores sociais assumam o protagonismo dos processos que conduzem ao seu desenvolvimento, numa perspectiva multidimensional e multisetorial do desenvolvimento local. Isto implica na adoção de uma abordagem territorial do desenvolvimento, para que as eventuais

deficiências locais possam ser enfrentadas pelo esforço compartilhado, pela solidariedade e pela cooperação dentre os atores sociais e entre estes e os responsáveis pela implementação de políticas públicas (BRASIL, 2003, p. 119, grifo do autor).

Segundo Brasil (2005b), a abordagem territorial como estratégia para o desenvolvimento rural se justifica por quatro aspectos:

i) Porque o rural não se resume a um setor econômico, o agrícola, mas é definido por suas características espaciais;

ii) Porque a escala municipal é muito restrita e a escala estadual é muito ampla para representar a heterogeneidade e especificidades locais para o planejamento e organização em prol do desenvolvimento;

iii) Porque a descentralização das políticas públicas tem se ampliado;

iv) Porque o território é a unidade que melhor expressa os laços de proximidade a ser mobilizados em favor do desenvolvimento sustentável.

O governo federal definiu quatro áreas a serem impactadas nos Territórios Rurais (TRs): a) Fortalecimento da gestão social; b) Fortalecimento do capital social; c) Dinamização econômica; e d) Integração de políticas públicas. Com relação ao fortalecimento da gestão social, Brasil (2005b) entende que o desenvolvimento sustentável dos TRs depende da estratégia de concertação social, que defina as formas de utilização dos ativos regionais capazes de gerar riqueza com inclusão social. A concertação social é facilitada quando ocorre em espaços de discussão como consórcios, fóruns, conselhos, comitês, agências e organizações sociais de interesse público, numa capacidade deliberativa, normativa e gerencial. Construídos nesses espaços, os “Planos Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável” deverão apresentar os projetos de desenvolvimento territorial. Dessa forma, nessa abordagem o capital social é entendido como:

[...] o conjunto de relações (pessoais, sociais, institucionais) que podem ser mobilizadas pelas pessoas, organizações e movimentos visando a um determinado fim, o capital social tem na sua raiz processos que são, a um só tempo, baseados e geradores de confiança, reciprocidade, cooperação. Implica a habilidade de pessoas e grupos em estabelecerem relações duradouras, obter recursos financeiros, materiais, cognitivos e empreender ações com a finalidade de reduzir custos das transações por meio da associação, da administração, da compra e da venda conjuntas, do uso compartilhado de bens, da obtenção e difusão de informações (BRASIL, 2005b, p. 9).

Para Brasil (2005b) a dinamização econômica é mais do que a aplicação de recursos em um específico ramo produtivo, é o resultado do investimento público e privado em diferentes formas de organização da produção e distribuição, capaz de diminuir as diferenças entre os retornos privados e sociais. Para tanto, no espaço econômico deve haver integração

entre atividades rurais e urbanas, agrícolas e não-agrícolas, que agreguem valor aos produtos locais, diversificando-os e ampliando a competitividade, as ocupações produtivas, as oportunidades, a renda, a remuneração, os direitos, o acesso a bens e serviços e a qualidade de vida do cidadão.

Brasil (2005b) também propõe a articulação entre as políticas originadas de diferentes níveis e de diferentes estruturas governamentais (secretarias, ministérios e programas); articulações interinstitucionais do tipo horizontal e vertical.

De acordo com Brasil (2005b) a proposta de desenvolvimento territorial rural sustentável corresponde a múltiplas dimensões, tais como:

i) Dimensão Econômica: representada pela inovação e diversificação das redes produtivas, baseada nos recursos locais, capazes de gerar emprego e renda;

ii) Dimensão Sociocultural: entendida com a maior equidade social graças à participação dos cidadãos nas estruturas do poder, tendo como referência a história, os valores, a cultura e a melhoria da qualidade devida das populações;

iii) Dimensão Político-institucional: envolvendo institucionalidades que facilitam a criação de políticas territoriais negociadas, numa governabilidade democrática;

iv) Dimensão Ambiental: que considera a gestão sustentada dos recursos naturais.

Para formalizar a intervenção em prol do desenvolvimento rural sustentável, capaz de provocar transformações das condições de vida de aproximadamente 50 milhões de moradores dos 4.500 municípios brasileiros “essencialmente rurais”, em 2003 foi criado o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Ao MDA caberia jurisdicionar aspectos relativos à abordagem territorial, a partir de quatro diretrizes: i) Ampliação e fortalecimento da agricultura familiar; ii) Reforma agrária; iii) Inclusão social e combate à pobreza rural; e iv) Promoção do desenvolvimento sustentável dos TRs. Sendo assim, o MDA deveria propor um programa de desenvolvimento sustentável em âmbito nacional, e atuar associado aos demais órgãos da administração federal, estadual e municipal, e da sociedade civil (BRASIL, 2005b; BRASIL, 2005c).

Ainda em 2003 o MDA criou a Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), responsável pela promoção do desenvolvimento rural sustentável para além da produção agropecuária. Na esfera da SDT, território é definido como:

Espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população, com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam

identidade e coesão social, cultural e territorial. [Já os territórios rurais] São territórios onde os critérios multidimensionais que os caracterizam, bem como os elementos mais marcantes que facilitam a coesão social, cultural e territorial, apresentam, explícita ou implicitamente, a predominância de elementos ‘rurais’. Nesses territórios, incluem-se os espaços “urbanizados” que compreendem pequenas e médias cidades, vilas e povoados (ORTEGA, 2008, p.165-166, citando BRASIL, 2003).

Segundo a SDT, para ser caracterizado como TR deve prevalecer o ambiente natural pouco modificado, atividades agrícolas, silvicultoras e pastoril, pequena população e baixa densidade demográfica, além de hábitos e tradições culturais próprias do meio rural e economia de base primária, sem desconsiderar os encadeamentos das atividades secundárias e terciárias. Um município é classificado como rural quando possui densidade demográfica de até 80 hab/km² e população total até 50.000 habitantes; já uma microrregião geográfica é considerada rural quando possui densidade demográfica de até 80 hab/km² e população média de 50.000 habitantes por município componente (SILVA, 2012, CORREA, 2010; ORTEGA, 2008; BRASIL, 2005c).

De acordo com o governo federal, para uma microrregião rural participar do programa TRs deve estar em conformidade com os seguintes critérios: apresentar elementos de coesão social e territorial, baixo dinamismo, pobreza e concentração do público prioritário (agricultores familiares, famílias assentadas pela reforma agrária, agricultores beneficiários do reordenamento agrário, famílias assentadas). A escolha dos TRs é realizada após consultas à sociedade civil e ao Governo Estadual, quando aprovados pelos Conselhos Estaduais e pelo Conselho Nacional (BRASIL, 2005b).

Os TRs passaram a ser coordenados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural, Reforma Agrária e Agricultura Familiar (CONDRAF)8. O CONDRAF9, instituído pela SDT, tornou-se um conselho paritário, constituído por dezenove representantes de movimentos sociais e dezenove representantes do poder público. Então, esse conselho deveria constituir um espaço de debate entre representantes dos diferentes níveis de governo e organizações da sociedade civil. Em 2004 o CONDRAF10 designou que os recursos da linha Infraestrutura e Serviços do PRONAF fossem destinados a apoiar o desenvolvimento dos TRs (ORTEGA, 2013; SILVA, 2012; CORRÊA, 2010; ORTEGA, 2008; BRASIL, 2003).

Dessa forma, por meio da instituição da SDT, o governo federal criou ações relacionadas à promoção e apoio às iniciativas capazes de facilitar a melhoria dos níveis de

8 Instituído pelo Decreto no 4.854 de 8 de outubro de 2003, da Casa Civil.

9 Nesse período, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) foi transformado no

CONDRAF (SILVA, 2012; CORRÊA, 2010; ORTEGA, 2008).

qualidade de vida da população rural, colaborando para a redução da pobreza, exclusão social e desigualdades sociais e regionais. Assim, à SDT cabe promover a infraestrutura e serviços, capacitação, apoio às associações e cooperativas e apoio a negócios diversos; também é de sua responsabilidade indicar, organizar e planejar os TRs, conjuntamente com as demandas das populações territoriais e organizações da sociedade civil, fortalecendo a rede nacional de órgãos colegiados (Conselho Nacional, Estaduais e Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável) (BRASIL, 2005b).

Portanto, a missão da SDT é ampliar as capacidades humanas e institucionais, auxiliar a organização e o fortalecimento da gestão participativa, contribuir para a integração e articulação entre o governo e a sociedade civil e promover a implementação de políticas públicas. A SDT passou a atuar nas seguintes áreas: i) Realização de estudos, análises e capacitação; ii) Animação de redes; iii) Apoio e supervisão técnica dos planos territoriais; iv) Articulação e negociação das ações governamentais; iv) Planejamento, acompanhamento e avaliação das ações; e vi) Apoio ao CONDRAF. Enfim, a SDT tornou-se responsável por identificar as demandas sociais, traçar os critérios da ação pública, guiar a estratégia de desenvolvimento e avaliar os resultados das políticas (SILVA, 2012; ORTEGA, 2008).

Assim, em 2003, foram homologados vinte Conselhos Estaduais e quarenta TRs (em 800 municípios). Em 2004 foram agregados mais cinquenta TRs, perfazendo aproximadamente 1.500 municípios de todas as Unidades da Federação (BRASIL, 2005b). Cada TR passou a representar um projeto de desenvolvimento territorial, identificado e elaborado a partir de acordos municipais e de identidades regionais. Seguindo esses critérios, em 2006, 44,93% dos municípios (2.500), 56,02% da população rural, 58,45% dos agricultores familiares, 73,27% de famílias assentadas, 71,32% de quilombolas, 56,27% de área indígena, 43,5% de beneficiados do Programa Bolsa Família (PBF), 66,9% municípios baixa renda11 foram reunidos em 164 TRs (ORTEGA, 2013; ORTEGA, 2008).

Todavia, o programa TRs não foi capaz de superar a visão setorial, pois entre 2003 e 2006, dos projetos financiados 44,8% foram de cunho agropecuário, enquanto somente 13,5% destinados às agroindústrias e apenas 1,37% relacionados às atividades não-agropecuárias; do total, 35,5% estiveram voltados à capacitação e 3,9% às atividades culturais e de infraestrutura. Ademais, o percentual de municípios dinâmicos12 atendidos (72,95%) é muito

11 Municípios de Baixa Renda: baixa renda dos domicílios e baixo dinamismo econômico municipal.

12 Município Dinâmico: renda média e baixa dos domicílios, porém com dinâmica econômica municipal

superior ao percentual dos municípios estagnados13 (41,87%) contemplados pelo programa TRs (ORTEGA, 2013; ORTEGA, 2008).

Segundo Silva (2012), a falta de articulação das ações e programas ministeriais também prejudicou a consolidação dos TRs. Para Brasil (2005a, p. 9-10):

É preciso considerar finalmente que, para dar conta das necessidades dos territórios, esse leque de políticas e instrumentos sob coordenação da SDT e mesmo o conjunto mais amplo sob responsabilidade do próprio MDA, embora cubram um razoável leque de demandas, estão longe de ser o suficiente. Há todo um conjunto de recursos e de programas sob alçada de outras estruturas de governo que precisam igualmente ser mobilizados e postos a serviço desses territórios. Este é o caso, sobretudo, das políticas de educação e saúde, das políticas de proteção social e de transferência de renda, mas também de investimentos em infraestrutura e tecnologia, ou de políticas ambientais. Isto apenas no âmbito federal, sem falar na igualmente necessária integração entre os três níveis de governo.

De acordo com Ortega (2008) o programa TRs não obteve mais sucesso porque enfrentou as seguintes dificuldades:

i) Limitada capacitação para diagnosticar, formular e administrar projetos; ii) Oligarquias políticas, que limitaram a construção de um pacto territorial; iii) Significativa carência de infraestrutura básica;

iv) Limitada articulação em arranjos horizontais e verticais; v) Desconsideração do ambiente macroeconômico;

vi) Desconsideração das políticas nacionais;

vii) Desconsideração da história e da inserção dos TRs na ordem capitalista; viii) Seleção de municípios por imposição;

ix) Rivalidade política entre municípios; x) Reduzido capital social.

Para Favareto (2010), logo no primeiro mandato do presidente Lula a polít ica territorial foi fortalecida com a criação da SDT. Em sua fase inicial os Colegiados Territoriais avançaram quando comparados aos CMDRS da década de 1990, pois reduziram a “prefeiturização”, tornaram as articulações de caráter intermunicipal, instituíram o controle social das políticas de desenvolvimento e possibilitaram a disseminação da abordagem territorial. Todavia, também apresentam limites: não promoviam o diálogo que considerasse prioritariamente as dinâmicas locais e a diversidade de atores das regiões rurais e se limitaram a elaborar e gerir projetos do PROINF14. Ademais, a estrutura de governo e a forma de

13 Município Estagnado: renda média dos domicílios, porém com baixo dinamismo econômico municipal. 14 O PROINF substituiu o PRONAF Infraestrutura.

operacionalização dos programas dificultavam a realização de ações consistentes e eficientes em prol do desenvolvimento territorial rural.

1.6 Políticas públicas de desenvolvimento territorial rural no Brasil: o programa