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PONDERAÇÃO, LITERALIDADE CONSTITUCIONAL E NORMAS PROCESSUAIS

2. PROTEÇÃO INTEGRAL DO MEIO AMBIENTE E A JURISPRUDÊNCIA DO

2.1 PONDERAÇÃO, LITERALIDADE CONSTITUCIONAL E NORMAS PROCESSUAIS

BIOMA MATA ATLÂNTICA (ADI 487 MC/DF - 09/05/1991)

A Confederação Nacional da Indústria – CNI ajuizou ADI, com medida cautelar,

contra o Decreto Federal 99.547, de 25/09/1990, que proibiu, por prazo indeterminado, o corte

e a exploração de vegetação nativa no bioma Mata Atlântica.

A tese central defendida foi a violação do art. 225, §4º, da Constituição, o qual,

remetendo a utilização dos biomas componentes do patrimônio nacional à forma da lei

(i. e., ato normativo emanado do Congresso Nacional), não admitiria a disciplina da matéria

por decreto (i.e., ato normativo oriundo do Executivo)

134

.

A proposta de voto do Relator, Min. Octavio Galloti, que saiu vencida, foi no sentido de

que o decreto impugnado, pretendendo retirar seu fundamento de validade diretamente do art. 225,

§4º, da Constituição, não poderia se substituir ao Legislativo enquanto seu destinatário

135

.

Abrindo divergência, o Min. Marco Aurélio, analisando a conveniência da medida

cautelar requerida para suspensão liminar do decreto sob o critério da urgência, compreendeu

que, no contraste entre interesses da “sociedade como um todo” e de “algumas indústrias que

exploram a Mata”, deveriam prevalecer aqueles

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.

134 “Estaria, ainda, o ato, a violar o inciso XXII do art. 5º da Constituição, "impondo uma interdição de uso que suprime da propriedade imobiliária sua essência econômica, sem qualquer indenização" (fls. 4), o que equivaleria a inaugurar no Direito Pátrio o instituto do confisco" (fls. 5)”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 487 MC/DF. Relator(a): Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/1991, Relatório, p. 55).

135 “Penso que não caberia ingressar aqui na discussão referente à legitimidade, no direito brasileiro, da expedição do regulamento autônomo, ou da possibilidade de vir o decreto a regular diretamente a Constituição. Na espécie em julgamento, a reserva legal (lei em sentido formal), especificamente exigida pela Constituição (art. 225, § 4º), parece fazer saltar, aos olhos, a impossibilidade de cercear radicalmente, por meio de simples decreto, a atividade cuja forma de limitação a Carta determinou fosse, por lei, estabelecida. (...) Da Constituição, não se pode diretamente extrair, e à revelia da forma nela prescrita (elaboração de lei, em sentido formal), a proibição imposta pelo art. 1º do Decreto nº 99.547-90, não efetivamente pela Lei Fundamental, a merecer no ponto ora examinado, o seguinte comentário do Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA: “O art. 225, § 4º, declara patrimônio nacional a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal , Mato-Grossense e a Zona Costeira, não para torná-las estaticamente preservadas; ao contrário, sua utilização econômica, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais, e admissível, na forma da lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente". ("Curso de Direito Constitucional Positivo", Sa. ed, "Revista dos Tribunais", 1989, pág. 707). (...) Defiro, em parte, a medida cautelar para suspender a vigência do art. 1º do Decreto nº 99.547, de 25 de setembro de 1990”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

ADI 487 MC/DF... Op. cit., Voto Min. Octavio Galloti, p. 58-59).

136 “Na parte alusiva à conveniência, potencializando, aí, o periculum in mora, vejo-a de uma forma mais abrangente: considerado o social, considerados os interesses da sociedade como um todo, e não interesses isolados e momentâneos de algumas indústrias que exploram a Mata e que pretendem, portanto, ver afastado o óbice a uma

O Min. Carlos Velloso, por sua vez, se inclinou pelo não conhecimento da ação,

argumentando que a matéria em discussão seria infraconstitucional (análise de eventual

excesso do decreto frente aos limites dados pela lei – Código Florestal de 1965 então vigente

– ao Executivo)

137

. A preliminar, contudo, foi rejeitada pela maioria do colegiado.

Destacando o caráter fascinante e extremamente complexo da questão posta, o Min.

Sepúlveda Pertence também vislumbrou em disputa “a proteção do patrimônio ecológico

nacional” e os “interesses privados”, razão pela qual, sob o ângulo do juízo liminar que se

exercia naquela oportunidade, acompanhou a divergência do Min. Marco Aurélio

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.

Já o Min. Paulo Brossard, reconhecendo “discrepar das normas processualísticas

tradicionais” e que adotava “razões não muito jurídicas”, se reportou à devastação das

florestas, que antes cobriam grande parte do território nacional, para indeferir a cautelar.

Fazendo referências aos parcos remanescentes de cobertura florestal nos Estados do

Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo, no Nordeste e no Norte,

preferiu confiar na celeridade da Corte em julgar o mérito da ação ao invés de conceder um

provimento liminar que, a seu ver, poderia fazer com que, até lá, “não reste mais árvore, porque

a capacidade devastadora das serras é fantástica”

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.

só penada, mediante a concessão de liminar, e aí a utilização se faria via corte das árvores existentes. (...) Portanto, peço vênia ao nobre Ministro-Relator para, no caso, seguindo inclusive o pronunciamento do Ministério Público Federal, indeferir a liminar pleiteada”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 487 MC/DF... Op.

cit., Voto Min. Marco Aurélio, p. 60).

137 “A ação direta de inconstitucionalidade é reservada para os atos normativos que violam a Constituição; decreto que vai além da lei não é inconstitucional e sim ilegal. As questões que disso decorrem deverão ser resolvidas no âmbito das ações próprias. Se o decreto viola direito individual, aqueles que tiverem violado o seu direito individual deverão procurar a tutela jurisdicional através das medidas judiciais próprias. Não é caso, pois, de ação direta de inconstitucionalidade. Assim, peço vênia ao Sr. Ministro-Relator para não conhecer da ação”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 487 MC/DF... Op. cit., Voto Min. Carlos Velloso, p. 61).

138 “Aqui, entre a proteção do patrimônio ecológico nacional (permitam-se a alegoria...) e os respeitáveis interesses privados, referidos na inicial, em termos de medida liminar, não tenho dúvidas, fico com o primeiro. Pedindo vênia ao eminente Relator e ao Ministro Carlos Velloso, indefiro a liminar, acompanhando o eminente Ministro Marco Aurélio”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 487 MC/DF... Op. cit., Voto Min. Sepúlveda Pertence, p. 71).

139 “O território nacional foi coberto, em grande parte, por florestas, e hoje em grande parte está devastado. No meu Estado, o Rio Grande do Sul, uma terça parte do território era coberto por florestas, especialmente a região norte. Hoje, creio que com algum otimismo se poderá dizer que a cobertura vegetal está reduzida a 2%. O Estado de Santa Catarina, o oeste catarinense, especialmente, a metade para dentro do continente era uma floresta só. Hoje, a rarefação vegetal é a regra. O oeste do Estado do Paraná, não faz muito tempo, era coberto por florestas. Hoje, andei por lá, vi com os meus olhos: no oeste do Paraná, Sr. Presidente, se V. Exa. precisar de um pinheiro para remédio, talvez tenha dificuldade de conseguir. Em relação ao Estado de são Paulo, pode-se dizer a mesma coisa. Creio que no Estado de São Paulo a área com cobertura vegetal era bem superior à do Rio Grande do Sul. Hoje, está reduzida a frações infinitesimais. Temos aí um pedaço do Brasil. (...). Não vou fazer uma digressão geográfica, Sr. Presidente, mas fui até São Paulo, e para não dizer que fico olhando apenas para o sul, gostaria de lembrar que o nordeste brasileiro também teve florestas, e que as suas áreas, hoje desertificadas, cobertas por espécimes vegetais da maior riqueza. Onde foram feitos os mais famosos móveis do Brasil, móveis de jacarandá? Em Pernambuco, na Bahia. Hoje, não se encontram nem por encomenda. Pois bem, era a madeira comum dos móveis. (...) Bom, Sr. Presidente, estou discrepando das normas processualísticas tradicionais, mas tudo isto é para

A dimensão do dilema enfrentado também foi destacada no voto do Min. Célio Borja,

no qual se disse surpreso, “feliz ou infelizmente”, ao que pareceu ser a “interpretação possível

da questão” que desafiava naquele momento. Para ele, se o critério de análise fosse a denúncia

feita pelo Min. Paulo Brossard em relação à depredação da floresta brasileira e aos elementos

naturais correlatos, não haveria como ser deferida a cautelar. Todavia, como vislumbrou

existir atribuição constitucional expressa de competência legislativa para disciplina da matéria

(i.e., via lei formal), preceito do qual o Estado de Direito brasileiro não poderia se afastar,

acompanhou o Relator

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.

O Min. Néri da Silveira, lembrando o “conteúdo mais largo, também de índole

política”, incidente na análise do requisito processual da urgência, negou o pedido sob

fundamento de que eventuais madeireiras que se sentissem prejudicadas poderiam, nas vias

ordinárias, diante de cada situação concreta, eventualmente impugnar a validade do decreto

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.

dizer que a mim parece que não faz mal, rejeitar a cautelar até o julgamento da ação. O que me impressiona, no art. 1º desse Decreto, é ser por tempo indeterminada a proibição, mas espero que o julgamento da ação não seja por tempo indeterminado, e, nesse caso, tenhamos tempo para melhor examinar e pensar no assunto. Assim, peço vênia ao eminente Relator e aos que o seguiram para indeferir a cautelar, embora não simpatize com a redação do art. 1º do Decreto e tenha ele me causado certa repugnância. Mas como creio que esta ação será julgada "em tempo útil", indefiro a cautelar, até porque, Sr. Presidente, temo que, concedida, quando chegarmos a julgar a ação, não reste mais árvore, porque a capacidade devastadora das serras é fantástica. (...) De modo que, Sr. Presidente, por estas razões não muito jurídicas mas acho que muito realistas, peço licença para indeferir a cautelar. Estou certo de que estamos julgando uma questão de real importância para o país”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 487 MC/DF... Op. cit., Voto Min. Paulo Brossard, p. 72-76).

140 “O que me atrai na colocação feita pelo Sr. Ministro Paulo Brossard é, Sr. Presidente, a justeza dos conceitos com relação à depredação da floresta brasileira e desses elementos naturais que são próprios da nossa terra. Se tivesse que votar por esse critério, não teria dúvida alguma, mas fico atento a uma outra circunstância: aqui, a competência para proteger, para baixar normas tutelares dessas áreas, foi dada pela Constituição ao legislador; as normas que vierem a presidir a exploração do conjunto florestal dessas regiões, mencionadas na Constituição, deverão ser normas de lei. Observo, também, que não ficam essas áreas totalmente desprotegidas, primeiro porque existe uma autoridade administrativa capaz de por cobro ao abuso com o poder de polícia que, a meu ver, está bastante elastecido pelo que diz o § 4º da Constituição, e pelo que diz o art. 225 em todas as suas proposições. De outro lado -- como bem acentuou o Ministro OCTAVIO GALLOTTI -- foi recebido pela nova ordem constitucional o Código Florestal, que, de alguma forma, estabelece regras de manejo das florestas e da cobertura florestal vegetal do nosso território. O que não podemos fazer -- e cada vez me convenço mais disso – é, em nome de uma certa utilidade social, esquecer os cânones, as regras, os princípios, que presidem a organização do Estado e a vida da sociedade. Ou damos primazia ao direito e exigimos que as autoridades cumpram o seu dever dentro da lei e dentro da Constituição, ou realmente penso que não saberia bem o que estaria fazendo aqui. Portanto, Sr. Presidente, sem embargo de estar absolutamente seduzido pela tese da necessidade premente, imediata, urgente de dar proteção a cobertura florestal brasileira, especialmente nessas áreas, acompanho o eminente Ministro Relator”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 487 MC/DF... Op. cit., Voto Min. Célio Borja, p. 78). 141 “Pela jurisprudência da Corte, tem se verificado, nesses casos, a ocorrência de dois pressupostos: de um lado, a relevância jurídica dos fundamentos do pedido de suspensão, e, de outra parte, o "periculum in mora". Em matéria de ação de inconstitucionalidade, o STF não tem ficado preso à conceituação desse último pressuposto de índole processual, mas o tem examinado segundo um conteúdo mais largo, também de índole política, no sentido da sua conveniência, ou não, do deferimento da medida cautelar. (...) Dentro do caráter abstrato e amplíssimo da decisão na ação direta de inconstitucionalidade, sempre se teve a concessão da liminar como uma medida excepcional. No caso, compreendo que se está diante de hipótese em que a não concessão da liminar não criará para um eventual interessado em exploração madeireira, por exemplo, que se legitime a impossibilidade de ele, por medida judicial adequada, obter aquilo que resultaria da suspensão, desde logo, dos efeitos desse Decreto. Com tais brevíssimas

Também se alinhando à divergência, o Min. Moreira Alves entendeu presente risco de

dano irreparável em caso de concessão da liminar, frente à potencial “impossibilidade de

recomposição da mata nativa”

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.

O Min. Sidney Sanches, finalmente, em seu voto, chamou de “opção pelo mal menor”

a decisão de indeferimento da cautelar, na medida em que não seriam as madeireiras

eventualmente prejudicadas impedidas de buscar as vias jurisdicionais próprias até o

julgamento final do mérito da ADI

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2.2 REGIME JUSFUNDAMENTAL: DESAPROPRIAÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA NO