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REGIME JUSFUNDAMENTAL: DESAPROPRIAÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA

2. PROTEÇÃO INTEGRAL DO MEIO AMBIENTE E A JURISPRUDÊNCIA DO

2.2 REGIME JUSFUNDAMENTAL: DESAPROPRIAÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA

O caso tratou de mando de segurança individual impetrado por pessoa física contra o

Decreto Federal de 11/11/1994, editado pelo Presidente da República e pelo Ministro da

Reforma Agrária, que definiu determinado imóvel rural localizado no Município de Santo

Antônio de Leverger/MT como área prioritária e de interesse social para desenvolvimento de

atividades econômicas no contexto da reforma agrária.

Apesar do aspecto a princípio singelo e objetivo da causa de pedir central da demanda

(“ausência de notificação do impetrante para exercício do contraditório e da ampla defesa”),

a qual inclusive bastou para a concessão da segurança por unanimidade de votos, o Relator,

Min. Celso de Mello, ainda assim se debruçou com profundidade sobre o segundo fundamento

da impetração: inexpropriabilidade do imóvel “pelo fato de ele situar-se em área localizada no

Pantanal Mato-Grossense”.

A tese assessória era no sentido de que, sendo o Pantanal Mato-Grossense um dos

biomas integrantes do patrimônio nacional (CF, art. 225, §1º, VII, e § 4º), eventual

desapropriação de imóvel nele localizado para fins de reforma agrária seria inconstitucional,

pois o ato expropriatório teria como resultado a inevitável exposição de uma área com alta

sensibilidade e interesse ecológicos ao risco de atividades com potencial lesivo ao meio ambiente.

considerações, acompanho o voto do Sr. Ministro Marco Aurélio, indeferindo a liminar”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 487 MC/DF... Op. cit., Voto Min. Néri da Silveira, p. 78-79).

142 “Sr. Presidente, no caso não há "periculum in mora" ou conveniência para a concessão da liminar. Ao contrário, se for ela concedida, a concessão haverá dano irreparável, pela impossibilidade de recomposição de mata nativa. Assim, e com a devida vênia dos que acompanho o eminente Ministro MARCO AURÉLIO, que indefere a cautelar requerida”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 487 MC/DF... Op. cit., Voto Min. Moreira Alves, p. 81). 143 “Pelo menos, faço opção pelo mal menor, até porque, como disse o Sr. Ministro Néri da Silveira, às madeireiras, às empresas que se sentirem prejudicadas com o decreto, sempre restará a via própria para defesa de seu eventual direito. Por isso, peço vênia para indeferir a cautelar”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 487

Refutando-a, o Relator registrou inicialmente que o art. 225 da Constituição

consagraria o princípio do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como “uma

das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas”, sendo

tipicamente de terceira geração e subjetivamente indeterminado, voltado à prevenção de

conflitos intergeracionais passíveis de advir da violação do dever de solidariedade na sua

proteção integral

144

.

Conforme o pensamento do Relator, inspirado em Paulo Bonavides, do contexto da

reflexão sobre os direitos humanos emergiria a ideia de proteção integral dos recursos naturais,

no âmbito do qual temas relacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente também teriam

passado a ser considerados relevantes na pauta internacional de instrumentos jurídicos de

concretização dos direitos fundamentais

145

.

A ideia de um “direito à integridade do meio ambiente”, assumida como um valor e,

em enunciação teórica, consubstanciando um princípio jurídico voltado à disciplina normativa

de situações concretas da vida em sociedade, faria surgir uma prerrogativa de titularidade

coletiva, passível de ser exercida subjetivamente por qualquer pessoa (física ou jurídica,

nacional ou estrangeira) em face de outra ou dos próprios poderes instituídos

146

. Esse princípio

144 “Os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Politica traduzem a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas. Essa prerrogativa consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se, consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RE 134.297-SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), de um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação - que incumbe ao Estado e à própria coletividade - de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e das futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MS 22.164/SP, Relator Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 30/10/1995, Voto Min. Celso de Mello, p. 18-19).

145 “Cumpre ter presente, bem por isso, a precisa lição ministrada por PAULO BONAVIDES ("Curso de Direito Constitucional", p. 481, item n. 5, 4ª ed., 1993, Malheiros), verbis: "Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. (...) A preocupação com a preservação do meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor de gerações futuras - tem constituído objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MS

22.164/SP... Op. cit., Voto Min. Celso de Mello, p. 19-21).

146 “Na realidade, o direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído,

se comportaria como um princípio-direito, dotado em si de carga material e eficácia imediata

para justificar medidas como, por exemplo, a desapropriação-sanção nos casos de inobservância

à função social da propriedade

147

.

O julgado reconheceu, então, a possibilidade de intervenção estatal na esfera dominial

privada para se compelir o titular à adequada utilização dos recursos naturais e à preservação

do equilíbrio ecológico. Sanções como a desapropriação seriam, nessa perspectiva, um dos

instrumentos disponíveis no ordenamento para se dar maior efetividade aos direitos e interesses

que visa tutelar.

A hipótese de impossibilidade de desapropriação de imóvel inserido no bioma do

Pantanal Mato-Grossense, por contraste ao art. 225, §4º, da Constituição, foi descartada, sob

entendimento de que o texto maior não proíbe a utilização de recursos naturais nos chamados

espaços especialmente protegidos. Observadas condições que assegurem a preservação

ambiental, na forma da lei, seria constitucionalmente viável a realização de atividades

econômicas em tais locais, inclusive projetos de reforma agrária

148

.

O princípio da defesa da integridade do meio ambiente foi posicionado pela Suprema

Corte, então, como um elemento de salvaguarda do sistema, que poderia ser invocado em

qualquer situação concreta para “justificar reação estatal” consistente até mesmo em medidas

restritivas de direitos fundamentais individuais, como a propriedade

149

.

não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social, o reconhecimento desse direito de titularidade coletiva, como o é o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, constitui uma realidade a que não mais se mostram alheios ou insensíveis, como precedentemente enfatizado, os ordenamentos positivos consagrados pelos sistemas jurídicos nacionais e as formulações normativas proclamadas no plano internacional”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

MS 22.164/SP... Op. cit., Voto Min. Celso de Mello, p. 22).

147 “A defesa da integridade do meio ambiente, quando venha este a constituir objeto de atividade predatória, pode justificar reação estatal veiculadora de medidas como a desapropriação-sanção que atinjam o próprio direito de propriedade, pois o imóvel rural que não se ajuste, em seu processo de exploração econômica, aos fins elencados no art. 186 da Constituição claramente descumpre o princípio da função social inerente à propriedade, legitimando, desse modo, nos termos do art. 184 c/c o art. 186, II, da Carta Política, a edição de decreto presidencial consubstanciador de declaração expropriatória para fins de reforma agrária”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MS 22.164/SP... Op. cit., Voto Min. Celso de Mello, p. 24).

148 “É certo que o Pantanal Mato-Grossense - área em que situado o imóvel do impetrante - constitui patrimônio nacional, devendo a sua utilização fazer-se, na forma da lei - consoante prescreve o art. 225, § da Carta Política - dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, notadamente quanto ao uso dos recursos naturais, sob pena de descaracterização, para os efeitos já referidos, da função social da propriedade. Isso significa que o próprio ordenamento constitucional reconhece a possibilidade de serem desenvolvidas atividades de caráter econômico nas áreas qualificadas como integrantes do patrimônio nacional (CF, art. 225, § 4º). Essa norma não inibe, em conseqüência, inclusive para efeito de execução de projetos de reforma agrária, a utilização dos imóveis rurais situados no Pantanal Mato-Grossense, desde que sejam respeitadas as condições impostas pela lei como necessárias à preservação do meio ambiente”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MS 22.164/SP...

Op. cit., Voto Min. Celso de Mello, p. 23).

149 “A defesa da integridade do meio ambiente, quando venha este a constituir objeto de atividade predatória, pode justificar reação estatal veiculadora de medidas como a desapropriação-sanção que atinjam o próprio direito de

2.3 REGIME JUSFUNDAMENTAL E INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA: