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ponderações a partir da inspeção extraordinária de 1863-1866

Elenice de Souza Lodron Zuin, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil, elenicezuin@gmail.com

Introdução

Reportar-nos-emos a outros tempos. Tempos de alqueires, almudes, libras, varas e canadas que devem ser silenciados no fundo dos baús para que floresçam soberanos metros, litros e quilogramas. Tempos em que a Aritmética escolar passa por alterações, os professores necessitam assimilar novos saberes para levá-los aos seus discípulos. Lugares e tempos: escolas primárias de Portugal, segunda metade da centúria de Oitocentos.

É orbitando espaços e tempos distantes, que discorreremos sobre a inserção do sistema métrico decimal aos saberes pedagógicos em terras portuguesas, de confluências e dissensos, advindos de nossas investigações sobre este tema.

A escolarização do sistema métrico se constitui em um tema de grande relevância para a Educação Matemática e para a História da Educação, não só por sua integração aos programas escolares, mas por promover também a valorização de outros conteúdos que são pré-requisitos fundamentais para a apreensão e resolução de problemas relativos às medidas francesas estabelecidos no final do século XVIII. O marco teórico geral deste estudo se apoia na História das Disciplinas Escolares (Chervel, 1990).

Como principais fontes primárias, foram utilizadas as fichas- inquérito e os relatórios dos inspetores, referentes à inspeção

142Este artigo tem origem em um trabalho apresentado, em 2006, no V Congresso

Luso-Brasileiro de História da Educação, o qual foi revisto e ampliado para se constituir

em um dos capítulos deste livro. Este trabalho foi desenvolvido com o apoio do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – entidade do Governo brasileiro.

extraordinária às escolas primárias iniciadas em 1863, encontradas no Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, em Lisboa, o relatório publicado por Mariano Ghira, referente à inspeção dos estabelecimentos de ensino do distrito de Lisboa, além de documentos do Arquivo Histórico das Obras Públicas. Foram também analisados a legislação e os manuais adotados pelos professores, os quais permitiram algumas inferências sobre as metodologias utilizadas nas escolas.

Uma vez que o sistema métrico deveria ser agregado aos programas, os professores necessitavam de novos manuais; os cursos e as instituições de formação inicial deveriam alterar seus programas de Aritmética para atender às demandas. Para a apreensão do novo saber, seriam imprescindíveis alguns pré- requisitos como as frações e números decimais e as operações sobre os mesmos. Para estes pontos específicos, recorremos a Chervel (1990) ao destacar que uma disciplina escolar é definida como um conjunto conexo entre objetivos, conteúdos, métodos e práticas. Determinados conhecimentos se transferem para o interior das instituições educativas convertendo-se em saberes “propriamente escolares”. Este é o caso do sistema métrico decimal, que tem, em torno de si, objetivos, conteúdos específicos, métodos e práticas. Estes seriam definidos pelos autores dos livros em um primeiro momento. Os manuais pedagógicos participam e interferem na produção de uma cultura escolar (Choppin, 2000). As autoridades escolares tinham a expectativa de que os livros pudessem conduzir os novos “conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas” que permitissem “a transmissão desses conhecimentos e sua incorporação” (Julia, 2001, p. 10).

A análise dos textos didáticos permitiu a tessitura de algumas considerações sobre as práticas escolares em relação ao ensino do novo sistema de pesos e medidas, então adotado. Verifica-se que situações sobre o ensino deste novo saber escolar eram as mais diversas, com bons e maus resultados, inclusive não sendo ensinado em muitas escolas públicas e particulares. Procuramos evidenciar alguns aspectos do ensino do sistema métrico decimal, na tentativa de trazer novos elementos elucidativos em relação aos saberes praticados nas escolas primárias portuguesas da segunda metade do século XIX, bem como a primordialidade de uma capacitação docente.

As questões metrológicas concernentes a Portugal do Oitocentos se enquadram em diversas normativas que provinham no sentido de estabelecer o emprego efetivo dos padrões decimais, causando impactos em relação aos aspectos culturais e científicos.

Elementos históricos dos pesos e medidas em Portugal

Faz-se necessário um breve preâmbulo histórico sobre os pesos e medidas em Portugal, para o qual serão citados alguns pontos, de forma a dar um panorama de diversas iniciativas ocorridas a partir do século XII.

O legado de todas as medidas vem de antanho, nos primórdios da constituição do Condado Portucalense.

A metrologia, em Portugal como no resto da Europa, evoluiu lentamente, desde uma situação de extrema diversidade, na Idade Média, até à atual uniformidade (...). A diversidade metrológica medieval devia-se, naturalmente, à extrema fragmentação do território em diferentes senhorios, bispados, etc., cada um com a sua própria autonomia e percurso histórico. A uniformização era promovida pelos soberanos, não só porque facilitava as trocas comerciais e a cobrança de impostos, mas também pela importância simbólica que tinha submeter-se todo o país à utilização dos padrões de pesos e medidas do rei. (Lopes, 2005, p. 42)

Em Portugal, desde a sua formação, muitos padrões de pesos e medidas foram criados e, ao longo do tempo, se estabeleceram, coexistindo os mais diferentes estalões, uma vez que não foram banidos aqueles utilizados pelas comunidades que habitavam o território. Primando por uma unificação do país, alguns monarcas preocuparam-se em determinar uma padronização das medidas. Determinadas reformas foram estabelecidas.

Durante o reinado de D. Afonso III, a Lei da Almotaçaria, de 26 de dezembro de 1253, estabeleceu que, para manter o cumprimento das posturas municipais, seria eleito um magistrado, o almotacé.

Na primeira metade do século XIV, usava-se já em Lisboa um moio ou cafiz de 48 alqueires, o qual também se podia dividir em 72 alqueires de Dom Afonso Henriques. Portanto, o alqueire de Dom Afonso Henriques era considerado equivalente a uma fracção de 48/72, ou 2/3, do alqueire de Lisboa. Entretanto, Dom Pedro I introduziu um novo alqueire equivalente a uma fracção de 3/4 do alqueire de Lisboa. Podemos, assim, deduzir que o alqueire de Dom Afonso Henriques era uma fracção de (2/3)/(3/4) = 8/9 do alqueire de Dom Pedro I. (Lopes, 2005, p. 43)

Mas, o que se verifica neste interim? “O moio da jugada de 56

alqueires de Dom Afonso Henriques seria equivalente a (8/9) × 56

arredondado para 50 alqueires” – o que foi determinado, em 1361, por Dom Pedro I nas Cortes de Elvas (Lopes, 2005, p. 43). E é neste contexto que se processa a primeira iniciativa pela padronização das medidas. Outra ocorreu no século XV: iniciando sua missão, a partir de 7 de agosto de 1460, através do Alvará de D. Afonso V, a Confraria de Santo Eloy 143 dos ourives de prata, por

quase quatrocentos anos, aferiu os pesos e balanças “da cidade de Lisboa e seu termo”144.

A partir do momento que o mercantilismo começou a se instalar, surgiu a preocupação em utilizar padrões de medidas comuns, para facilitar o comércio com outras nações. Assim, em 14 de outubro de 1488, durante o reinado de D. João II, foi adotado o marco de

Colônia145 como padrão de massa.

Posteriormente, um passo importante foi dado no reinado de D. Manuel I. Do ano de 1499, com edição final em 1521, as

Ordenações146 Manuelinas, entre outras determinações, continham

disposições referentes à padronização das medidas de peso. No primeiro livro da Ordem, Título XV – Do Almotace Moor – das

Ordenações Manuelinas, encontra-se a determinação da padronização

das medidas, segundo as fixadas, mantidas em Lisboa: “E mandamos

que todas as medidas, e pesos e varas, e covados sejam tamanhas como as da Nossa Cidade de Lixboa, e nom sejam maiores nem menores.” O Almotacé

Mor era encarregado de trazer “consiguo os padrões de todos os pesos, e

medidas” devendo aferir duas vezes no ano (em janeiro e em julho).

Prisão e multas eram impostas àqueles que tivessem padrões diferentes dos estabelecidos.

Ainda no mesmo livro, referente às atribuições do almotacé, a quem caberia a fiscalização, obrigava-se que todas as vilas e cidades possuíssem os padrões fixados. Verifica-se que vara, covado, alqueire,

almude, canada, quartilho, eram as medidas empregadas. Para o vinho,

eram utilizadas o almude, meio almude, canada, meia canada, quartilho e

meio quartilho; já, para o azeite, o alqueire, meio alqueire e quarta d'alqueire. Produtos líquidos que tinham padrões de medida

distintos.

143A Confraria de Santo Eloy continuou seus trabalhos de aferição até o ano de

1852, quando Portugal passou a adotar o sistema métrico francês.

144Em Anuário de Pesos e Medidas, n. 3, Repartição de Pesos e Medidas, 1942.

(http://www.ipq.pt/museu/form_estado/index.htm).

145O marco de Colônia era utilizado na Europa.

146As Ordenações são conhecidas também como Ordenações do Reino ou Leis Gerais,

O marco-padrão de D. Manuel I era confeccionado em bronze – 1

quintal = 58,754 kg. O conjunto completo dos padrões era formado

por 16 peças. Entre elas, 1 escrópulo era equivalente a 1,009 g e 2 arrobas equivalentes a 29,3801 kg. Cópias desses padrões foram confeccionadas e distribuídas aos Concelhos, deste modo, a reforma obteve sucesso apenas na padronização das medidas de massa, pois não era objetivo extinguir outras unidades utilizadas, como, por exemplo, no tocante às medidas de volume, as quais se mantinham como antes desta reforma.

De acordo com as Ordenações Manuelinas, os padrões de medida para o vinho eram diferentes daqueles utilizados para o azeite. Em 1575, o rei D. Sebastião emitiu uma lei no sentido de reforçar as medidas tomadas pelo seu bisavô, mandando igualar todas as medidas de cereais, vinho e azeite pelas de Lisboa. Para que esta medida tivesse sucesso, ordenou a distribuição pelo país de padrões das medidas de volume, tanto para os secos, baseadas no alqueire, como para os líquidos, cuja unidade principal era o almude. A lei confirmava os submúltiplos destas medidas que tinham sido estabelecidos por D. Manuel, e, no caso dos secos, indicava um múltiplo do alqueire: a

fanga, correspondente a quatro alqueires. De acordo com esta lei

(Carta de Almeirim), os volumes de secos deveriam passar a ser medidos obrigatoriamente por rasa (usando uma rasoura) e ficando proibida a utilização do cogulo147, tornando, assim, a medição mais

rigorosa, com maior precisão e, ao mesmo tempo, mais simples. Apesar das tentativas de uniformização dos padrões de pesos e medidas e da existência de multas, notava-se que existiam diferenças nos estalões de cidade para cidade.

As novas unidades introduzidas por uma dada reforma normalmente relacionavam-se com as unidades antigas através de um fator numérico bem conhecido, que podia ser um numero inteiro (2, 3, 4, …) ou uma fracção simples (1/2, 1/3, 1/4, 2/3, 3/2, …). Ou seja, a nível numérico, mesmo quando certas unidades fundamentais desapareciam, elas continuavam, de certa forma, a estar na base dos novos sistemas. (Lopes, 2005, p. 42)

147“No caso dos produtos sólidos ou secos (feijão, farinha, etc), se despejarmos um

recipiente até́ enchermos e começar a entornar, é normal que comece a fazer um montinho (cone), por onde começa a escorrer. Mesmo quando enchemos a medida, se continuarmos a despejar para o recipiente, não fica alinhado com a medida, mas vai aumentando esse monte. Esse montinho chamava-se cogulo, cagulo ou cogulho. Muitas vezes, media-se pelo cagulo, o que levava a que a medição pudesse variar, conforme a pessoa ou a forma de medir” (Pesos e medidas, 2016, p. 13).

O sistema métrico decimal, desenvolvido na França no final da centúria do setecentos, ganha a simpatia dos portugueses. Em 1812, uma reforma dos pesos e medidas é proposta pela Comissão para o

Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura. Aconselhava-se a

adoção de um novo sistema baseado no metro, mas sem utilizar a nomenclatura francesa. Esta proposta foi executada. Todavia, com o reino enfraquecido, a guerra civil entre liberais constitucionalistas e absolutistas houve dificuldades para a execução do processo de padronização dos pesos e medidas previsto nessa reforma. A mudança decisiva para a nação ocorreu quando, em 1852148, D.

Maria II (1819-1853) oficializou o sistema métrico decimal francês, com a adoção da sua terminologia, fixando-se dez anos para a sua completa implantação em todo continente, ilhas e outros territórios dos seus domínios.

Em janeiro de 1853, houve uma determinação da Rainha149

exigindo que, a partir do 1.º de fevereiro daquele ano, o sistema métrico fosse adotado em todas as Repartições dependentes do Ministério das Obras Públicas Comércio e Indústria, ordenando que os respectivos diretores gerais expedissem as ordens competentes nessa conformidade. Posteriormente, em junho de 1859150, obrigava o emprego da medida métrica linear, o metro,

ficando, então, abolidas as antigas medidas de longitude em Lisboa, e em outros povoados e ilhas, respectivamente, a partir do 1.º de janeiro e do 1.º de março de 1860. Para os demais padrões, era estabelecido o ano de 1862, como prazo final para que fossem substituídos todos os estalões pelos decimais.

Determinações para a inclusão do sistema métrico decimal nas escolas

Relativamente às normativas escolares em Portugal, a reforma Costa Cabral de 1844151, tinha a clara intenção de colocar em

prática a obrigatoriedade da escola primária para as crianças de 7-15

148Decreto adotando o sistema métrico (13/12/1852). COLP 2.º semestre 1852, pp.

740-4.

149Portaria de 11/1/1853 mandando que desde o seguinte 1.º de fevereiro se

adotasse o sistema métrico em todas as repartições de pendentes do Ministério das Obras Públicas (COLP 1.º semestre 1853, p. 2).

150Decreto de 20/6/1859 providenciando para em 1860 começar a executar-se o

sistema métrico decimal de pesos e medidas, mas somente quanto à medida linear (COLP 1859, p. 287).

anos e a organização deste nível de ensino em dois graus.152 O

Conselho Superior de Instrução incentivava a produção de manuais escolares, que seriam submetidos à aprovação, sendo dada uma remuneração para os autores de textos inovadores, vindo a ganhar força textos como o manual enciclopédico.

O Regulamento de 1850, referente às escolas primárias153, pelo seu

artigo 26.º, instituía que, no primeiro grau, quando as crianças tivessem o domínio da leitura e escrita, o professor passaria a lhes ensinar a escrita dos algarismos, fazendo-lhes aprender o artifício da numeração. A seguir, as operações ordinárias (somar, diminuir, multiplicar e repartir) – primeiro com números inteiros e, depois os quebrados (frações), regra de três e sua aplicação à regra de juros e companhia. Para o segundo grau, no tocante à matemática, era estabelecido o ensino da Aritmética e Geometria, com aplicação às Artes e da escrituração por partidas singelas e dobradas. Não há qualquer menção aos números e frações decimais, nem, tão pouco, aos pesos e medidas para nenhum dos graus de instrução.

Com a oficialização do sistema métrico decimal francês no país e seus domínios, algumas ações seriam necessárias para o cumprimento do Decreto de 1852. Era premente que a reforma metrológica atingisse todo o continente e ilhas.

A legislação só poderia ser cumprida de forma exitosa com a formação de cidadãos preparados para utilizar os novos pesos e medidas. A estandardização das medidas era um desafio que impunha dificuldades. Muitos fatores dependiam do cumprimento da legislação: a área industrial e científica, arrecadação dos impostos, a comercialização as nações, entre outros aspectos. A meta dos governantes se dirigiu à escola – urgia a necessidade de capacitar e educar aos cidadãos. Os professores e, depois, os alunos teriam um papel fundamental nesse processo. As crianças seriam preparadas para, no futuro, operar com os novos padrões e poderiam levar seus conhecimentos sobre as medidas decimais para seus pais e outras pessoas de sua família e comunidade. (Zuin, 2018, p. 230)

152O primeiro grau (escolas de instrução primária) deveria ser constituído pelas

aprendizagens básicas de ler, escrever e contar, exercícios gramaticais, iniciação à Moral e à Doutrina Cristã, iniciação à História Portuguesa e à Corografia. O segundo grau abrangia o que foi estudado no primeiro grau, sendo acrescentados os estudos de Gramática Portuguesa, Geografia e História Geral, História Sagrada do Antigo Testamento, Desenho Linear, Aritmética e Geometria aplicadas à indústria e escrituração. Essa reforma traz algo de inovador ao permitir que “tanto o primeiro como o segundo graus” poderiam “compreender outros objetos de instrução nos lugares, e à proporção que o Governo achar conveniente.” (Reforma Geral da Instrução Pública (20/9/1844). COLP 1844-1845, p. 306).

A população deveria estar habilitada para conviver com novos padrões de pesos e medidas e saber operá-lo. Levar o ensino do sistema métrico para as escolas seria um dos melhores meios para que se cumprissem as determinações oficiais. O propósito era formar os futuros cidadãos métricos, crianças que cresceriam sem interpor barreiras para se processar a legalidade dos padrões decimais no seu cotidiano.

Essa premência por difundir o novo sistema de medidas era uma das preocupações de Fontes Pereira de Melo, então Ministro de Obras Públicas. Logo após a promulgação do Decreto de D. Maria II, em 13 de fevereiro de 1853, ele envia um ofício ao Ministro do Reino, com a seguinte ponderação:

A adopção do sistema métrico decimal de pesos e medidas, estabelecido pelo decreto de 13 de dezembro do ano findo, depende em grande parte do conhecimento geral, que o país deve ter d’esse sistema, e das suas relações, até onde for possível, com os diferentes padrões do sistema atual. Um dos meios mais seguros de obter este resultado é o ensino nas escolas públicas; e por este motivo rogo a V. Ex.ª que, pelo ministério a seu cargo, se expeçam as competentes ordens e instruções, a fim de que em todas as escolas de instrução primária seja ensinado, com o devido desenvolvimento, o sistema métrico decimal. (Fino, 1884, p. 8).

Ainda que algumas escolas já integrassem o sistema métrico, a partir de 1852, é com a Circular de 11 de agosto de 1858 que realmente se estabelece o ensino do novo sistema legal de pesos e medidas nas escolas de nível primário (Zuin, 2018).

Naquela época, era grande a quantidade de escolas de instrução primária porque havia muitos estabelecimentos com um número reduzido de alunos, contavam-se 1465 públicas e 1068 particulares. Assim, se faziam maiores os problemas para a difusão do novo sistema metrológico. Era premente atingir um grande número de docentes, pois só a partir deles é que a reforma poderia obter algum êxito, integrando-se mais facilmente à vida citadina. Os professores precisariam de cursos de capacitação, materiais e manuais para proceder ao ensino do sistema métrico decimal. Esta seria uma empreitada a médio ou longo prazo, não só para a habilitação dos docentes, como para a confecção de materiais e a produção de manuais.

Dez anos após o Decreto de 1852, algumas ações já haviam sido tomadas. Foram confeccionados quadros sinópticos e modelos dos padrões do sistema métrico decimal dirigidos para as escolas. Já existiam textos que tratavam exclusivamente do novo sistema metrológico e livros de Aritmética, Tabuadas ou tratados para o

ensino primário que incluíam o sistema francês de pesos e medidas. Procedeu-se à divulgação de livros aprovados pelo governo para o ensino do sistema métrico decimal.

No ano de 1858, o governo tomou providências para promover a capacitação dos docentes. Estabeleceu-se que oficiais empregados nas repartições dos pesos e medidas deveriam ministrar cursos sobre o sistema métrico, de forma a habilitar os professores da instrução primária do continente e ilhas. Nos relatórios dos inspetores há referência às preleções realizadas em 1859.

Através de uma nota de 28 de janeiro de 1863, foi possível constatar que 1414 pessoas assistiram a estes cursos, sendo 1229 professores e 258 particulares e empregados públicos que voluntariamente concorreram às preleções (Ribeiro, 1883, p. 440). Os cursos ocorreram nas localidades mais centrais, congregando docentes de diversas regiões. Constatou-se que muitos professores não detinham conhecimentos sobre os números decimais, pré- requisito indispensável para se entender o sistema métrico154. Esse

era um entrave para a capacitação dos professores. No entanto, esse fato estaria dentro do esperado, pois, até a primeira metade do século XIX, era comum não se dar importância aos números decimais com mais destaque para os quebrados – ou frações – nas escolas e mesmo nos manuais. As medidas antigas não eram decimais. Não havia uma utilidade prática para os números decimais até a obrigatoriedade da inclusão do sistema métrico nos programas. Era imprescindível que as frações e os números decimais estivessem presentes nos textos de Aritmética e as operações sobre os mesmo, que se evidenciaram, convertendo-se em tópicos importantes a partir da formação elementar.

154 O inspetor dos pesos e medidas do distrito de Évora, em 9 de agosto de 1859,

em um ofício, assim se pronuncia sobre o curso ofertado: “Pela falta de conhecimento que a maioria dos professores tinha dos números decimais, eram