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A Constituição Federal de 1988 atribui extrema importância à cultura. O artigo 215 prescreve como dever do Estado a garantia, a todos, ao pleno exercício dos direitos culturais e ao acesso às fontes da cultura nacional, bem como o apoio e incentivo à valorização e à difusão das manifestações culturais.

Na seqüência, o § 1° do citado dispositivo preceitua que cabe ao Estado a proteção das manifestações das culturas populares, indígenas e afro- brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. Nesses, pode-se incluir as demais populações tradicionais existentes no país.

Completa o amparo cultural o artigo 216 que preceitua como patrimônio cultural:

os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticos e culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológicos, paleontológico, ecológico e científico.

A tutela de áreas protegidas deve levar em consideração essas prerrogativas constitucionais, de modo a articular a fruição do direito à cultura

com o direito ao meio ambiente. Com esse intento, o SNUC reconhece, em vários dispositivos, o relevante papel desempenhado pelas populações tradicionais na conservação da biodiversidade, por meio, principalmente, do uso sustentável dos recursos naturais.

A Lei n° 9.985/2000 elenca, como objetivo do referido sistema, a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos e a proteção às espécies ameaçadas de extinção, às paisagens naturais e aos recursos hídricos e edáficos. Ao lado desses, estabelece como meta a proteção aos “recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e as promovendo social e economicamente” (artigo 4°, inciso XIII).

Arrola, como diretriz do SNUC, a garantia às populações tradicionais, as quais dependem da utilização de recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação para subsistência, de promover meios de subsistência alternativos ou a justa indenização pelos recursos perdidos.

No plano internacional, a Convenção da Diversidade Biológica88, em seu preâmbulo, reconhece a “estreita e tradicional dependência de recursos biológicos de muitas comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais”. Para tanto, o artigo 8º, alínea j, da mencionada Convenção, prevê que os países membros devem “respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica”.

Para assegurar as manifestações culturais das comunidades tradicionais, como bem defende a Constituição Federal, a Lei do SNUC e a mencionada Convenção, é mister garantir as condições de sobrevivência física desses grupos. Para isso é que se deve assegurar o direito ao território desses povos, com o fim de resguardar não somente seus modos de vida, bem como sua interação com a natureza, de forma a mantê-la a salvo de práticas deletérias.

Dessa forma, acredita-se que as comunidades tradicionais podem ser consideradas parceiras da conservação ambiental, por desenvolverem

88 A Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992, foi promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998.

atividades sustentáveis dos recursos naturais. É como asseverado por Diegues, Andrello e Nunes89:

[...] as populações humanas não apenas convivem com a floresta e conhecem os seres que aí habitam, mas também a manejam, ou seja, manipulam seus componentes orgânicos e inorgânicos. Portanto, o manejo das espécies naturais por populações tradicionais resulta no aumento de comunidades vegetais e na interação com espécies animais e com o homem.

A questão é que, paradoxalmente, conforme explicado no capítulo anterior, há áreas nas quais não é permitida a permanência de populações tradicionais. Em análise ao texto da Lei nº 9.985/2000, pode-se deparar com uma incompatibilidade entre a convivência de comunidade tradicional em unidade de conservação de proteção integral e os objetivos almejados em relação a esta, por haver real subversão de sua finalidade. Assim, afirma-se que, devido à expressa permissão de uso apenas indireto dos recursos naturais presentes nessa UC, esta é deixada a salvo de intervenções humanas (art. 2º, VI).

Cabe trazer à colação o apontado por Fany Ribeiro que, segundo o documento apresentado pelo Sistema de Informação Geográfica do Instituto Socioambiental (SIG/ISA) sobre as sobreposições entre UC federais, estaduais, terras indígenas, terras militares e reservas garimpeiras na Amazônia legal, registra-se 65 sobreposições entre esses diferentes tipos de áreas, envolvendo: 39 UC federais, 21 UC estaduais, 30 terras indígenas, 13 glebas militares e 2 reservas garimpeiras. Para o autor, tal fato atesta “a incapacidade do Estado brasileiro de implementar um planejamento territorial adequado para a Amazônia e exige imediatas providências no sentido de dar solução aos conflitos delas decorrentes”90.

Para resolver as questões atinentes às unidades de conservação de proteção integral criadas em função da legislação anterior, o artigo 56 da Lei do

89 DIEGUES, Antônio Carlos et al. Populações tradicionais e biodiversidade na Amazônia: levantamento bibliográfico georrefenciado. In: CAPOBIANCO, João Paulo Ribeiro et al. (orgs.).

Biodiversidade na Amazônia brasileira: avaliação e ações prioritárias para a conservação,

uso sustentável e repartição de benefícios. São Paulo: Estação Liberdade – Instituto Socioambiental, 2001, p. 207.

90 RIBEIRO, Fany. Sobreposições entre (UCs) Federais, Estaduais, Terras Indígenas, Terras Militares e Reservas Garimpeiras na Amazônia Legal. In: CAPOBIANCO, João Paulo Ribeiro et al. (orgs.). Biodiversidade na Amazônia brasileira: avaliação e ações prioritárias para a conservação, uso sustentável e repartição de benefícios. São Paulo: Estação Liberdade – Instituto Socioambiental, 2001, p. 259.

SNUC, reservou ao Poder Público a obrigação de adotar, no prazo de cinco anos, prorrogável por igual período, uma das duas medidas arroladas, quais sejam: o reassentamento das populações tradicionais, que será, oportunamente, objeto de exame, pelo presente trabalho, e a reclassificação. Esta segunda opção estabelecia que as áreas ocupadas pelas comunidades tradicionais poderiam ser reclassificadas em UC especificamente destinadas a abrigar esses povos, ou seja, em Reservas Extrativistas ou em Reservas de Desenvolvimento Sustentável.

Não obstante, o dispositivo em comento foi revogado pelo Presidente da República, com o argumento de que o artigo 56 autorizaria o Poder Público a tornar menos restritiva a proteção dispensada à área. Também, contraria o artigo 225, § 1°, inciso III, da Lei Suprema, no tocante ao texto que determina que a alteração dos ETEP somente seja permitida por lei e que seja vedada qualquer utilização comprometedora da integridade dos atributos justificativos da sua proteção91.

De fato, a proposta de reclassificação pelo Poder Público desrespeitaria o regime jurídico especial de modificabilidade das áreas especialmente protegidas. Entretanto, persiste a possibilidade de reclassificação da unidade de conservação do grupo de proteção integral em Reserva Extrativista ou Reserva de Desenvolvimento Sustentável ou qualquer outra categoria, em razão de o veto suprimir a adoção dessa medida apenas do Poder Executivo, restando ao Poder Legislativo essa prerrogativa.

Vale ressaltar, ainda, que o veto ao dispositivo em exame também desobrigou o Poder Público de promover o reassentamento das populações tradicionais no prazo máximo de dez anos, de forma a deixar a cargo do regulamento a estipulação do prazo limite para a realocação.

Nesse contexto, restou ao Poder Público, para solucionar a situação dessas comunidades, implantar os reassentamentos, sob a luz do artigo 42 da Lei n° 9.985/2000. Segundo o dispositivo, as populações tradicionais, e não outras, residentes em UC na qual sua permanência não seja permitida, ou seja, nas integrantes do grupo de proteção integral, serão devidamente realocadas

91 Mensagem nº 967, de 18 de julho de 2000, enviada pelo Presidente da República ao Presidente do Senado Federal.

pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as partes, sem prejuízo de indenização e compensação pelas benfeitorias existentes.

As normas que regulamentam o reassentamento das populações tradicionais estão previstas no Capítulo IX do Decreto n° 4.340/2002. O artigo 35 desse Decreto preceitua que o processo indenizatório deverá respeitar o modo de vida e as fontes de subsistência das populações tradicionais. De acordo com o artigo 36, o direito ao reassentamento está restrito apenas às populações tradicionais residentes na unidade no momento da sua criação. O dispositivo visou proteger as famílias acomodadas no local por um período suficiente e capaz de configurar a moradia habitual. Por conseguinte, o direito não abrange os proprietários ou os posseiros recém-instalados na área, de forma a evitar invasões na unidade.

De acordo com o § 2° do artigo 42, da Lei n° 9.985/2000, durante o período em que não for efetuado o reassentamento, serão elaboradas normas e ações específicas com o escopo de compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os objetivos da unidade. Para tanto, deverão ser respeitados seus modos de vida, suas fontes de subsistência e seus locais de moradia, bem como sua participação na elaboração das mencionadas normas e ações. Também, conforme assegurado pelo artigo 29,

in fine, da dita Lei, terão direito seus representantes a constituir o Conselho

Consultivo da unidade.

O artigo 39 do Decreto regulamentador estabelece que as condições de permanência das populações tradicionais devem constar no termo de compromisso negociado entre elas e o órgão executor, ouvido o Conselho da UC. O termo deve indicar as áreas ocupadas, as limitações necessárias para garantir a conservação da natureza e os deveres do órgão executor atinentes ao processo indenizatório, de forma a assegurar as fontes de subsistência e os modos de vida dessas populações.

Antônio Herman Benjamin92 considera de constitucionalidade

duvidosa o dispositivo que assegura a permanência das populações tradicionais em unidade de conservação de proteção integral, enquanto não efetuado seu reassentamento. Argumenta o autor que a manutenção dessas

comunidades em tais áreas não se coaduna com as funções propostas pelas unidades do grupo de proteção integral. De forma que haveria um comprometimento da integridade dos atributos que justificam a sua proteção, o que é expressamente vedado pelo artigo 225, § 1°, inciso III, in fine.

Em complemento, observa o autor que o dispositivo em análise não guarda observância com o preceituado pela Constituição Federal e pela Lei do SNUC. Essas prescrevem que o regime jurídico da unidade somente pode ser alterado por lei específica. Utilizando-se de semelhante argumento, o autor infere que o parágrafo único do artigo 28 igualmente seria inconstitucional93.

Sem embargos de opinião em contrário, entende-se que o dispositivo em estudo guarda pertinência constitucional, porquanto se ateve ao fato de que identificação, indenização de benfeitorias, retirada e reassentamento de populações tradicionais requerem tempo, bem como vultosos investimentos. Ademais, o artigo em questão regulamenta situação transitória, enquanto não for efetuado o reassentamento. Durante o impasse, as comunidades tradicionais não podem ser simplesmente expulsas e impedidas de se alimentar.

Nesse particular, Aurélio Virgílio Veiga Rios aponta que o IV Congresso Mundial de Parques realizado em Caracas, Venezuela, diante da constatação de que 86% dos parques na América do Sul têm populações permanentes vivendo no seu interior, recomendou que se guardasse respeito às populações tradicionais existentes nessas áreas. Além disso, o Congresso reconheceu como de grande relevância o conhecimento tradicional desses ecossistemas, cujos recursos naturais são utilizados para a sua sustentação sem comprometer os objetivos de preservação dos parques94.

Entretanto, não se admite a ocorrência de excessos porventura causados por danos à unidade, por não cumprimento do prazo de permanência negociado no termo de ajustamento de conduta, ou, ainda, por omissão do

93 De acordo com o dispositivo, “até que seja elaborado o Plano de Manejo, todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de Proteção Integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às populações tradicionais porventura residentes na área as condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais”. 94 RIOS, Aurélio Virgílio Veiga. A presença de populações tradicionais nas áreas protegidas.

Boletim Científico – Escola Superior do Ministério Público da União, Brasília, ano 4, n. 14, p.

dever constitucional e legal do Poder Público de garantir a preservação da unidade de conservação de proteção integral. Acredita-se que, em tais circunstâncias, haveria conversão da área protegida em unidade de uso sustentável, o que é inadmissível.

Vale ressaltar o conteúdo imperativo do artigo 42, da Lei n° 9.985/2000. O Poder Público é responsável pela viabilização econômica do reassentamento das comunidades tradicionais. Deve-se, para isso, observar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, disciplinados no artigo 3º da Constituição Federal, notadamente, a erradicação da pobreza e da marginalização. Destarte, o Poder Público deve cumprir a obrigação legal de realocação da população tradicional, sob pena de submetê-la à marginalidade, podendo, para tanto, fazer uso de termo de ajustamento de conduta, prevendo expressamente a obrigação do Poder Público e as sanções pecuniárias, diante de eventual inadimplemento.

Nesse rumo, o § 1º da norma em comento prescreve que o Poder Público, por meio do órgão competente, deverá priorizar o reassentamento das populações tradicionais. Em complemento, o artigo 38 do Decreto n° 4.340/2002 dispõe que o órgão fundiário competente apresentará, no prazo de seis meses, a contar do pedido efetuado pelo órgão ambiental, o programa de trabalho que atenderá às demandas de reassentamento das populações tradicionais, bem como definirá os prazos e condições para a sua realização.

Paulo de Bessa Antunes alerta que, quando se tratar de criação de UC, a imissão na posse pelo Poder Público deve ser precedida do ajuizamento de ação expropriatória e de depósito da indenização. Ainda, afirma que nos casos de áreas nas quais já existiam populações em seu interior, a criação da unidade deve respeitar os usos permissivos prévios estabelecidos95.

A partir da noção de desenvolvimento sustentável, divulgadora da idéia de harmonização entre proteção ambiental e interferência indissociável humana, há corrente que defende a possibilidade de co-existência de populações tradicionais e áreas de proteção integral. Acrescenta-se, ainda, a possibilidade de controle e fiscalização das UC contra a prática predatória por parte dessas comunidades.

95 ANTUNES, op. cit., p. 644-645.

Longe de ser defendida a existência de espaços naturais intocáveis, resguardados de qualquer interferência humana, não se pode deixar de levar em conta que a interação entre homem e natureza tem demonstrado uma acentuada transformação do ecossistema, interferindo na diversidade biológica do planeta. É como opina Alexandra Aragão: “não é exagero afirmar que todas as actividades humanas são susceptíveis de afectar o ambiente de uma maneira directa ou indirecta, em maior ou em menor grau”96.

Questiona-se a manutenção dos padrões culturais e das formas de utilização dos recursos naturais por parte das comunidades tradicionais. Teme- se que haja submissão delas diante do fato de se encontrarem inseridas em um contexto de economia de mercado. Assim, é valido salientar, a título de exemplo, o registro do Relatório da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, segundo o qual a Fundação Nacional de Assistência ao Índio (FUNAI), em 1985, vendeu à Madeireira Maginco seis mil metros cúbicos de mogno da Terra Indígena Kaiapó97.

Não se contesta, como constatado por Raul Di Sergi Baylão e Nurit R. Bensusan, que a humanidade é um considerável agente dispersor dos organismos e, conseqüentemente, contribui para a promoção da biodiversidade. Arrolam, como exemplo, a banana e a fruta-pão, as quais são dependentes do homem para a reprodução e dispersão, porquanto encontram dificuldades na competição com vegetação nativa melhor adaptada98.

Entretanto, os mesmos autores admitem a possibilidade de a dispersão fortuita de organismos ocasionar trágicas conseqüências ecológicas. Ilustram essa hipótese com o caso do fungo Cryphonectria parasitia, causador de uma doença na castanheira norte-americana, Castanea dentata, introduzido acidentalmente nos Estados Unidos, que causou a quase total eliminação dessa planta em sua distribuição geográfica natural, em menos de 50 anos99.

96 ARAGÃO, Alexandra. Direito Constitucional do Ambiente na União Européia. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes & LEITE, José Rubens Morato (orgs). Direito

Constitucional Ambiental. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007, p. 26.

97 COSTA NETO, op. cit., p. 194.

98 BAYLÃO, Raul Di Sergi; BENSUSAN, Nurit R. Conservação da Biodiversidade e Populações Tradicionais: um Falso Conflito. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério

Público do Distrito Federal e Território, Brasília, ano 8, V, n. 16, p. 161-180, jul./dez. 2000, p.

172.

Diante de tais circunstâncias, é pertinente concluir que nem toda atividade humana é benéfica à preservação do bioma. Igualmente, nem todas as comunidades tradicionais exercem atividades sustentáveis, de modo a viver harmonicamente com o meio ambiente.

Nessa linha, Aurélio Virgílio Veiga Rios pondera100:

[...] não há como admitir – e seria ingenuidade imaginar o contrário – que todos os povos tradicionais têm sido ou serão politicamente corretos ao lidarem com os recursos. Não há dúvidas que pressões econômicas, novas tecnologias e políticas públicas tomadas nos centros de decisão podem ter efeitos negativos na conservação da diversidade biológica existente nas áreas destinadas à conservação ambiental.

Por esses aspectos, ressalta-se a relevância de se preservar o binômio apregoado pelo SNUC. Deverá ser observado o sistema dual proposto pela Lei n° 9.985/2000, com o intuito de assegurar a preservação dos recursos naturais, para que possa ser desfrutado por todos, como bem assevera a Constituição.

Com vistas à consecução de tal finalidade, conforme examinado, a referida Lei estabelece dois grupos de UC: a de proteção integral, na qual se proíbe o aproveitamento direto dos recursos naturais, privilegiando a conservação da diversidade biológica; e a unidade de uso sustentável que permite a exploração do ambiente, observando a perenidade dos recursos e a manutenção da biodiversidade. Nesta, admite-se a presença de comunidades tradicionais.

Essa dicotomia apresentada propõe-se a balancear os interesses conflitantes. Assegura uma superior proteção nas áreas relevantes à diversidade biológica, coibindo o uso direto por parte das populações tradicionais. Assim, ao se permitir a presença dessas comunidades em área de proteção integral, restaria uma ruptura do sistema dual proposto.

Argumenta-se, ainda, em contraponto à política de reassentamento proposta pelo SNUC, que a realocação das populações tradicionais distribui ônus desigualmente, em razão de essas comunidades serem privadas de suas

100 RIOS, op. cit., p. 49.

terras tradicionalmente ocupadas. Em defesa desse posicionamento, Nurit Bensusan argumenta101:

[...] muitas populações beneficiárias são aquelas responsáveis pelo modelo predatório que resultou na necessidade de se reservar áreas para a proteção ambiental, enquanto que as populações sacrificadas são aquelas que conservam, por meio do uso tradicional da terra e dos recursos biológicos, as poucas áreas naturais ainda existentes e paradoxalmente, têm como contrapartida sua destruição cultural e social.

De fato, não se faz objeção que o asseverado pelo autor pode acontecer. No entanto, verifica-se que também existe parcela considerável da sociedade que não degrada e que não deve, portanto, ser sacrificada. Além disso, conforme preceito constitucional, toda a coletividade tem direito ao meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, o que impõe, a todos, sua defesa e preservação, para as gerações presentes e futuras.

Neste trabalho, não se defende que as comunidades tradicionais sejam privadas de seus direitos. Também, não é isso que determina o SNUC. Como examinado, este prevê que elas devam ser realocadas pelo Poder Público em locais e condições acordados pelas partes, e não devem ser simplesmente destituídas de suas terras. Além disso, é imposto ao Poder Público, enquanto efetuado o reassentamento, o dever de assegurar todas as condições necessárias à preservação do modo de vida e das fontes de subsistência dessas populações.

Igualmente, não se patrocina que somente por meio de criação de unidades de conservação de proteção integral se estaria assegurando o direito ao meio ambiente saudável proposto pela Constituição Federal. É como analisado nos capítulos anteriores, a Lei Maior, ao lado da estipulação do dever do Poder Público de criar ETEP, preceitua outros instrumentos ensejadores da efetivação do direito de proteção ambiental e que, para tanto, devem ser também observados.

Face à existência de comunidades tradicionais nos limites da UC a ser criada, quando se revelar compatível sua permanência com o objetivo e o grau de proteção exigível da área, o Poder Público deverá privilegiar a criação

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