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3.1 Unidade de Conservação

3.1.1 Regime jurídico

A Lei do SNUC destinou o Capítulo IV para tratar do procedimento de criação, implantação e gestão das UC.

Seguindo a orientação constitucional sobre criação de ETEP, a Lei do SNUC não exigiu lei para a criação de UC. Em confirmação com esse entendimento, o § 1° do artigo 22 da mencionada Lei foi vetado face a sua inequívoca inconstitucionalidade, em virtude do dispositivo determinar sua instituição somente mediante lei. Todavia, não há empecilho para que se utilize da lei como instrumento de sua criação.

Na mesma linha hermenêutica, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal. No julgamento do Mandado de Segurança n° 23.800 – MS, o Relator Ministro Maurício Côrrea decidiu pela constitucionalidade do Decreto s/n de 21 de setembro de 2000, que criou a UC Serra da Bodoquena, no Estado do Mato Grosso do Sul. Por conseguinte, o Pretório Excelso concluiu pela possibilidade de criação de UC por decreto, quando previamente preenchidos os pressupostos previstos no § 2° do artigo 22, quais sejam: estudos técnicos e consulta pública62.

Vale salientar a pertinência da realização prévia desses requisitos apresentados no citado preceito normativo, em razão de permitir a identificação, a localização, a dimensão e os limites mais adequados à unidade, de forma a não tornar a criação um processo aleatório. Para tanto, o Poder Público deve fornecer informações adequadas e inteligíveis tanto à população local quanto a outras partes interessadas, conforme dispõe o § 3º. Cabe ressaltar que, como previsto no § 4º, nos casos de criação de Estação Ecológica ou Reserva Biológica, não é obrigatória prévia consulta pública.

Também, os artigos 4° e 5°, do Decreto n° 4.340/2002, determinam que a nova unidade de conservação deva ser precedida de elaboração de estudos técnicos preliminares e de consulta pública, quando for o caso. Em

62 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 23.800. Brasília, DF, 2000.

Disponível em:

<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=23800.NUME.+E+$MS $.SCLA.&base=baseAcordaos>. Acesso em: 09 de outubro de 2007.

complemento à Lei do SNUC, o Decreto preceitua que a consulta pública consiste em reuniões públicas ou outras formas de oitiva da população local e de outras partes interessadas, a critério do órgão ambiental competente.

A UC pode também ser implantada em decorrência da necessidade de compensação de dano ambiental. O artigo 36, caput, prevê que o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de UC do grupo de proteção integral, quando for o caso de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, constatado pelo órgão ambiental competente, que levará em consideração o EIA e o respectivo Relatório de Impactos sobre o Meio Ambiente (RIMA).

Quanto ao regime de alterabilidade e fruição da UC, a Lei do SNUC procurou seguir o mandamento constitucional. O artigo 22, § 7°, expressamente, prevê que a desafetação ou redução dos limites de uma UC só pode ser feita mediante lei específica. Paulo Affonso Leme Machado adverte que o sentido atribuído ao citado dispositivo deve ser completado, pois dependem de lei específica a diminuição dos limites da UC e a modificação de sua finalidade63.

Alerta, ainda, seguindo orientação do artigo 225, § 1º, inciso III, da Lei Maior, que eventual lei instituidora de alteração da unidade deve resguardar a integridade dos atributos que justifiquem a sua proteção. Também, nesse ponto, a Lei 9.985/2000 observou o preceito constitucional, visto que o artigo 28, caput, proibiu quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os objetivos, com o Plano de Manejo da Unidade de Conservação (PMUC) e com o regulamento da unidade64.

No tocante à modificabilidade de UC, cabe, ainda, analisar algumas peculiaridades trazidas pela referida Lei. O artigo 22, § 5°, prescreve que há possibilidade de transformação, total ou parcialmente, de unidade de conservação do grupo de uso sustentável em unidade do grupo de proteção integral, por intermédio de norma do mesmo nível hierárquico da que criou a unidade, desde que observados os pressupostos de consulta previstos no § 2°.

63 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Áreas Protegidas: Lei n° 9.985/2000. Introdução à Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. In: BENJAMIN, Herman (org.). Direito

ambiental das áreas protegidas: o regime jurídico das unidades de conservação. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 249-250. 64 Ibid., p. 250.

Em exame a esse dispositivo, pode-se deduzir que há a possibilidade de ser alterada uma UC por decreto, quando este tiver sido o instrumento normativo utilizado para criação da unidade. Dessa afirmativa, poderia ser inferido que o dispositivo em comento incidiu em flagrante vício de inconstitucionalidade.

Conforme será examinado, quando se tratar dos grupos de unidade de conservação, nas áreas de proteção integral, diferentemente das de uso sustentável, é proibida a utilização dos seus atributos naturais, admite-se apenas o uso indireto dos seus recursos. Portanto, essa modificação apresentada amplia as garantias de proteção de uma determinada UC, fato que prescinde de lei.

Igualmente, o § 6° do artigo 22 está em plena consonância com a Lei Suprema. De acordo com o dispositivo, é permitida a ampliação dos limites de uma UC, sem que sejam alterados os seus limites originais, exceto pelo acréscimo proposto, mediante instrumento normativo do mesmo nível daquele que criou a unidade, condicionada à observância do procedimento de consulta estabelecido no § 2°.

Paulo Affonso Leme Machado, ao atestar a constitucionalidade do artigo em questão, pondera: “conservando-se os limites originais, e só havendo ampliação dos limites da unidade de conservação, sem que haja sua desnaturação ou deterioração, é razoável entender-se que essa alteração possa ser feita por decreto e não por lei específica”. Assevera, ainda, que diante da potencialidade de dano decorrente da ampliação da unidade, é mister prévio processo legislativo, ou seja, será exigível prévia lei específica. Assim, conclui: “na dúvida entre os textos a serem aplicados – a lei ordinária ou Constituição – deve-se optar pelo último texto”65.

Diante de uma norma de proteção ambiental que apresente diversos sentidos, deve-se privilegiar a interpretação que confira maior eficácia à preservação ambiental. Portanto, o aplicador da lei deve-se orientar pelo princípio hermenêutico da máxima efetividade, de forma a prestigiar a interpretação que otimize a eficácia da lei. No caso em questão, entre as

65 Ibid., p. 250-251.

plausíveis interpretações, deverá ser escolhida aquela mais hábil a densificar o direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado.

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