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Por exemplo: o que podemos selecionar como aparências de uma folha de um arbusto, para enten-

2 CIÊNCIA E MÉTODO: UMA VISÃO HISTÓRICA

MÉTODO CIENTÍFICO INDUTIVO-CONFIRMÁVEL

27. Por exemplo: o que podemos selecionar como aparências de uma folha de um arbusto, para enten-

dê-la, explicá-la ou descrevê-la? Sua cor, formato, consistência, odor, tamanho, temperatura? Vista a “olho nu” e vista através de microscópios de diferentes potências, que “aparências” surgirão ao obser- vador? Um homeopata, um narcotraficante, um floricultor, um agrônomo, um químico, um nutricio- nista, um decorador e um botânico utilizarão os mesmos instrumentos e técnicas para observá-las? Perceberão e selecionarão as mesmas manifestações ou as mesmas aparências? Certamente não. Al- guns perceberão a sua aura, outros a sua composição química, outros ainda a estrutura de suas células, o seu poder de fotossíntese, o seu grau de toxidade, peso atômico de seus átomos, o seu valor nutritivo, o seu poder terapêutico, a sua resistência às pragas e tantas outras características e manifestações quantos forem os interesses, os enfoques teóricos, os instrumentos e técnicas de observação utiliza- dos. Os objetos, fatos, fenômenos e tudo aquilo que pode ser chamado de realidade podem se manifes- tar de indefinidas formas, ajustadas ao tipo de observador, formas, fundo teórico, instrumentos e téc- nicas de observação utilizadas. Não há, portanto, aparências unívocas e uniformes, inerentes ao objeto analisado. O que há são diferentes formas subjetivas, pragmáticas e teórico-culturais de perceber as possíveis aparências da realidade.

desprovida de todo e qualquer critério a priori, ou destituído de preconceitos, como pretendia Bacon, é nulo. Não se saberia o que seria relevante observar ou registrar. Como afirma Medawar (1974, p. 1105-1113), poder-se-ia, por exemplo, passar a vida inteira observando os raios da luz solar num cristal sem notar e saber explicar sua re- fração, ou sem relacionar o aquecimento provocado pelo atrito de dois corpos com energia. Os fatos não explicam por si mesmos o problema que é objeto da investiga- ção científica, pois há muitas formas de observá-los e classificá-los que dependem de critérios de ordem subjetiva ou do tipo de referencial teórico que é utilizado.

Popper e Hempel são categóricos ao afirmar, a exemplo de Hume, que não exis- tem regras de indução que conduzam, a partir de premissas particulares, a explicações genéricas sobre os fatos. Só o sentir e o perceber os fatos ou os fenômenos não produ- zem explicações ou teorias sobre esses fatos.

Einstein (apudPOPPER, 1975, p. 525), em carta dirigida a Popper, em novembro de 1935, afirma:

Não me agrada absolutamente a tendência “positivista”, ora em moda, de apego ao observável. Considero trivial dizer que, no âmbito das magnitudes atômicas, são impossíveis predições com qualquer grau de precisão, e penso (como o se- nhor, aliás) que a teoria não pode ser fabricada a partir de resultados de observa- ção, mas há de ser inventada.

Os dados empíricos só podem ter relevância ou não a partir de um determinado critério orientador. A observação poderá servir para ajudar a esclarecer, delimitar e definir o problema ou o fato analisado, bem como estimular o intelecto na projeção de explicações. A solução do problema, porém, ou a explicação do fato, depende das conjeturas inventadas pelo pesquisador à luz do conhecimento disponível. Jamais provém da observação ou classificação desprovidas de hipóteses. Cabe à hipótese a função de guia da observação. Somente ela poderá dizer que dados são relevantes e devem ou não ser observados, coletados, analisados e classificados. Antes o investi- gador propõe possíveis soluções ou explicações para o problema, sob a forma de hi- póteses, e somente depois planeja e executa observações ou testes experimentais ade- quados, para confrontar as hipóteses com os dados da realidade.

A indução, que utiliza, segundo o modelo proposto por Bacon, a experimentação como fonte desencadeadora de informações e explicações do fenômeno analisado e a solução dos problemas, é uma ingênua ilusão. O uso que se deve fazer dos experimen- tos não é para gerar as soluções, mas para oportunizar meios de testar as possíveis res- postas projetadas pelo pesquisador. A experimentação só é válida como procedimen- to crítico de testar hipóteses.

Não se pode, pois, induzir mecanicamente hipóteses ou teorias a partir da pura observação ou experimentação. A observação e a experimentação devem ser guiadas

por hipóteses que estabelecem as relações entre os fatos ou entre os fenômenos. Hem- pel (1970, p. 26) afirma que “as hipóteses e as teorias não são derivadas dos fatos, mas inventadas com o fim de explicá-los (...) Sem essas hipóteses, a análise e a classifica- ção são cegas”.

2.2.3.2 Crítica do contexto de justificação (validação) do método indutivo

A indução prega a passagem dos fatos para as teorias em dois momentos: no pro- cesso de descoberta, como foi analisado anteriormente, e no processo de justificação da validade da teoria, ou na busca da verificabilidade. A verificabilidade pretende afirmar a veracidade dos enunciados universais a partir da veracidade dos enunciados singulares confirmados pelas evidências experimentais. Essa pretensão, no entanto, é insustentável, tanto sob o ponto de vista lógico quanto epistemológico.

A indução, assim como era concebida por Bacon e posteriormente por Newton e pelos positivistas do século XIX, foi por muito tempo o critério de demarcação entre ciência e não-ciência. Com a preocupação de alcançarem resultados supostamente ci- entíficos, isto é, certos, precisos, seguros e confiáveis, só aceitavam o que pudesse ser produto da experiência científica. Essa experiência, porém, buscava a verificação, a confirmabilidade de seus enunciados singulares, através do acúmulo de evidências positivas, isto é, de provas que concordassem com o conteúdo dos enunciados que es- tavam testando. Utilizavam como critério de validação a “comprovação” dos enunci- ados singulares, testados por diversas vezes e em situações diferentes, generalizando, depois, para o universo. Quanto mais evidências adicionais favoráveis à ex- plicação conseguiam enumerar, mais correta seria essa explicação. O resultado, porém, de uma experiência ou de uma observação sempre será um enunciado singular e, pela ló- gica, diversos resultados de enunciados singulares favoráveis não podem provar con- clusivamente que uma hipótese é verdadeira, pois uma hipótese ou uma teoria são enunciados universais. Já o próprio Bacon afirmara que as inferências indutivas ja- mais confirmariam conclusivamente uma hipótese. A indução poderia somente fal- seá-la conclusivamente. Desse modo, de nada adianta a confirmação de centenas ou de milhares de casos a não ser para aqueles casos particulares28

. Isso significa que uma hipótese jamais pode ser confirmada, verificada ou comprovada em sentido positivo.

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