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POR QUE FREQUENTAM OU MANDAM SEUS FILHOS À ESCOLA: APRENDER A

2. Escola Indígena: conquistas e desafios

2.1. POR QUE FREQUENTAM OU MANDAM SEUS FILHOS À ESCOLA: APRENDER A

Buscando compreender a relação que os Bakairi da Aldeia Aturua mantêm com a escola, perguntamos inicialmente a alguns membros da comunidade por que mandam seus filhos à escola. As respostas dos pais se referiam principalmente “para ser alguém na vida”. Vejamos um trecho da resposta dada pelo senhor Ra.B.:

[...] Porque talvez ele possa ser alguém, porque eu queria que ele fosse alguma coisa na vida: que hoje em dia agora com o governo:: as coisas, né? não fica difícil pra arrumar algum serviço assim, né? Com ele. Aqui mesmo na aldeia, né? Aí eu falo pra eles, que eles vê a minha situação, né? Com que eu conto pra eles como foi que eu não pude:: ter condições que não podia pagar, nesse caso até eu tinha vontade. Aí uma vez nós encontrou essa professora, aí:: depois de dois anos, a ela disse que um de vocês vai ser alguma coisa bem adiantado. Então, veja aí, o meu companheiro ele passou em alguma coisa aqui e eu não tenho, não é que eu não tenho nem que ele não tinha e eles são alguma coisa na ALDEIA MESMO, né? E eu não.. aconselho isso aí não, eu falo, se você quiser pegar essas ferramentas, você quem sabe, aí você vai ver o que é bom, se é estudar, ou tomar sol assim, na roça e ai diz que a gente tá sentado tudo ai, mas têm sol e chuva, pra minha profissão DUREZA; aí, outra vocês estão vendo muito bem, vocês não trabalharão e vivi na minha casa e eu sustento muito bem. E tem que ter muita coragem pra trabalhar. meu filho que estuda [...]

(Ra.B., Masc., 53 anos, membro da comunidade).

estudou (e arrumou emprego) com a de quem não estudou e, consequentemente, não arrumou emprego. Pelo fato de não ter estudado, caracteriza a sua profissão e sua vida com: “dureza”, “ter muita coragem”, “não podia pagar” e “tomar sol e chuva”. Além disso, quem estudou é “alguma coisa na aldeia mesmo”. Com uma forte entonação na voz, demarca ao adjetivo “dureza” ao se referir a sua profissão. Da maneira semelhante, também destaca, ao elevar a entonação de voz, o fato de arrumar emprego na “aldeia mesmo”. Desse modo, em relação às dificuldades da vida, sua fala e, sobretudo, o destaque dado a essas duas palavras, evidenciam a distância entre quem estudou e quem não estudou. Ainda acrescenta, em relação ao governo que “diz que quem tem mais estudo tem mais”

Os alunos do EJA justificam o retorno à escola com “ir pra frente” com o estudo e “arrumar emprego”. Para eles, parar de estudar corresponde a “parar de evoluir”, “não ir para frente”. Resulta daí o fato de precisarem voltar a estudar e “irem para a frente”, “evoluir”. Um destaque pela entonação de voz é observado na fala de alguns desses alunos, principalmente, na fala da aluna Ei.B., ao enfatizar que sofreu muito e que o estudo está “levando muita gente pra frente”. Vejamos sua fala e a da aluna Da.B:

[...] Eu voltei a estudar por causa que.. SOFRI MUITO, né? Quando era nova assim eu não estudei, não tirei proveito pra estudar, fiquei parada, né? .. [...] Aí eu estou vendo agora que o estudo tá levando muita gente pra FRENTE, né? .. É a gente ver também que, a gente vive assim do estudo, né? Quando a gente quer trabalhar, quer arrumar um emprego, e tem que ter estudo, né?[...]

(Ei.B., Fem., 50 anos, EJA).

[..] Então a gente voltou pra estudar assim. Pensar e mais tarde vai precisar do/do estudo. Que vale mais é O ESTUDO, né? [...]

(Da.B., Fem., 45 anos, EJA).

As respostas dos jovens se assemelham às respostas dos pais. Suas respostas giraram em torno de: “arrumar emprego”, “melhorar a vida”, “ter mais oportunidade de trabalho”.

[...] É importante pra tudo, por que eu arrumo emprego. Vai ter mais oportunidades de trabalho. E como ele falou pra tentar melhorar a nossa vida. E pra tentar vencer e estudar na universidade, tentar vencer na vida e agradecer, né? A todo mundo que ajudou [...]

(Ar.B., Fem., 17 anos, EM).

Dados semelhantes foram coletados por Collet (2006), em que os Bakairi vão à escola para ser “alguém na vida”. Segundo a autora, “[...] a ideia de ‘ser alguém’ é recente na sociedade Bakairi e se refere a alcançar uma posição social superior, tendo sempre em mente atividades dos karaiwa [...]”. Além disso, para eles, através do estudo, terão acesso aos bens

materiais e simbólicos que desejam, sendo isso movido pelo desejo que os pais “se orgulhem” e que “a família possa ‘se desenvolver’, através de sua ajuda” (COLLET, 2006, p. 267).

Todos os alunos do Ensino Médio afirmaram que continuarão os estudos se formando em cursos como: Farmácia, Letras, Direito e curso ligado à área de informática. Um deles disse que, além de gostar de “mexer com computador”, gosta de “tocar em baile”. Outro comentou que deseja ser enfermeiro e “sabe jogar muita bola também”. Ao ser indagado se deseja ser jogador de futebol, afirmou que não, “só vai ser pra divertir”.

Diante de tais depoimentos, entendemos que “ser alguém” significa “evoluir” e sempre se relaciona a atividades dos karaiwa, pois nenhum dos membros da comunidade ou alunos relacionou a atividades como ser cacique, ser pajé como condição para “ser alguém”. Vale reiterar um trecho da fala do senhor Ra.B. mencionada anteriormente. Nesse trecho, o senhor Ra.B. faz uma comparação entre seu ‘companheiro’ que estudou e ele, por causa das dificuldades, parou de estudar ainda muito jovem.

[... ] então, veja aí, o meu companheiro ele passou em alguma coisa aqui e eu não tenho/não é que eu não tenho nem que ele não tinha: e eles são alguma coisa na ALDEIA MESMO, né? E eu não:: aconselho isso aí não [...] (Ra.B., Masc., 53 anos, membro da comunidade).

Percebemos algumas semelhanças ao confrontar essas respostas com as dadas, em outro estudo realizado por nós, junto aos Xavante. Foi indagado aos membros da comunidade, por que mandam seus filhos para a escola, as respostas se concentram em: para aprender, para saber mais, para aprender a letra. Foi investigado também por que eles precisam aprender. As respostas estavam vinculadas a arrumar trabalho, serviço. Alguns acrescentaram ainda que era para não depender mais do pai, para se sustentar. Uma entrevistada comentou que ‘antigamente’ xavante “só trabalhava na roça”, “pra ele tirar alimento, comida”. E sobre a escola na aldeia: suas falas sempre se referiram à importância, à aceitação da escola na aldeia e à facilidade que isso proporcionou, já que seus filhos não precisam sair da aldeia para estudar (LOPES, 2011).

Encontramos algumas semelhanças com as respostas dos jovens da pesquisa de Charlot (2005), uma vêz que para estes o estudar, ir à escola concederia a eles um tipo de direito, um emprego, “[...] sem qualquer referência ao saber propriamente dito [...]” (CHARLOT, 2005, p. 118). Assim,

[...] estamos, nesse caso, relação com a escola, com o saber e com o emprego, que é, como se queira, imaginário, mágico ou realista. É imaginário porque a atividade intelectual não tem sentido como tal; a ideia de saber não tem sentido como tal, mas a atividade profissional também é pouco conhecida, ela só tem sentido por seu status, por seu nível. Não

estamos mais em uma lógica da atividade nem escolar, nem profissional, mas em uma lógica do nível, da sobrevivência [...] (CHARLOT, 2005, p. 118).

No caso dos alunos Bakairi, a lógica de relação com o mundo dos karaiwa está em que, em suas opiniões, garantirá acesso a bens necessários à sua sobrevivência, já que o Bakairi que estuda tem mais condições de ter acesso a um emprego. O emprego, mesmo sendo na aldeia, é uma necessidade imposta pelo contato com os karaiwa e, ao mesmo tempo, única possibilidade de acesso aos bens necessários a sua sobrevivência, garantida pelo ‘civilizar-se’. Entretanto, os jovens e pais da pesquisa de Charlot (2005) relacionam o estudar, ou melhor, o ir à escola a ter um “bom emprego”. Os Bakairi não acrescentam o adjetivo “bom” antes da palavra “emprego”. Para eles, os Bakairi, é suficiente “arrumar um emprego”, pois isto já lhes garante o caminho para ser “alguém na vida”.

Ainda nessa perspectiva, observamos que Collet (2006) considera que, para os Bakairi, a escola e a conclusão do curso universitário lhes garantiria um “bom emprego”. Supomos que o acréscimo do adjetivo “bom” esteja mais relacionado à fala de alguns Bakairi que tiveram mais acesso às possibilidades criadas pelo estudo, assim, não basta ter um emprego, mas, de preferência, ele deve ser “bom”. Ou também pode ser que estejam diferenciando o “bom emprego” do trabalho realizado por alguns Bakairi, nas plantações ou com o gado nas fazendas vizinhas. Entretanto, não identificamos esse objetivo nas falas dos Bakairi da Aldeia Aturua.

Em continuidade, concordo com a referida autora, quando afirma que se inicialmente parece que estão rejeitando os costumes e valores que caracterizam a sociedade Bakairi, mas o que os move em direção “[...] a ‘ser alguém’ é exatamente o valor mais representativo da vida social bakairi: a família [...]” (COLLET, 2006, p. 267). Nesse aspecto as discussões de Heller (2008) acerca da particularidade, da genericidade e da relação, por exemplo, com o trabalho, reforçam nossos argumentos:

Também o genérico está contido em todo homem e em toda atividade que tenha caráter genérico, ainda que seus motivos sejam particulares, por exemplo, a atividade do trabalho, frequentemente tem motivações particulares, mas a atividade do trabalho (socialmente necessário) é sempre atividade do gênero humano [...] (HELLER, 2008, p. 21).

Percebemos mais algumas diferenças ou dados complementares nas questões observadas por Collet (2006). A primeira refere-se ao fato de que todos, inclusive as mulheres casadas, afirmam que continuarão estudando. A segunda diferença diz respeito às profissões, nas respostas obtidas por essa pesquisadora foram citadas Direito e seguir a carreira militar, o

que denota a influência que sofreram do período do SPI. Em nossa pesquisa, as profissões são mais variadas, conforme apontamos anteriormente, e a carreira militar não é citada por eles. Além disso, uma aluna disse que deseja ser professora de Inglês “na cidade”. Todos os demais almejam concluir o curso e trabalhar na aldeia. Outro aluno ainda se referiu a “[...] pesquisar fora, uma universidade [...]”.

Essas diferenças podem estar atreladas ao fato de que os debates e possibilidades em relação ao acesso aos grupos minoritários às universidades terem se intensificado na última década por meio dos financiamentos, das bolsas de estudos e, principalmente, pelas cotas. Assim, vislumbram mais possibilidades em concluir o ensino superior e garantir o acesso às condições que almejam dentro da sociedade nacional. Já em relação à afirmação sobre a pesquisa, pode ser devido à aproximação de pesquisadores que ingressam na área para realização de pesquisa, ou o discurso de “pesquisa” veiculado nos cursos de formação de professores, ou até as informações veiculadas na mídia, ou todas essas possibilidades.

Em complemento, suas falas não consideraram a escola na aldeia e a expansão das séries escolares como conquista, mas uma concessão do governo. Como exemplo, retomamos trecho do depoimento do senhor Ra.B, citado anteriormente, e do senhor Rn.B., aluno da EJA. [...] Porque talvez ele possa ser alguém, porque eu queria que ele fosse alguma coisa na vida: que hoje em dia agora com o governo:: as coisas, ele diz que quem tem mais estudo tem mais, né? não fica difícil pra arrumar algum serviço assim, né? [...]

(Ra.B., Masc., 53 anos, membro da comunidade).

[...] porque de hoje em dia, como meus colegas falaram aí que, que agora a gente não pode .. assim .. deixar de fazer uma coisa que a gente tem alcance de fazer. Então em primeiro lugar eu estudo, sem estudo ninguém não é nada de hoje em dia. A gente tem que saber fazer aquilo que é oferecido. Como:: como de hoje em dia agora. O governo tá mandando todas coisas em toda parte, em todo lugar, aonde, aonde não for. Então a gente não pode deixar de pegar aquelas coisa que é dado e mandado pelo governo. Então a gente tem que, tem que aproveitar enquanto a gente tá:: tá lutando, tá batalhando, trabalhando aqui, trabalhando ali, mas sempre te:: oportunidade, né? Então é isso que eu desejo, que eu tinha interesse de:: de estudar. [...]

(Rn.B., Masc., 45 anos, EJA).

Essa atribuição do crédito ao governo, em detrimento da luta dos professores e demais profissionais ligados à educação escolar indígena, também pode estar atrelada ao fato de que foram iniciadas, na última década, diversas ações governamentais que passam pelo discurso da diversidade e da inclusão, como a criação da modalidade Educação Escolar Indígena, as cotas, etc. Essas informações chegam muitas vezes sem uma reflexão do contexto no qual foram criadas/conquistadas. Exemplo disso é a veiculação dessas informações pela mídia.

apontamos a questão da aprendizagem. A autora considerou que, se por um lado atribuem muito valor à escola; por outro lado, alunos, pais e professores não tratavam os conteúdos escolares com a mesma importância atribuída à escola. Isso foi evidenciado inicialmente no fato de os alunos reclamarem por terem de fazer “as tarefas” ou “decorar” o conteúdo da prova. Também o hábito de ler ou estudar é um comportamento ainda muito distante das formas de aprendizados a que estão habituados. A autora, então, questiona: de onde vem o interesse dos Bakairi pela escola? Sua resposta vincula-se ao fato de que o ler, escrever e contar (conteúdos escolares) importam mais como parte da ‘performance de civilização’ do que enquanto conhecimento somente.

Além disso, coloca a hipótese de que, se a alfabetização fosse vista apenas como um conhecimento indispensável para a relação com ‘os brancos’, a escola não teria o lugar de destaque que ocupa na sociedade bakairi. Para a autora, esse destaque deve-se ao fato de que os “[...] conhecimentos por ela transmitidos são vistos para além de seu caráter técnico, a saber, pelo que representam enquanto sinal de civilização [...]” (COLLET, 2006, p. 275). Assim a diferença entre a pouca preocupação com o aprendizado de conteúdos escolares e a grande importância da escola é explicada pelo fato de os saberes veiculados pela escola terem valor mais por representarem um ideal de civilização que pela aplicabilidade em sua atividades cotidianas.

Acrescentamos o fato de o contexto de ensino ser tão importante quanto os conteúdos escolares na ‘performance’ da civilização’ cotidiana. Assim o fato de estar “[...] sentado estabelecendo relação com livros, professores, língua(gem) escrita, conteúdos ‘ocidentais’ é pensado também como instrumento indispensável de aprendizagem” (COLLET, 2006, p. 275). Deste modo, em suas coletas não são constatadas referências à questão do aprendizado dos conteúdos escolares como função da escola.

Entretanto, em nossa pesquisa, constatamos algumas referências nas falas dos alunos para a questão do conhecimento, do aprender, ainda que tais referências não sejam aprofundadas, e outras ainda reforcem “o arrumar emprego”. Vejamos o depoimento do jovem B.B.:

[...] Bom, eu.. Meu objetivo de vim pra escola é, primeiramente porque a educação de vocês, né? Que são brancos. Primeiramente nos temos educação indígena que nós recebemos em casa e a educação que a gente recebe na escola é bem diferente e vim em busca de melhoria de conhecimento, eu também decidi vim pra escola né? Aí vim pra cá pra poder terminar aqui o ensino médio, né? Fazer minha formatura, conhecer meus colegas. Então, mas eu também busco um conhecimento assim que sai, vai pesquisar fora, uma universidade aí pra poder ser contratado pra ter um emprego, né? E é isso, né? A educação pra mim é isso [...]

(B.B., Masc., 18 anos, EM, grifo nosso).

Já a senhora Z.B, aluna Ensino Médio, 58 anos, que parou de estudar aos dezesseis anos, afirma: “[...] Eu vim para a escola porque gosto de estudar... desde pequena que sempre.. com oito anos eu queria:: ir pra escola, né? Aí voltei a estudar, né? na oitava”. (Z.B., Fem. 52 anos, EM, Setembro de 2011).

A senhora Ma.B., 52 anos, aluna da EJA, afirma que voltou a estudar porque

[...] Eu voltei a estudar, porque queria estudar mais, né? Aprender muitas coisas porque eu tenho uma dificuldade, né? Então, eu quero aprender mais, né? Por que o que deixei pra traz, né? Tem que retornar, ai eu continuei a estudar de novo.. aprender alguma coisa, aprender um pouco a escrever, né? Então, é crescer, porque agora é:: e agora tá bom, porque tem o professor daqui mesmo, a gente estuda aqui na aldeia mesmo, né? Então tem que aproveitar essa oportunidade que:: estão dando, né? Ai pensei, já que eu estou em casa, né? Vou estudar mais[...]

(Ma.B., Fem., 52 anos, EJA).

Assim percebemos que, mesmo sem ser dada ênfase a alguns conhecimentos escolares específicos, eles, ao falarem por que vão à escola, referem-se também ao aprender, mesmo que, na maioria das vezes, atrelado ao “arrumar emprego”. Ainda uma aluna da EJA afirmou querer estudar, mesmo que não consiga um emprego:

[...] E quem não tem estudo não tem emprego, né? Mesmo que eu não vou ter emprego, mas pelo menos o estudo eu quero ter, né? ((risos )). Então, por isso que eu voltei a estudar no EJA, né? [...]

(Ei.B., Fem., 50 anos, EJA).

Entretanto, na escola, vinculam esse conhecimento/aprendizado ao ler, escrever, “aprender mais o português”. Somente um aluno relaciona a aspectos ligados à informática e às reportagens. Vejamos sua fala:

[...] A gente já aprende alguma coisa, aprende mais sobre a língua portuguesa, aí hoje em dia eu:: entendo mais sobre o português, aprendeu a escrever, né? Utiliza papel, pra carta também, né? A gente tem o computador também, né? Assiste TV, vê a reportagem pra saber o que tá passando, né? Tudo ficou mais perto [...] (B.B., Masc., 18 anos, EM).

Percebemos também que os alunos e os membros da comunidade entrevistados fazem questão de demarcar a fronteira entre o aprendizado na família e o aprendizado na escola. Assim, constatamos que, também, os Bakairi da Aldeia Aturua atribuem muito importância à escola. O ‘ir à escola” está vinculado mais ao “aprender a ser alguém na vida”, que possibilitará a manutenção e evolução de sua família e menos aos conhecimentos escolares

veiculados nessa instituição. Contudo, algumas mudanças sutis têm ocorrido no sentido de aproximação da função da escola como espaço de aprendizado dos conhecimentos escolares. À luz de Charlot (2005), concluímos que tanto as famílias como os jovens atribuem muita importância à escola “[...] porque sabem que não há outro jeito para os filhos saírem das dificuldades da vida” (CHARLOT, 2005, p. 67). Quanto ao aspecto de negatividade da escola, no que diz respeito a ela poder se constituir um obstáculo, a partir desses dados iniciais, constatamos a sua inobservância, haja vista os alunos e os membros da comunidade desejarem se inserir nesse “novo mundo”; no mundo da educação escolar.

Entendemos ainda queaprender é mudar. O acesso às séries escolares ou à conclusão de um curso universitário também ocasiona mudanças, pois se “[...] estou aprendendo coisas que têm sentido vou mudar minha visão de mundo, minha visão da vida. Pelo menos um pouco.” (CHARLOT, 2005, p. 71). Aprender na escola pode trazer elementos que podem questionar o cotidiano com todas as suas características, já que o pensamento científico promove certa transformação do cotidiano, mesmo que, na prática, o ser humano não rompa definitivamente com sua vida cotidiana. Então, levantamos as seguintes indagações: o que muda para o Bakairi após estudar? Como jovens e adultos veem essas mudanças? Tornam-se menos Bakairi? Será que no caso dos Bakairi, aprender é trair? Vejamos a seguir, em suas opiniões, o que muda após estudar em relação ao “ser Bakairi”.