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4 A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO E A

4.1 POSICIONAMENTO DA DOUTRINA SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO

A CRFB/88, em seu artigo 26, parágrafo 3º, reconhece a união estável como entidade familiar a ser protegida pelo Estado, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (BRASIL, 1988). Diante de tal redação, verifica-se que a existência desta estrutura de família mencionada pela Constituição suscita a indagação acerca do tratamento distinto conferido à sucessão do cônjuge e do companheiro pelo CC/2002 (NEVARES, 2014; TARTUCE, 2017).

Flávio Tartuce (2017, p. 244) se posiciona de acordo com o entendimento segundo o qual “[...] a união estável, assim como o casamento, constitui uma entidade familiar, base da sociedade, nos termos do art. 226, caput, do Texto Maior, não havendo hierarquia entre os institutos.” Se o casamento for compreendido como uma entidade familiar hierarquicamente superior à união estável e às outras entidades familiares, conforme Ana Luiza Maia Nevares (2014, p. 138), isto significa proteger prioritariamente os casados “[...] em rela o queles que constituem outras formas de entidades familiares, simplesmente porque celebraram o ato formal do matrim nio.”

Para Marcella Kfouri Meirelles Cabral e Daniela Antonelli Lacerda Bufacchi (2013, p. 33) a posição de inferioridade do companheiro com relação à do cônjuge é inegável justamente pela evidente distin o no te to constitucional, n o sendo ideal “[...] a redu o da prote o ao companheiro, quando da morte de seu convivente, principalmente quando se

imagina que o casal dividiu uma vida junto, cuidando e amando um ao outro, independentemente da e ist ncia do la o matrimonial.”

Salienta-se que, de maneira semelhante, Euclides Benedito de Oliveira (2009, p. 179) confirma a desigualdade entre os dois regimes sucessórios:

Nesse paralelo entre companheiro e c n uge, verifica-se, tamb m, sens el e in ustific el desvantagem daquele, em determinadas situa ões. Basta comparar os dispositi os em comento — art. 1.7 0, para o compan eiro, arts. 1.82 e 1.8 2, para o c n uge — para constatar o seguinte: a) o compan eiro nada receber sobre os bens particulares do outro (havidos antes da con i ncia, ou a t tulo gratuito), b) o compan eiro ter , pelo direito de concorr ncia, quota igual dos fil os comuns e somente metade da quota atribu da aos fil os e clusi os do autor da eran a. J para o c n uge, a participa o ser sempre igual ao valor da quota de cada descendente, com um acr scimo, pela garantia do m nimo da quarta parte da eran a quando a disputa se der com fil os comuns ao falecido e ao próprio c n uge sobre i o. Corrobora neste sentido, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2007, p. 57), para quem o artigo 1.790 é retrógado em comparação à legislação da década de 1990 (Lei n. 8.971/94 e Lei n. 9.278/96), podendo-se visualizar a discrepância do dispositivo na conduta do legislador ao “[...] recriar o pri il gio dos colaterais at o 4º grau, os quais passam a concorrer com o con i ente sup rstite na ª classe da ordem de oca o eredit ria.” A autora ainda enaltece que somente com a falta destes colaterais até o 4º grau será chamado o convivente supérstite para adquirir, por direito próprio, o total dos bens deixados pelo falecido (HIRONAKA, 2007).

Especificamente a respeito da concorrência do companheiro com os colaterais, disposta no inciso III, artigo 1.790, do CC/2002, assim posiciona-se Inacio de Carvalho Neto (2015, p. 188-189):

Trata-se de mais uma injustificável discriminação do companheiro em relação ao cônjuge, e, mais ainda, uma injustificável redução no direito hereditário do companheiro. Com efeito, neste inciso, o companheiro é preterido inclusive pelos colaterais, o que é um grande absurdo. Ademais, se o companheiro ou a companheira concorre só com pai ou só com mãe do de cujus ou com ascendentes de maior grau (avós, bisavós etc.), recebe apenas um terço, enquanto, se casado fosse, receberia metade da herança.

Ao se manifestar a respeito do artigo 1.790 do CC/2002, como um todo, Francisco José Cahali (2007, p. 180), por sua vez, esclarece que:

[...] a inclusão do direito sucessório de forma aleijada, como promovida pelo Código na versão que veio a ser publicada, [...] embora traga o companheiro sobrevivente à primeira classe de preferência para receber uma parte da herança, na falta de descendentes e ascendentes, a nova lei força caminho na contra-mão [sic] da

evolução doutrinária, legislativa e jurisprudencial elaborada à luz da Constituição Federal de 1988.

Desta forma, ao tratar da sucessão dos companheiros, sustenta Zeno Veloso (2010, p. 182-183) a necessidade de se reformar a Lei n. 10.406/2002:

absolutamente necess rio, insisto, que o Código Ci il se a reformado na parte que tratou da sucess o dos compan eiros, e venho dizendo isso desde a promulga o deste Código [...]. Se a fam lia, base da sociedade, tem especial prote o do stado; se a uni o est el recon ecida como entidade familiar; se est o praticamente equiparadas as fam lias matrimonializadas e as que se criaram informalmente, com a con i ncia p blica, cont nua e duradoura entre o omem e a mul er, a discrep ncia entre a posi o sucessória do c n uge sup rstite e a do compan eiro sobre i ente, al m de contrariar o sentimento e as aspira ões sociais, fere e maltrata, na letra e no esp rito, os fundamentos constitucionais.

Apesar das manifestações doutrinárias apresentadas acerca da inferioridade na sucessão decorrente da união estável em comparação àquela oriunda do casamento, a partir da leitura das obras de Carlos Roberto Gonçalves (2017) e Eduardo de Oliveira Leite (2009) verifica-se a ausência de uma posição pacífica entre os doutrinadores quanto à inconstitucionalidade do mencionado artigo 1.790 do CC/2002 (TARTUCE, 2013).

Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 194-1 5), por e emplo, afirma que “embora o tratamento díspar da sucessão do companheiro tenha resultado de op o do legislador e n o ofenda os c nones constitucionais, merece as cr ticas que l e s o endere adas [...]”; enquanto Eduardo de Oliveira Leite (2009, p. 58), por sua vez, enaltece que nunca foi intenção do § 3º, artigo 226 da CRFB/88 equiparar os institutos do casamento e da união estável, portanto, o artigo 1.790 da Norma Civilista trata da sucessão do compan eiro “[...] com cuidado, com cautela, com bom senso, qualidades perfeitamente encontráveis na proposta do constituinte de 1 88.”

Diante dos posicionamentos destacados, Flávio Tartuce (2017) explica que parte considerável da doutrina considera inconstitucional o dispositivo acerca do tratamento diferenciado da sucessão do companheiro em razão de sua quota sucessória somente incidir sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e também pelo fato de o companheiro somente auferir um terço da herança quando concorrer com os colaterais do falecido.

Levando-se em consideração esse contexto de manifestações doutrinárias divergentes e o fato de o já citado inciso III, artigo 1.790, do CC/2002, ainda estar vigente no ordenamento jurídico brasileiro, investiga-se a existência de posicionamento dos Tribunais de

Justiça dos Estados quanto à aplicação desta regra sucessória ou a declaração de sua inconstitucionalidade.

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