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A sucessão do cônjuge e do companheiro e a inconstitucionalidade do inciso III, artigo 1.790, do Código Civil de 2002: a posição dos tribunais estaduais

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GIOVANA DE NOVAES COSTA PEREIRA

A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO E A

INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO III, ARTIGO 1.790, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002:

A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS ESTADUAIS

Florianópolis 2017

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GIOVANA DE NOVAES COSTA PEREIRA

A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO E A

INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO III, ARTIGO 1.790, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002:

A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS ESTADUAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Patrícia Russi de Luca, Esp.

Florianópolis 2017

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Dedico esta monografia às minhas avós, Celina e Lígia, minhas estrelas protetoras, que continuam a me guiar independente do tempo e do espaço.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a meus pais, Flávia e Silas, por toda a compreensão, apoio e ternura não somente durante a confecção desta monografia, mas em toda a jornada desta segunda graduação no Curso de Direito da UNISUL. Não encontro palavras suficientes para expressar todo o amor e orgulho que sinto por ter vocês na minha vida. Obrigada por sempre acreditarem em mim.

À minha irmã, Simone, que mesmo morando tão longe sempre esteve muito presente, me inspirando com seu exemplo de superação, força e inteligência a continuar estudando e a nunca desistir dos meus projetos e sonhos. Obrigada por sempre me apoiar e me lembrar de que família quer dizer nunca abandonar ou esquecer.

Ao Arthur, a pessoa que me fez entender o verdadeiro significado da palavra companheiro: sua calma, paciência, afeto e descontração nas horas mais difíceis me fizeram seguir um dia de cada vez e foram essenciais na conclusão desta monografia. Obrigada por todo o seu amor e por ter me escolhido para seguirmos juntos nesta bela aventura que é a formação de uma família.

Às amigas que encontrei durante o percurso destes últimos anos, sem as quais não teria sido tão divertido e valoroso o aprendizado: à Aline, por sua generosidade e gentileza ao compartilhar comigo muitos momentos de estudo, alegria e de descontração; à Ana, por ser tão centrada, atenciosa, confiável e responsável, sempre respondendo às minhas dúvidas e partilhando de ótimos momentos na faculdade, nas aulas e no estágio; à Beatriz, por suas demonstrações de carinho, sua empolgação e competência na busca da superação, sempre se dedicando com tanta paixão ao estudo, sem o seu incentivo eu não teria feito minha inscrição para a prova da Ordem; à Daniela, por todo seu alto-astral e seu espírito guerreiro, persistindo na busca dos seus sonhos, ultrapassando obstáculos e me motivando sempre a continuar em frente; à Débora, por seu companheirismo e sua paciência, desde o primeiro dia de UNISUL sempre tão compreensiva e dedicada dentro e fora da sala de aula, minha dupla de tantas provas e trabalhos, sem sua calma e persistência não teria sido possível lograr o êxito alcançado; à Tanisa, por sua parceria no estágio e em tantas disciplinas, por sua bondade e primorosa educação, sempre tão sensível, mas, ainda assim, muito forte e cheia de vida.

Agradeço muito também aos demais amigos e familiares pelas palavras de encorajamento, carinho e por entenderem a importância deste trabalho para a conclusão de mais uma etapa intensa de estudos.

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Agradeço a todo o corpo docente da UNISUL pela participação na minha formação acadêmica, em particular às professoras Solange Büchele de S. Thiago e Luciana Faísca Nahas, cujas aulas ministradas nas disciplinas de Direito Constitucional e Direito das Sucessões, respectivamente, foram essenciais na escolha dos fundamentos que viriam a compor a escolha da pergunta de pesquisa desta monografia.

Dedico gratidão especial à orientação da Professora Patrícia Russi de Luca, pois sem os seus conselhos, suas correções, sua competência, seu jeito meigo e sua crença na minha capacidade produtiva não teria sido possível concluir com tanta dedicação o presente trabalho monográfico.

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“Os que acham que a MORTE é o maior de todos os males é porque não refletiram sobre os males que a INJUSTIÇA pode causar.” (Sócrates).

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RESUMO

A presente monografia busca verificar o posicionamento dos Tribunais estaduais a respeito da sucessão do cônjuge e do companheiro, com relação à inconstitucionalidade do inciso III, artigo 1.790, do Código Civil de 2002. No intuito de alcançar tal objetivo, utiliza-se como método de abordagem o pensamento dedutivo, viabilizado por meio das técnicas de pesquisa monográfica, documental, e de levantamento de dados, uma vez que são consultadas doutrinas, legislação de caráter constitucional e infraconstitucional, regimentos internos dos Tribunais de Justiça, e investigação nos endereços eletrônicos das Cortes estaduais. Parte-se da apresentação do instituto da sucessão no ordenamento jurídico e de como a discrepância entre os direitos do cônjuge e do companheiro supérstites motivam a discussão acerca da constitucionalidade deste tratamento diferenciado, tendo culminado na decisão preferida pelo STF no recurso extraordinário nº 878.694, em 10 de maio de 2017. Ao final, conclui-se que somente dez dos vinte e sete Tribunais estaduais do país manifestaram-se quanto ao tema em discussão, dos quais cinco ratificaram a inconstitucionalidade do dispositivo até o encerramento da discussão pela Corte Suprema, e a outra metade declarou sua constitucionalidade.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 12

2 SUCESSÃO NO DIREITO BRASILEIRO ... 14

2.1 SUCESSÃO EM GERAL ... 14

2.1.1 Sucessão legítima e testamentária ... 17

2.2 SUCESSÃO DO CÔNJUGE – ARTIGO 1.829 DO CC/2002 ... 20

2.2.1 Direitos sucessórios do cônjuge ... 21

2.2.2 Sucessão do cônjuge conforme o inciso III, artigo 1.829, do CC/2002 ... 23

2.3 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO - ARTIGO 1.790 DO CC/2002 ... 24

2.3.1 Sucessão do companheiro conforme o inciso III, artigo 1.790, do CC/2002 ... 28

2.4 PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO NO CC/2002 ... 30

3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 33

3.1 ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE ... 33

3.1.1 Formas de controle ... 35

3.2 CONTROLE CONCENTRADO ... 36

3.2.1 Ação direta de inconstitucionalidade genérica (ADI ou ADIn) interventiva (ADI interventiva) e por omissão (ADO) ... 38

3.2.2 Ação declaratória de constitucionalidade (ADC) ... 42

3.2.3 Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)... 43

3.3 CONTROLE DIFUSO ... 45

3.3.1 Cláusula de reserva de plenário ... 46

3.3.2 Arguição de inconstitucionalidade de modo incidental ... 48

3.3.3 Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso pelo STF ... 49

4 A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO E A INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO III, ARTIGO 1.790, DO CC/2002: A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS ESTADUAIS E O RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 878.694 ... 51

4.1 POSICIONAMENTO DA DOUTRINA SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO III, ARTIGO 1.790, DO CC/2002 ... 51

4.2 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS ESTADUAIS SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO III, ARTIGO 1.790, DO CC/2002 ... 54

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4.3 RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 878.694 E O POSICIONAMENTO DO STF SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO III, ARTIGO 1.790, DO CC/2002 62

5 CONCLUSÃO ... 68 REFERÊNCIAS ... 71 APÊNDICES ... 82 APÊNDICE A – COLETA DE DADOS REFERENTE À QUANTIDADE DE

JULGADORES E EXISTÊNCIA (OU NÃO) DE ÓRGÃOS ESPECIAIS NOS

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1 INTRODUÇÃO

A existência de famílias constituídas sem observância das normas solenes do casamento civil no Estado brasileiro motiva a discussão acerca do tratamento jurídico conferido à união estável, mais precisamente no que diz respeito ao instituto da sucessão em razão da morte (causa mortis). Trata-se de tema recorrente na doutrina e na jurisprudência, tendo, inclusive, sua repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em recurso extraordinário, possibilitando estabelecer como objetivo geral desta monografia responder à seguinte pergunta de pesquisa: qual o posicionamento dos Tribunais estaduais a respeito da sucessão do cônjuge e do companheiro, com relação à inconstitucionalidade do inciso III, artigo 1.790, do Código Civil de 2002?

Além disso, esse trabalho tem os seguintes objetivos específicos: apresentar o instituto da sucessão no ordenamento jurídico pátrio e as diferenças no regime sucessório do cônjuge e do companheiro; identificar as espécies de inconstitucionalidade e suas diferentes vias de arguição no controle de constitucionalidade brasileiro; e, articular o posicionamento da doutrina, dos órgãos especiais dos Tribunais estaduais e do STF no recurso extraordinário nº 878.694 com relação à inconstitucionalidade do inciso III, artigo 1.790, do Código Civil de 2002.

Desta forma, buscando atingir o propósito deste estudo, o método de abordagem utilizado é o pensamento dedutivo, pois parte do estudo das diferenças na sucessão do cônjuge e do companheiro para verificar o posicionamento dos Tribunais estaduais a respeito da inconstitucionalidade do dispositivo legal mencionado.

Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa, cujo procedimento monográfico é viabilizado a partir das técnicas de pesquisa bibliográfica em doutrinas, julgados e legislação, bem como por meio do levantamento de dados realizado nos sítios eletrônicos dos Tribunais estaduais brasileiros acerca da existência de posicionamento dos órgãos especiais ou, em sua ausência, dos tribunais plenos, de cada uma das Cortes quanto à inconstitucionalidade do inciso III, artigo 1.790, do Código Civil de 2002.

A presente monografia está organizada didaticamente em cinco capítulos, sendo o primeiro a introdução, três capítulos de desenvolvimento e, ao final, a conclusão.

O primeiro capítulo de desenvolvimento é responsável pela apresentação do instituto da sucessão no ordenamento jurídico e as principais diferenças no regime sucessório do cônjuge e do companheiro.

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O segundo capítulo de desenvolvimento identifica as espécies de inconstitucionalidade, suas diferentes vias de arguição no controle de constitucionalidade concentrado e difuso, bem como os efeitos produzidos pela declaração de inconstitucionalidade.

No terceiro capítulo de desenvolvimento encontra-se o cerne da monografia, indicando-se o posicionamento da doutrina, dos órgãos especiais dos Tribunais estaduais e, na sua ausência, do tribunal pleno, bem como a decisão proferida pelo STF no julgamento do recurso extraordinário nº 878.694 em 10 de maio de 2017.

O último capítulo é a conclusão do trabalho, etapa na qual são pontuados os conteúdos abordados ao longo do estudo, apresentados os resultados alcançados quanto à pergunta de pesquisa e sua contribuição para o meio acadêmico e científico, especialmente, no que tange ao âmbito do Direito Sucessório.

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2 SUCESSÃO NO DIREITO BRASILEIRO

Ao longo do presente capítulo apresenta-se o instituto da sucessão no ordenamento jurídico brasileiro e são esclarecidos termos específicos do Direito das Sucessões (ou Direito Sucessório), como a sucessão legítima e a sucessão testamentária. Distinguem-se, ainda, os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro1 supérstites previstos no Código Civil de 2002, bem como as principais diferenças entre a sucessão garantida aos casais resguardados pelo casamento e para aqueles cujo vínculo familiar deriva da união estável.

2.1 SUCESSÃO EM GERAL

A palavra sucessão, para Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 19), “em seu sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens”, enquanto Sílvio de Salvo Venosa (2017) apresenta o verbo suceder como sinônimo de substituir, descrevendo-o como o ato de se tomar o lugar de outrem no campo dos fenômenos jurídicos. Pode-se dizer, assim, que a sucessão configura a transmissão de bens, direitos e obrigações a outro titular (GONÇALVES, 2017; TARTUCE, 2017).

Em que pese a existência da sucessão por ato inter vivos, como, por exemplo, no contrato de doação de um bem, em que o donatário sucede ao doador nos direitos pertencentes a este; o Direito Sucessório, por sua vez, designa tão somente a transferência do conjunto de direitos, obrigações e bens, em decorrência da morte da pessoa natural (sucessão causa mortis) (TARTUCE, 2017), ao qual se dá o nome de herança, como explica Sílvio de Salvo Venosa (2017).

A morte simboliza o fim, o término da vida e da jornada do ser humano neste mundo. Do ponto de vista jurídico, quando entendida em sentido lato, “[...] a morte é um fato jurídico, ou seja, um acontecimento apto a gerar efeitos na órbita do Direito” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 33-34, grifo dos autores), importando no fim da pessoa física ou natural, como preconiza o artigo 6º da Lei nº 10.406/2002, a qual institui o Código Civil de 2002 - CC/2002. Com a morte desencadeia-se a abertura da sucessão, conforme estabelece o artigo 1.784 da mesma lei, e se inicia o estudo do Direito Sucessório (BRASIL, 2002).

1 No presente estudo o termo companheiro é utilizado de maneira genérica para tratar tanto do companheiro

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O tratamento individualizado conferido ao Direito das Sucessões, e previsto especialmente pelo Livro V do Código Civil, advém do princípio da hereditariedade, cujo surgimento remonta à Antiguidade Clássica, derivando da crença, da família e da continuação da propriedade, como explica Fustel de Coulanges (2004).

Com a morte do chefe da família (pater familias), tanto o culto aos antepassados quanto à propriedade deveriam ser transmitidos de varão para varão, pois com a continuidade da religião doméstica, o direito de propriedade também permaneceria (COULANGES, 2004). O Direito das Sucessões torna-se mais evidente a partir do Direito Romano, sendo a Lei das XII Tábuas a fonte normativa utilizada pelo pater familias para registrar seu interesse em conferir destino específico ao patrimônio após sua morte (GONÇALVES, 2017). Não havendo testamento, o ordenamento romano estabelecia regras próprias para a sucessão, envolvendo três classes de herdeiros conforme a seguinte ordem: sui, agnati, e gentiles. Na primeira classe estavam os filhos sob o pátrio poder, os netos e também a esposa; na segunda, os parentes mais próximos do falecido à época de sua morte; e, na terceira, os membros da mesma gens, ou seja, outras pessoas do mesmo grupo familiar (GOMES, 2015; GONÇALVES, 2017).

Assim como no Direito Greco-Romano, a vocação hereditária de primogenitura e varonia perpetuou-se em outras legislações e culturas ao longo do tempo em razão de questões pol ticas e sociais de consider el rele ncia, dentre as quais, destaca Sílvio Rodrigues (2003, p. 5), “o propósito de manter poderosa a fam lia, impedindo a di is o de sua fortuna entre os rios fil os.”

De acordo com Orlando Gomes (2015, grifo do autor), “no Direito germânico primitivo a sucessão baseava-se na compropriedade familiar, vindo, em primeiro lugar, os filhos varões e, em seguida, os irmãos do defunto, tios paternos e maternos.”

Na França, por sua vez, a partir de meados do século XIII, adotou-se instituição importada dos costumes germânicos pela qual tanto a propriedade quanto a posse da herança transmitiam-se aos herdeiros com o fim da vida do hereditando, conhecida como direito de saisine (droit de saisine) (GONÇALVES, 2017).

Influenciado pelas legislações francesa e germânica, o Direito Brasileiro aderiu ao princípio da saisine ao estabelecer uma ordem de vocação hereditária para se imitir o herdeiro na posse dos bens do falecido imediatamente, conforme explica Sílvio Rodrigues (2003, p. 14):

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A regra atual, consignando o princ pio da saisine, ou se a, a id ia [sic] de que a posse da eran a se transmite in continenti aos erdeiros, surgiu no direito franc s, para resol er uma situa o peculiar, e encontra seus mais antigos tra os em escritos do terceiro quartel do s culo III.

A ordem de vocação hereditária brasileira apresenta uma sequência específica de sujeitos aptos a suceder ao morto, tendo sido utilizado pelo Direito Pátrio, até 1907, o seguinte escalonamento: descendentes; ascendentes; colaterais até o décimo grau; cônjuge sobrevivente; e, por fim, o Fisco (GOMES, 2015).

Somente com o Decreto nº 1.839, de 31 de dezembro de 1907 (conhecido como Lei Feliciano Pena) alterou-se a ordem de vocação hereditária, ficando o c n uge sobre i ente em terceiro lugar, depois dos descendentes e dos ascendentes, e os colaterais na quarta coloca o, mas somente até o 6º grau de parentesco (VELOSO, 2010).

Com a promulgação da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, instituiu-se o Código Civil de 1916 – CC/1916, assentando-se o princípio de saisine no artigo 1.572: “aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (PEREIRA, 2017, p. 16).

Este instituto conservou-se mesmo com o advento da nova Lei Civil de 2002, referindo-se, contudo, somente à herança e não mais ao domínio e à posse, de acordo com a reda o do mencionado artigo 1.784: “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (BRASIL, 2002).

A partir das pontuais e sucintas informações históricas apresentadas acerca do Direito das Sucessões, devem-se destacar as duas figuras básicas presentes no estudo desta disciplina. A primeira, e principal personagem para a sucessão causa mortis, é o falecido, para o qual, de acordo com Flávio Tartuce (2017, p. 3, grifo do autor), “[...] tamb m s o utilizados os termos morto, autor da herança e de cujus (de quem), que simplifica a expressão aquele de quem a herança se trata.” Caio M rio da Silva Pereira (2017, p. 2), por sua vez, acrescenta como sin nimos “[...], sucedendo [...], defunto, falecido, antecessor, morto, finado, inventariado.”

O segundo sujeito na sucessão é o herdeiro ou sucessor, aquele que recebe ou adquire os bens do autor da herança (PEREIRA, 2017; TARTUCE, 2017). Apesar de os termos sucessor e herdeiro serem tratados como sinônimos, Caio Mário da Silva Pereira (2017) esclarece que, dependendo da modalidade sucessória, qualifica-se o herdeiro como legítimo ou testamentário atribuindo-se características específicas aos diferentes tipos de sucessão.

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2.1.1 Sucessão legítima e testamentária

Conforme mencionado, a sucessão na Antiguidade Clássica estabeleceu duas diferentes maneiras básicas de se transmitir o patrimônio com a morte da pessoa natural: pela norma legal ou pela disposição de última vontade (COULANGES, 2004; GONÇALVES, 2017).

Assim como no período Greco-Romano, a sucessão no Brasil decorre tanto da lei quanto da manifestação do desejo do falecido, conforme estabelece o artigo 1.786 do CC/2002 (BRASIL, 2002): “a sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.” Desta forma, a sucessão legítima no Brasil é aquela na qual se apresenta a ordem de vocação hereditária numa tentativa de presumir a vontade do autor da herança; enquanto na sucessão testamentária, o falecido expressa sua última vontade por meio de um ato jurídico negocial especial, denominado testamento (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017; TARTUCE, 2017).

Ao comentar o artigo 1.786 da Norma Civilista, Eduardo de Oliveira Leite (2009) explica a preferência do legislador pela sucessão legítima, em detrimento da testamentária, em razão da realidade social nacional, visto que num país latino-americano no qual as pessoas mal conseguem se alimentar, muito menos acumular patrimônio, a sucessão legítima torna-se muito mais comum do que a sucessão testamentária, típica de nações economicamente abastadas.

Mesmo não sendo a regra na sociedade brasileira, cabe destacar que a Lei Civil, no artigo 1.857, assegura a todas as pessoas capazes a liberdade de testar, ou seja, de dispor juridicamente de seu patrimônio, ou de parte dele, após sua morte (BRASIL, 2002). Por isso a sucessão testamentária também é conhecida como sucessão voluntária, baseando-se nas disposições de última vontade feitas pelo de cujus em seu testamento (LEITE, 2009; VENOSO, 2003).

Assevera Zeno Veloso (2003, p. 1, grifo do autor) que “obser ados os limites e as formas previstas em lei, a vontade consciente e livre do testador é forte e bastante para regular a sua sucessão, afastando as normas legais (dispositivas) que, na falta do testamento, iriam reger a sucessão causa mortis.” Da mesma forma, Maria Berenice Dias (2013) alerta para o fato desta liberdade testamentária não ser absoluta, uma vez que o testador somente poderá escolher o destino de todos os seus bens se não houver herdeiros necessários, caso contrário, será operada a sucessão legítima.

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A sucessão hereditária legítima, prevista entre os artigos 1.829 a 1.856 do Código Civil vigente, tem na lei a sua fonte imediata, por isso Orlando Gomes (2015) a denomina de sucessão legal. Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 157), por sua vez, esclarece que a sucessão legítima pode ser “[...] denominada ab intestato, a que opera por força de lei e que ocorre em caso de inexistência, invalidade ou caducidade de testamento e, também, em rela o aos bens nele n o compreendidos.”

Diante da expressão ab intestato, explicada por Inocêncio de Galvão Telles (1996, p. 102 apud TARTUCE, 2017, p. 8) como sendo a “sucessão do intestado, daquele que não testou”, verifica-se o caráter subsidiário da sucessão legítima em relação à sucessão testamentária; entendimento positivado na redação do artigo 1.788 do CC/2002: “morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo” (BRASIL, 2002).

A sucessão legítima tem origem na ideia de transmissão do patrimônio dentro da mesma família e, por isso, segundo Sílvio de Salvo Venosa (2017, p. 4), o legislador determina uma ordem de sucessores privilegiando os parentes, [...] “no caso de o falecido não ter deixado testamento, ou quando, mesmo perante a existência de ato de última vontade, este não puder ser cumprido.”

Percebe-se que diante da ausência de testamento, ou sendo este inaplicável, com a morte do autor da herança o conjunto de bens, direitos e obrigações a ele pertencentes em vida transmitem-se imediatamente aos seus sucessores, nos termos do já citado artigo 1.788 da Lei nº 10.406/2002 (BRASIL, 2002).

O artigo 1.789 do CC/2002 (BRASIL, 2002), por sua vez, prevê: “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”, indicando em sua redação a existência dos chamados herdeiros necessários, os quais não se confundem com os herdeiros legítimos mencionados no artigo 1.829 do mesmo diploma legal, como explica Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 158, grifo do autor):

Na classificação dos herdeiros legítimos, distinguem-se os necessários, também denominados legitimários ou reservatários, dos facultativos. Herdeiro necessário é o parente e o cônjuge com direito a uma quota-parte da herança, da qual não se pode ser privado. No atual Código ostentam tal título os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. A parte que lhes é reservada pela lei e que constitui a metade dos bens do falecido chama-se legítima. A existência de tais herdeiros impede a disposição, por ato de última vontade, dos bens constitutivos da legítima ou reserva.

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Estabelece o artigo 1.845 da Lei Civil (BRASIL, 2002): “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”, enquanto o artigo subsequente determina pertencerem “aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima” (BRASIL, 2002). Assim, caso existam herdeiros necessários, a estes a lei lhes assegura, ao menos, metade dos bens da herança, confirmando o entendimento acerca da inafastabilidade, em parte, desta classe de herdeiros da sucessão; enquanto, segundo Sílvio de Salvo Venosa (2017, p. 124), “a outra metade dos bens é livre para o testador dispor como lhe aprouver.”

Ao mencionar os diferentes herdeiros, há necessidade de retomar o que já foi explicado sobre a ordem de vocação hereditária e como esta relação preferencial instituída pela lei afeta a sucessão e se opera a transmissão do patrimônio do de cujus.

Conforme dispõe o artigo 1.829, a sucessão legítima defere-se na seguinte ordem: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais (BRASIL, 2002).

Considerando a existência dessas classes de herdeiros (descendentes, ascendentes, cônjuge e colaterais), Mario Roberto Carvalho de Faria (2013) pontua como princípio da preferência de classes a exclusão das demais se houver herdeiros na classe anterior. A partir deste entendimento, compartilhado também por Eduardo de Oliveira Leite (2009, p. 261), “con ocam-se os herdeiros segundo a ordem legal, de forma que uma classe só será chamada quando faltarem herdeiros da classe precedente.” Diante disto, caso haja filhos, netos ou bisnetos do finado, por exemplo, não serão chamados à sucessão os pais do falecido (LEITE, 2009).

O direito de preferência, no qual a classe de herdeiros mais próxima exclui as demais, de acordo com Maria Berenice Dias (2013, p. 138, grifo da autora), “[...] é quebrado pelo direito de concorrência, que assegura ao cônjuge e ao companheiro o direito de participar da eran a ao lado dos erdeiros antecedentes.” Entretanto, enquanto o cônjuge concorre diretamente com os descendentes (filhos, netos, bisnetos) e os ascendentes (pais, avós e bisavós) do finado, operando-se a sucessão de acordo com o artigo 1.829 do CC/2002; o companheiro concorre, também, com os colaterais (irmãos, tios, sobrinhos e primos), ou seja, todos os parentes sucessíveis (DIAS, 2013).

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Diante desta premissa, cabe verificar o tratamento conferido pela Lei Civil à sucessão legítima do cônjuge e do companheiro sobreviventes, no intuito de determinar as principais diferenças entre elas.

2.2 SUCESSÃO DO CÔNJUGE – ARTIGO 1.829 DO CC/2002

O cônjuge, durante a vigência do CC/1916, não era considerado herdeiro necessário, uma vez que o artigo 1.721 da referida legislação garantia somente aos descendentes ou aos ascendentes o direito de receber a legítima (metade dos bens do autor da herança). Na Lei Civil de 1916, portanto, o cônjuge sobrevivente figurava apenas como herdeiro facultativo, podendo ser afastado da sucessão por mera disposição testamentária (LEITE, 2009).

Com o advento da Norma Civilista de 2002, o cônjuge foi duplamente favorecido, visto ter sido incluído na classe dos herdeiros necessários e compartilhado o posicionamento das duas primeiras classes preferenciais, concorrendo com os descendentes e os ascendentes, conforme o já mencionado artigo 1.829 (CABRAL; BUFACCHI, 2013; CARVALHO NETO, 2015). Neste sentido, Sílvio de Salvo Venosa (2017, p. 124) complementa:

A regra geral estabelecida no ordenamento é que os mais próximos excluem os mais remotos, ou seja, havendo descendentes do falecido, não serão chamados os ascendentes, e assim por diante. Tal regra veio a sofrer algumas exceções, com leis posteriores ao Código de 1916 [...]. O atual diploma civil introduz a posição de vocação hereditária concorrente do cônjuge em propriedade, juntamente com os descendentes sob determinadas condições e juntamente com os ascendentes.

Em razão dessa alteração na ordem de vocação hereditária, o cônjuge sobrevivente não pode mais ser excluído da sucessão pelas classes anteriores, salvo nos casos de indignidade2, com previsão nos artigos 1.814 a 1.818 no CC/2002; e deserdação3, estabelecida nos artigos 1.961 a 1.965 do mesmo diploma (GONÇALVES, 2017).

2 A indignidade está relacionada a graves ofensas morais e/ou físicas praticadas pelos herdeiros ou legatários

contra o autor da herança, tendo previsão legal a partir do artigo 1.814 do CC/2002 (BRASIL, 2002). Por abordar casos de exclusão na sucessão legítima e na testamentária, estabelece o art. 1.815 da Lei n. 10.406/2002 a necessidade de haver declaração por sentença da indignidade (BRASIL, 2002).

3 A deserdação é a possibilidade de o testador afastar fundamentadamente da sucessão legítima os herdeiros

necessários. O testamento deve expressar claramente o motivo para aplicação de tal instituto, dentre os quais, além das hipóteses de indignidade, encontram-se: ofender fisicamente, injuriar gravemente, manter relações ilícitas com o cônjuge do autor da herança ou desamparar parente (em linha reta) com grave enfermidade ou problema mental (DIAS, 2013).

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Eduardo de Oliveira Leite (2009) justifica a inovação do posicionamento do cônjuge na sucessão pela intenção de se favorecer a pessoa que partilha a comunhão de vida e também os interesses da sociedade conjugal, os quais não desaparecem com o fim do casamento pela morte. Dessa maneira, para se reconhecer o direito do cônjuge sobrevivente à sucessão, é necessário que, ao tempo da morte do outro, não estejam separados judicialmente ou de fato há mais de dois anos, tendo em vista que “a dissolu o da sociedade con ugal acarreta a aus ncia de legitimidade do c n uge para suceder”, como destaca Ana Luiza Maia Nevares (2015, p. 91).

Não estando separado ou divorciado à época de sua viuvez, deve-se verificar a existência de herdeiros nas outras classes para auferir a parte da legítima ao cônjuge sobrevivente, pois concorre ao lado dos descendentes e ascendentes, mas sucederá sozinho se não houver integrantes das classes anteriores (CARVALHO NETO, 2015).

2.2.1 Direitos sucessórios do cônjuge

Estabelece o artigo 1.829 do CC/2002 que o cônjuge somente não concorre com os herdeiros na primeira classe (descendentes) quando os consortes escolhem o regime de comunhão universal de bens, previsto nos artigos 1.667 a 1.671 do CC/2002; ocorrer a aplicação do regime de separação obrigatória de bens do artigo 1.641 do mesmo diploma legal; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares (BRASIL, 2002).

Destaca Maria Berenice Dias (2013) a necessidade de se identificar o regime de bens do casamento quando ocorrer o falecimento, pois os direitos sucessórios não se confundem com a meação a qual, de acordo com Caio Mário da Silva Pereira (2017), o cônjuge já tem direito nos regimes de comunhão enquanto o outro ainda vive, sendo a morte apenas um termo para possibilitar a discriminação e individualização dos bens, permitindo identificar a metade pertencente a cada um.

No caso da separação obrigatória de bens, também chamada de separação legal, por se tratar de imposição determinada pela própria lei em casos taxativos4, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017, p. 213) entendem que diante deste regime de bens

4 O artigo 1.641 do Código Civil de 2002 prevê a obrigatoriedade do regime da separação de bens no casamento

para as pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento (determinadas no artigo 1.523 deste mesmo diploma legal), para a pessoa maior de 70 anos e para todos que dependerem, para casar, de suprimento judicial (BRASIL, 2002).

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“[...] n o a eria sentido em se deferir uma comun o de bens após a morte”, embora o Supremo Tribunal Federal tenha sumulado entendimento no sentido de se comunicarem os bens adquiridos na constância do casamento regido pela separação obrigatória5.

Em se tratando da comunhão parcial de bens (regime previsto entre os artigos 1.658 e 1.666 do CC/2002), o cônjuge não é tratado como herdeiro se o autor da herança não dispunha de bens particulares à época do seu falecimento. Desta forma, Sueli A. de Pieri (2014, p. 45) entende que “o c n uge sobre i o somente erda se casado no regime de comun o parcial de bens quando o de cujus possuir bens particulares, ou se a, aqueles adquiridos anteriormente ao casamento, que n o fazem parte do acer o do casal, denominada mea o.”

Pelo exposto, então, caso haja descendentes, diante de um casamento regrado pelo regime de comunhão universal de bens, pela separação obrigatória (legal) ou pela comunhão parcial de bens (se o autor não deixou bens particulares), o cônjuge sobrevivente não é considerado herdeiro.

Classifica-se o cônjuge como herdeiro concorrente ao lado dos descendentes do falecido no caso de núpcias contraídas diante de pacto firmado nos regimes de separação convencional de bens, cuja previsão legal se encontra nos artigos 1.687 e 1.688 do CC/2002; na participação final dos aquestos, estabelecida nos artigos 1.672 e seguintes da Lei n. 10.406/2002; ou da comunhão parcial de bens, diante da existência de bens particulares do falecido à época da abertura da sucessão (GOMES, 2015).

No que diz respeito à concorrência do cônjuge supérstite com os descendentes do autor da herança, destacam-se os dizeres de Sílvio Rodrigues (2003, p. 98):

Sendo poss el a concorr ncia dos descendentes com o c n uge, obser adas, portanto, as ressal as do art. 1.82 , I, e os requisitos do art. 1.8 0, caber ao c n uge quin o igual ao dos que sucederem por cabe a, n o podendo a sua quota ser inferior quarta parte da heran a, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer (CC, art. 1.832). [...] Se, por e emplo, o casal tin a tr s fil os, e falece o marido, a eran a ser di idida, em partes iguais, entre a i a e os fil os. or m, se o falecido deixou quatro filhos, e tendo de ser reservado um quarto da heran a para o c n uge sobre i ente, os tr s quartos restantes ser o repartidos entre os quatro filhos.

Desta forma, quando todos os descendentes do falecido estiverem no mesmo grau (todos são seus filhos, netos, bisnetos, trinetos), e o cônjuge supérstite for ascendente daqueles

5 A S mula nº 77 do STF assim dispõe: “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na

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(mãe, pai, avô, avó, bisavô, bisavó), o Código Civil lhe assegura, pelo menos, quinhão igual ao da quarta parte dos bens herdados (RODRIGUES, 2003).

Por outro lado, caso o cônjuge sobrevivente não seja ascendente dos descendentes do autor da herança, tal limite não será observado, e a herança é dividida igualmente com os que recebem por cabeça, nos termos do artigo 1.832 do CC/2002 (NADER, 2016). Se, todavia, concorrer com descendentes comuns e descendentes exclusivos do morto, Sílvio de Salvo Venosa (2017) entende pela aplicação da garantia mínima da quarta parte em favor do cônjuge, apesar de também alertar para o fato de não haver consenso na doutrina quanto a esta hipótese em particular.

Enquanto o regime de bens mostra-se definitivo para o deferimento da sucessão do cônjuge diante dos descendentes, segundo Maria Berenice Dias (2013, p. 167, grifo da autora), “quando concorre com os ascendentes, desimporta o regime de bens. O direito do sobrevivente existe sempre, fazendo jus à parte do acervo sucessório do cônjuge falecido [...]”. Neste caso, o cônjuge percebe um terço da herança quando ambos os pais do autor da herança estiverem vivos; e metade, se apenas um deles viver ou se os ascendentes forem de segundo grau ou superior, por disposição do artigo 1.837 da Lei n. 10.406/2002 (BRASIL, 2002).

Independe também do regime de bens adotado pelos consortes o direito real de habitação previsto no artigo 1.831 da Lei Civil de 2002 (BRASIL, 2002). Tal garantia é, segundo Marcella Kfouri Meirelles Cabral e Daniela Antonelli Lacerda Bufacchi (2013, p. 26), direito personalíssimo e tem como objetivo “[...] proteger o c n uge sup rstite para que tenha moradia, tendo em ista e entual condom nio criado entre este e os descendentes ou ascendentes do falecido [...]”, evitando, assim, que lhe seja tirada a posse do imóvel. Em sentido contrário, Orlando Gomes (2015) entende não haver o direito real de habitação se houver mais de um imóvel residencial a ser inventariado, como na situação em que a família reside em casa própria, mas o autor da herança era proprietário de outros bens imóveis.

2.2.2 Sucessão do cônjuge conforme o inciso III, artigo 1.829, do CC/2002

Uma vez atendidos os pressupostos dos artigos 1.830 e 1.838 do CC/2002, quais sejam, não estar o cônjuge sobrevivente separado judicialmente ou de fato há mais de dois anos e diante, ainda, da falta de descendentes e ascendentes do autor da herança, a sucessão legítima será deferida ao consorte supérstite por inteiro, verificando-se, assim, a concretização da disposição expressa no inciso III do artigo 1.829 da Lei n. 10.406/2002 (BRASIL, 2002).

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Na terceira classe o cônjuge é o único herdeiro, pois não há quinhão para dividir, inclusive, no entendimento de Mário Roberto Carvalho de Faria (2013, p. 119), todos os bens do c n uge falecido podem estar gra ados com cl usula de incomunicabilidade que esta “[...] se extingue com o óbito do gravado.”

Conforme visto anteriormente, se o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação mesmo diante da concorrência com os descendentes, em consonância com o disposto no artigo 1.831 do CC/2002, por não haver outros herdeiros necessários, não só o cônjuge permanece com o direito real de habitação sobre o bem imóvel residencial, mas herda todos os outros bens do falecido, salvo se o autor da herança dispor de metade de seus bens em testamento ou houver a exclusão da sucessão pelas causas de indignidade e deserdação (NEVARES, 2015).

Cabe lembrar ainda que também resta ao consorte supérstite a meação, não abrangida pelo direito sucessório, ou seja, em se tratando de um cônjuge casado em comunhão universal de bens, comunhão parcial (quanto ao patrimônio adquirido durante o casamento), e no regime de participação final nos aquestos (relativamente aos bens advindos de forma onerosa na constância do casamento), recebe a meação (metade de tudo) e, por ser o único herdeiro, fica com a outra metade, até então pertencente ao autor da herança (RIZZARDO, 2015).

2.3 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO - ARTIGO 1.790 DO CC/2002

O companheiro, diferente do cônjuge, adquire seu status no ordenamento jurídico não por meio do casamento, mas pela união estável: entidade familiar caracterizada pela relação prolongada entre o homem e a mulher6 com intenção de constituir família, tendo sua proteção reconhecida pelo Estado no parágrafo 3º, artigo 226, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 (BRASIL, 1988).

A partir da edição da Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994, juntamente com a Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, que regulamentou o mencionado dispositivo constitucional, foi assegurado aos companheiros, dentre outros direitos, o de herdar (GONÇALVES, 2017). Neste mesmo sentido, Sílvio Rodrigues (2003, p. 116-117) esclarece

6 Com o julgamento de procedência da Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 4277 (ADI 4277), houve o

reconhecimento no Brasil da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável prevista no parágrafo 3º do artigo 226 da CRFB/88 (BRASIL, 2014).

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que, “em mat ria de sucess o, a Lei n. 8.971/94 – com os complementos da Lei n. 9.278/96 – equiparou, praticamente, a união estável e o casamento.”

Apesar dos benefícios trazidos pelas mencionadas Leis durante a vigência do CC/1916, o companheiro, diferente do cônjuge, não se encontra no rol de herdeiros necessários estabelecido pelo artigo 1.845 do CC/2002, tendo sua sucessão regulada por outro dispositivo da Lei n. 10.406/2002, qual seja, o artigo 1.790:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança (BRASIL, 2002).

Constata-se que a referida norma está colocada entre as disposições gerais do Direito das Sucessões no Código Civil, pois, conforme informa Flávio Tartuce (2017), a união estável foi incluída na nova legislação civilista nos últimos momentos de sua elaboração e, por este mesmo fato, o companheiro não consta na ordem de vocação hereditária como herdeiro necessário, mas, ainda assim, é entendido como um sucessor legítimo.

A partir da leitura do caput do artigo 1.790 da Lei Civil percebe-se como a participação do companheiro na sucessão incide somente sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, utilizando-se como base de cálculo, tanto para determinar a meação quanto para identificar a quota sucessória concorrente, os aquestos7 (DIAS, 2013).

Assim, Sílvio de Salvo Venosa (2017) destaca a necessidade de, primeiro, se definir, no caso concreto, quais bens adquiridos durante a união entram na sucessão e quais são excluídos da divisão; e, segundo, verificar se os companheiros regularam suas relações patrimoniais por contrato escrito, estabelecendo outro regime de bens que não a comunhão

7 Por aquestos devem ser entendidos os bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, durante a vigência da união

estável. O regime de participação final dos aquestos encontra-se regulamentado nos artigos 1.672 a 1.686 do Código Civil, estabelecendo a cada cônjuge os direitos sobre os bens particulares até a data do casamento, bem como aqueles adquiridos a qualquer título após a solenidade (BRASIL, 2002). No entanto, de acordo com este regime de bens, quando ocorre o fim da sociedade conjugal (pelo divórcio ou pela morte) são repartidos pela metade, os bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, durante a vigência do casamento (BRASIL, 2002).

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parcial, pois este é aplicado na ausência do aludido documento, como determina o artigo 1.725 do CC/2002 (BRASIL, 2002).

Levando-se em consideração esta massa de bens sobre a qual incidem os direitos sucessórios do companheiro, alerta Ana Luiza Maia Nevares (2015, p. 115) para as possíveis injustiças decorrentes da restrição legal imposta pelo artigo 1.790 do CC/2002:

Basta pensar numa pessoa que só ten a bens adquiridos antes da uni o, ou somente ten a adquirido bens a t tulo gratuito, como eran a ou doa o, e i a durante muitos anos em uni o est el. uando essa pessoa falecer, seu compan eiro nada receber . A eran a caber por inteiro aos demais parentes sucess eis e, o pior, n o os a endo, esta ser acante e pertencer por inteiro ao stado (CC/02, art. 1.844). Por outro lado, para Marcella Kfouri Meirelles Cabral e Daniela Antonelli Lacerda Bufacchi (2013), apesar de concordarem com o fato de haver limitação na participação do companheiro à herança, defendem haver para o convivente mais direitos que, por exemplo, um cônjuge casado pelo regime da comunhão parcial de bens, quando, em concorrência com os descendentes do falecido, este não deixar bens particulares; pois o consorte somente terá direito à meação, mas não será herdeiro, nos termos do inciso I do artigo 1.829 do CC/2002 (BRASIL, 2002).

A situação hipotética apresentada não é escolha aleatória, uma vez que, como ressalta Mario Roberto Carvalho de Faria (2013, p. 138), “n o a endo contrato escrito dispondo de outra forma, aplica-se à união estável as regras concernentes ao regime da comun o parcial de bens”, a qual está regulamentada nos artigos 1.658 a 1.666 da Lei n. 10.406/2002 (BRASIL, 2002).

Então, quando o companheiro concorre com os filhos8 do autor da herança com o qual conviveu sem contrato de união estável, conforme previsão do inciso I do já mencionado artigo 1.790 do CC/2002, tem direito sucessório a uma quota dos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável equivalente à que por lei é atribuída aos filhos (BRASIL, 2002). Quanto a esta hipótese, Flávio Tartuce (2017, p. 262, grifo do autor) faz a seguinte ressalva:

Como antes exposto, nos termos da correta leitura do inciso I do art. 1.790 do Código Civil, se o companheiro concorresse com descendentes comuns (de ambos),

8 O artigo 1.790 do Código Civil faz expressa menção à palavra filhos, contudo, Caio Mário da Silva Pereira

(2017) elucida no sentido de que a referência correta é descendentes comuns, e não filhos comuns. O Enunciado n. 266 da III Jornada de Direito Civil também segue por este mesmo viés (JORNADAS DE DIREITO CIVIL I, III, IV E V, 2012).

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teria direito a uma quota equivalente à que por lei fosse atribuída ao descendente. Por outra via, conforme o inciso II do mesmo diploma legal, se o companheiro concorresse com descendentes só do autor da herança (descendentes exclusivos), tocar-lhe-ia metade do que couber a cada um destes.

Pela disposição do inciso II do artigo 1.790 do CC/2002, informa Inacio de Carvalho Neto (2015, p. 186) que se o companheiro “[...] concorrer com descendentes apenas do autor da herança, então, havendo, por exemplo, dois filhos somente do de cujus, os bens comuns serão divididos em duas partes e meia, ficando cada filho com uma parte e o companheiro com meia parte.”

Destaca-se que o inciso I e o inciso II do artigo 1.790 do CC/2002 mencionam a sucessão do companheiro diante dos filhos comuns e dos exclusivos do autor da herança respectivamente. No entanto, há omissão legislativa no que diz respeito à existência simultânea de descendentes comuns e exclusivos do finado, como pontua Eduardo de Oliveira Leite (200 , p. 74): “n o ou e pre is o legal para a hipótese, mas tudo indica que a solução pode ser encontrada no inciso II do mesmo art. 1.7 0.”

Apesar do posicionamento de Eduardo de Oliveira Leite quanto ao tema, bem como o de outros autores, como Zeno Veloso (2010, p. 176), compreendendo que “[...] diante da concorrência do companheiro com descendentes comuns e exclusivos do falecido, de e pre alecer o disposto no inciso II do art. 1.7 0, cabendo ao compan eiro sobre i ente, ent o, a metade do que couber a cada descendente do autor da eran a [...]”; outra parte da doutrina sustenta, como Sílvio de Salvo Venosa (2017), a aplicação do inciso I do art. 1.829 do CC/2002 nesta situação, ou seja, diante de descendentes exclusivos e de filiação híbrida, a herança deve ser dividida igualmente entre eles, incluindo o companheiro.

Maria Berenice Dias (2013, p. 185), por sua vez, afirma existirem várias propostas e soluções doutrinárias para tal lacuna, entretanto, vem prevalecendo posição pela “[...] composição entre as duas hipóteses legais, de modo a preservar o direito do sobrevivente sem desrespeitar a norma constitucional que impede a discriminação entre filhos (CF 227, § 6º).” Trata-se de complicados cálculos matemáticos que levam em consideração se a maioria da prole é comum, e, neste caso, o companheiro deve receber proporcionalmente; enquanto, se for superior o número de descendentes exclusivos, menor deve ser o quinhão do convivente supérstite (DIAS, 2013).

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2.3.1 Sucessão do companheiro conforme o inciso III, artigo 1.790, do CC/2002

Diante da concorrência com outros parentes sucessíveis, o companheiro tem direito a um terço da herança, enquanto aos demais cabem os outros dois terços, conforme disposição do inciso III do artigo 1.790 do CC/2002 (BRASIL, 2002).

Dentre os parentes sucessíveis, aos quais faz menção o inciso III, encontram-se os ascendentes, sem limitação de grau (pais, avós, bisavós, etc.), e os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, tios-avôs, sobrinhos-netos e primos) respeitando-se, contudo, a ordem de convocação do artigo 1.829 do CC/2002 (NEVARES, 2015; VELOSO, 2010).

Presume-se, então, o seguinte: estando vivos à época do falecimento tanto os pais do companheiro quanto seus avós, os primeiros seriam herdeiros de dois terços dos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável e o um terço restante seria do convivente supérstite, enquanto os avós não teriam direito sucessório sobre tais bens, pois o grau mais próximo exclui o mais distante.

Antes de aprofundar o estudo sobre o referido inciso III, cabe relembrar que, pela redação do caput do artigo 1.790 do CC/2002, o companheiro somente tem direito de herdar os bens adquiridos a título oneroso durante a constância da união estável (PIERI, 2013), independente de haver pacto escrito determinando outro regime de bens que não o da comunhão parcial de bens, como pontua Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 195): “[...] a concorr ncia se dar ustamente nos bens a respeito dos quais o compan eiro meeiro.”

Acerca desta constatação, e com base na redação do dispositivo em comento, o direito sucessório apresenta-se vantajoso ao compan eiro, se comparado situa o do c n uge, quando só ou er bens obtidos onerosamente durante a con i ncia, uma vez que, como e plica uclides de Oli eira (200 , p. 176), “d -se a cumula o, para o compan eiro, dos direitos de mea o e de eran a, pois o art. 1.7 0 manda aplicar a concorr ncia sobre tais bens, sem qualquer ressal a.”

Apesar desta situação específica, na qual a posição do convivente é mais vantajosa que a do cônjuge nas mesmas condições, o inciso III do artigo 1.790 do CC/2002, para Inacio Car al o Neto (2015, p. 18 ), “trata-se de mais uma injustificável discriminação do companheiro em relação ao cônjuge, e, mais ainda, uma injustificável redução no direito hereditário do companheiro.”

Seguindo este raciocínio, no que diz respeito à preterição do companheiro na sucessão, inclusi e pelos colaterais, complementa S l io Rodrigues (200 , p. 11 ) que “a lei n o distinguiu, de forma que na concorr ncia com esses outros parentes sucess eis, seja um

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ascendente do de cujus, se a um primo ou um tio-a do falecido, o compan eiro receber a mesma quota: um ter o da eran a.” Assim, esclarece Maria Berenice Dias (2013, p. 191, grifo da autora):

Na concorrência com só um dos pais, este fica com 2/3, e o companheiro somente com a terça parte. Mesmo quando os ascendentes forem de graus mais distantes (avós ou bisavós do falecido), também recebe o companheiro 1/3. [...] Assim, se os herdeiros forem os quatro avós e o falecido vivia em união estável, o parceiro vai receber 1/3 da herança, enquanto cada um dos quatro avós, 1/6. E, se forem dois avós paternos e um materno, este recebe 1/3 e cada um dos avós paternos, 1/6. Zeno Veloso (2010), por sua vez, traz o exemplo de uma união estável na qual, sem haver aquisição onerosa de bens durante a convivência, falece o companheiro, dono de vários imóveis adquiridos antes da vigência da união estável, e seu primo se habilita como único herdeiro de todos os bens do de cujus (diante da ausência de outros parentes em linha reta). Neste caso, ao primo caberá toda a herança do falecido, uma vez que o convivente supérstite não tem direito hereditário sobre os bens exclusivos do autor da herança.

Entretanto, ressalva Mário Roberto Carvalho de Faria (2013), que o companheiro não tem o direito real de habitação sobre o imóvel que servia de residência aos conviventes, como confere ao cônjuge o artigo 1.831 do CC/2002, apesar de o parágrafo único do artigo 7º da Lei n. 9.278/96 expressamente prever este direito ao companheiro sobrevivente, desde que não constitua nova união estável ou venha a se casar (BRASIL, 1996).

A discussão acerca do direito real de habitação do companheiro é retomada por Flávio Tartuce (2017) ao apresentar as duas correntes doutrinárias concernentes ao assunto. A primeira, à qual se filiam Mário Roberto Carvalho de Faria (2013) e também Inacio de Carvalho Neto (2015), alega que o silêncio do legislador quanto ao mencionado direito caracteriza a intenção de não incluí-lo no rol das garantias dos companheiros, afirmando, inclusive, que o CC/2002 teria revogado tacitamente a Lei n. 9.278/96. A segunda corrente, por outro lado, não acredita na revogação tática da mencionada Lei da União Estável e utiliza como argumento de peso a prevalência do direito real de habitação ao convivente em razão da proteção constitucional da moradia9, fundamentada no artigo 6º da CRFB/88 (TARTUCE, 2017).

9 O Enunciado n. 117da I Jornada de Direito Civil apresenta o seguinte te to: “o direito real de abita o de e

ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/1996, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6.º, caput, da CF/1 88” (JORNADAS DE DIREITO CIVIL I, III IV E V, 2012).

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Retomando os apontamentos no tocante à concorrência do companheiro com os demais parentes sucessíveis do falecido, verifica-se retrocesso promovido pelo CC/2002 quanto à regulamentação da sucessão entre companheiros, pois a Lei n. 8.971/94 em seu artigo 2º, inciso III, colocava o convivente supérstite à frente dos demais colaterais na sucessão do de cujus (CABRAL; BUFACCHI, 2013; GONÇALVES, 2017), enquanto a nova regra privilegia os parentes que podem nem ter contato com o falecido, como no exemplo do primo trazido por Zeno Veloso.

Compartilha deste posicionamento, Ana Luiza Maia Nevares (2015, p. 120), ao afirmar tratar-se “[...] de uma e trema in usti a, uma ez que o compan eiro sobre i ente – aquele que compartil a a a ida com o falecido – receber apenas um ter o da eran a compreendida pelos bens adquiridos onerosamente na ig ncia da uni o est el [...]”. Da mesma forma, Marcella Kfouri Meirelles Cabral e Daniela Antonelli Lacerda Bufacchi (2013) citam a falta de sensatez do legislador quando se trata de estabelecer a concorrência entre o convivente e os colaterais até o quarto grau, uma vez que, durante a vida do autor da herança, quem apoiou e auxiliou moral e materialmente não foram os demais familiares, mas o companheiro. Somente diante da inexistência de parentes sucessíveis o companheiro fará jus à totalidade da herança, como preconiza o inciso IV do artigo 1.790 do CC/2002, assumindo lugar semelhante ao do cônjuge na sucessão do artigo 1.829 do mesmo diploma (BRASIL, 2002).

Ante esta breve explanação acerca da concorrência do direito sucessório do companheiro com os demais parentes sucessíveis (ascendentes e colaterais até o quarto grau), prevista no inciso III do artigo 1.790, é possível identificar as principais diferenças entre a sucessão do cônjuge e do companheiro no CC/2002.

2.4 PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO NO CC/2002

Levando-se em consideração a existência de regras distintas para regulamentar a sucessão do cônjuge e a do companheiro, uma vez que o primeiro observa os ditames do artigo 1.829 do CC/2002 e o segundo as diretrizes do artigo 1.790 do mencionado diploma legal, cabe apresentar as principais diferenças entre os dois regimes sucessórios no CC/2002.

Nota-se que o tratamento dispensado ao compan eiro no plano sucessório , no entendimento de Euclides de Oliveira (200 , p. 16 ), “[...] bem diverso e, em certos aspectos, muito inferior ao dispensado ao c n uge i o.” Nesta perspectiva, compartilha da mesma

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opinião Zeno Veloso (2010, p. 161), para o qual “[...] a sucessão dos companheiros, que era regulada nas citadas Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, em disciplinada no art. 1.7 0 do Código Ci il, que representa um retrocesso se comparado com a legisla o anterior [...]”.

Basta notar, segundo uclides de Oli eira (200 , p. 16 ), “[...] que o c n uge tem direito de abita o no imó el residencial dei ado pelo falecido e para o compan eiro n o se pre o mesmo direito, em sens el retrocesso anterior pre is o da Lei n. 9.278/96, art. 7º, par grafo nico”, apesar de, como mencionado anteriormente, o Enunciado n. 117 do Conselho da Justiça Federal esclarecer o dever de se estender ao companheiro tal direito (JORNADAS DE DIREITO CIVIL I, III IV E V, 2012).

Superada a discussão acerca do direito real de habitação na sucessão legítima no presente estudo, verificam-se os demais pontos do tratamento díspar da sucessão do companheiro com relação ao cônjuge, conforme os destaques de Carlos Roberto Gonçalves (2017) quais sejam: a limitação da sucessão do companheiro aos bens adquiridos onerosamente na const ncia da uni o est el; a distin o na concorrência com descendentes exclusivos (só do autor da eran a) ou comuns ( a idos da uni o entre o autor da eran a e o companheiro); e a questão da concorr ncia com os colaterais.

No que diz respeito à participação limitada do companheiro aos bens adquiridos onerosamente durante a constância da união estável, Caio Mário da Silva Pereira (2017, p. 14 ) destaca que “a Lei nº 8.971/94 não circunscrevia o direito sucessório do companheiro apenas a bens com tais caracter sticas”, ent o, a partir da disciplina pela qual o artigo 1.7 0 do CC/2002 estabelece o direito hereditário do companheiro, revogam-se neste sentido os dispositivos a esse respeito na Lei n. 8.971/94, conforme entendimento de Sílvio de Salvo Venosa (2017). Então, ainda que seja livre aos companheiros a escolha de outro regime de bens para regulamentar sua entidade familiar, como permite o artigo 1.725 do CC/2002, os direitos sucessórios continuam restritos ao patrimônio adquirido de forma onerosa na vigência da união estável, deixando-se de fora, por exemplo, as doações (VELOSO, 2010).

Outra diferença a ser destacada entre a sucessão do cônjuge e do companheiro refere-se à falta de norma expressa no sentido de conferir ao convivente o status de herdeiro necessário, considerando-se que o artigo 1.845 do CC/2002 é categórico ao contemplar somente os descendentes, ascendentes e o cônjuge. Entretanto, mesmo situando o convivente em patamar inferior ao dos colaterais, o artigo 1.850 do CC/2002 menciona a possibilidade de o testador excluir da sucessão somente os herdeiros colaterais, sem indicar o companheiro; entendendo-se estar resguardada a sua quota hereditária neste sentido (NADER, 2016; NEVARES, 2015).

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No tocante ao quinhão hereditário garantido ao cônjuge e ao companheiro, o artigo 1.832 do CC/2002 confere ao consorte sobrevivente, pelo menos, a quarta parte da herança cabível aos descendentes com os quais concorrer; ao passo que o convivente supérstite, em concorrência com os descendentes comuns, terá direito a uma quota equivalente a deles e, se os descendentes forem exclusivos do autor da herança, somente herdará a terça parte dos bens adquiridos onerosamente no período da duração da união estável, segundo os incisos I e II do artigo 1.790 do mesmo diploma (BRASIL, 2002).

Outra distinção entre os regimes sucessórios do artigo 1.829 e do artigo 1.790 do CC/2002 pode ser percebida pela comparação da posição do cônjuge e do companheiro na ordem de vocação hereditária: o primeiro não concorre com os parentes colaterais, enquanto o segundo, sim (GONÇALVES, 2017; VELOSO, 2010).

Tendo por base o exposto, pode-se dizer que, em comparação com a sucessão decorrente do casamento, as principais diferenças sucessórias na união estável são: a falta da previsão do direito real de habitação, o qual tem que ser resgatado na Lei 9.278/96, art. 7º; a distinção dos quinhões hereditários; a inexistência da garantia de um quarto da herança (como é direito garantido ao cônjuge em concorrência com os descendentes); a concorrência com os colaterais; e a falta de regulamentação da condição de herdeiro necessário ao companheiro (NAHAS, 2015).

Todos estes pontos levam a uma discussão de constitucionalidade quanto à diferença no tratamento sucessório outorgado ao companheiro, especialmente no que diz respeito à concorrência com os demais parentes sucessíveis, prevista no inciso III do artigo 1.790 do CC/2002, tendo em vista que a CRFB/88, no artigo 226, parágrafo 3º, assegura às entidades familiares a igualdade (DIAS, 2013).

Diante de tal celeuma, o capítulo seguinte apresenta os parâmetros utilizados pela legislação brasileira para que uma norma seja considerada constitucional ou inconstitucional, tanto diante de uma possibilidade abstrata, quanto na iminência do direito subjetivo, ou seja, a partir da análise de uma situação concreta.

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3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Considerando-se a existência do debate acerca da constitucionalidade nos regimes sucessórios do cônjuge e do companheiro, o presente capítulo busca identificar as espécies de inconstitucionalidade, suas diferentes vias de arguição no controle de constitucionalidade concentrado e difuso, bem como os efeitos produzidos pela declaração de inconstitucionalidade a partir de decisão proferida em sede de recurso extraordinário.

3.1 ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE

A Constituição de um Estado é considerada a sua regra fundamental, o meio pelo qual se busca estabelecer ordem e conformação à realidade política e social, organizando os principais elementos estatais, tais como: o sistema de normas jurídicas que regula a forma de Estado e de governo, o modo de aquisição e exercício do poder, os direitos e garantias fundamentais; enfim, trata-se da soma entre o ser e o dever ser da realidade do Estado. (HESSE, 1991; SILVA, 2014).

A superioridade da CRFB/88 decorre de sua rigidez, característica advinda de seu aspecto formal, assim entendido o processo especial de revisão pelo qual foi submetido o texto constitucional. Esse processo confere estabilidade suficiente à Constituição para compatibilizar o controle de constitucionalidade, ou seja, a norma constitucional encontra-se no topo da hierarquia jurídica e as demais normas inferiores (leis, decretos-leis, regulamentos, etc.) devem estar de acordo com o regramento da Lei Suprema (BONAVIDES, 2012; MENDES, 2012).

Tendo por base o princípio da supremacia da Constituição, devem as demais normas e situações jurídicas coadunar-se com seus princípios e conceitos. Caso seja desrespeitada a CRFB/88, surgem as inconstitucionalidades, as quais, segundo José Afonso da Silva (2014, p. 49, grifo do autor), podem ser de duas esp cies: “[...] a inconstitucionalidade por ação (atuação) e a inconstitucionalidade por omissão (art. 102, I a, e III, a, b e c, e art. 10 e seus §§ 1º a º)”.

A inconstitucionalidade por ação, à qual se refere José Afonso da Silva (2014, p. 4 ), surge a partir do “[...] fato de que do princ pio da supremacia da constitui o resulta o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as de grau superior [...]”.

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Assim, tecnicamente, se as normas inferiores (como as leis ordinárias, decretos e resoluções) forem incompatíveis verticalmente com a Constituição, manifesta-se a inconstitucionalidade das leis ou dos atos do Poder Público sob dois aspectos: o formal ou o material (SILVA, 2014).

O controle formal está relacionado à técnica, sendo um controle estritamente jurídico, pois, no entendimento de aulo Bona ides (2012, p. 08) possibilita “[...] examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes [...]”.

Desta forma, o controle formal refere-se apenas aos vícios de procedimento na criação da lei ou do ato normativo, seja pela violação de regra de legitimidade, pressupostos, elaboração ou configuração final da norma (MENDES, 2012). Trata-se de controle cujo ob eti o se firma na “[...] obser ncia da regularidade na reparti o das compet ncias ou para estabelecer nos sistemas federativos o equilíbrio constitucional dos poderes [...]”. (BONAVIDES, 2012, p. 309). Como exemplo de uma inconstitucionalidade formal, pode-se mencionar uma emenda constitucional aprovada sem, contudo, respeitar o quórum especial necessário de três quintos dos votos em cada Casa do Congresso Nacional, como determina o parágrafo 2º do artigo 60 da CRFB/88 (BRASIL, 1988).

Enquanto o controle formal se preocupa com a inconstitucionalidade na forma dos atos normativos ou das leis, a inconstitucionalidade material, também chamada de vício material, diz respeito à falta de adequação da matéria regulamentada pela norma aos preceitos ou princípios constitucionais. Para fins exemplificativos, toma-se como hipótese a edição de uma lei estabelecendo a prisão perpétua: por mais que houvesse respeito às regras procedimentais de elaboração desta espécie normativa, há defeito no seu conteúdo, pois afronta o disposto na alínea b, inciso XLVII, artigo 5º, da CRFB/88, que proíbe a criação deste tipo de pena (DANTAS, 2015).

No tocante à mencionada inconstitucionalidade por omissão, esta se caracteriza pela ausência da prática do ato legislativo ou administrativo para que o direito abarcado na norma constitucional possa produzir todos os efeitos pretendidos pelo constituinte. Sem estes atos normativos infraconstitucionais, a aplicabilidade das normas constitucionais que não forem autoexecutáveis fica defasada, como é o caso do exercício do direito de greve dos servidores públicos, previsto no inciso VII, artigo 37, da CRFB/88 (DANTAS, 2015; SILVA, 2014).

Referências

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