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Outro ponto em destaque no discurso republicano, nas ilhas, foi a valorização da Razão que estava intimamente associada ao desenvolvimento científico, pois passou a valorizar-se somente o que era possível comprovar pela ciência. O discurso pedagógico manifestou mesmo, algum desprezo por todo o saber dogmático e todo aquele que não fosse demonstrado pela observação e pela experiência.

Pela análise dos periódicos a discussão centrou-se, essencialmente, na oposição entre Religião e Ciência ou Fé e Razão, constituindo um infindável discurso, em que a igreja era identificada com a Fé e os republicanos com a Razão. Chegaram a travar-se contendas inúteis onde republicanos e religiosos pareciam reivindicar o seu poder e autoridade, um sobre o outro.

Segundo a imprensa religiosa, a igreja não se considerava incompatível com o conhecimento racional e dizia aceitar o conhecimento científico desde que este não fosse levado ao extremo. O jornal San Miguel contrapunha-se à posição assumida pela

Revista Pedagógica sempre que esta defendia o cientismo na educação e muitas vezes

manifestou-se criticamente em relação a este domínio. Segundo o periódico citado, “a atração pelo cientismo afastava o Homem da crença no sobrenatural” e o desenvolvimento da sociedade passava a depender apenas da ação deste. No entanto, afirmava que apenas contestava a valorização do ensino prático, científico e racional por alegar tratar-se de “um fenómeno de deificação da ciência” e que esta era colocada em foco como se fosse o objeto da felicidade suprema.

O cientismo, na conceção spenceriana defendida pelos republicanos, colocava a fé no valor educativo da ciência. Inspirados pelo positivismo, os republicanos apenas aceitavam o conhecimento científico como o único possível para a compreensão da

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realidade. De forma concreta e não abstrata, as crianças deveriam, portanto, seguir os métodos de observação e experiência de forma a compreender a manifestação dos fenómenos físicos e naturais.

Para os republicanos, a religião tornava-se incompatível com o progresso, pois este dependia apenas da vontade e ação do Homem enquanto interveniente da sociedade. Joaquim Tristão, em A Voz do Professor, na Terceira, reforçava a importância do raciocínio na formação geral do indivíduo, tendo afirmado que sem ele, “nunca conseguiria senão indivíduos, moral e intelectualmente deformados”. Debatia com frequência, que os programas exaustivos e pouco atrativos não recorriam à componente prática.Também Joaquim Tristão, no mesmo periódico, manifestou que a criança para se satisfazer era necessária a motivação para prender a sua atenção e isso só era possível se fosse de encontro à sua natural forma de ser e estar:

A creança não se satisfaz com palavras: quer ver, quer tocar. Alem disso como a sua atenção é pouco duradoura, é preciso prendel-a sem a cançar, o que só se pode conseguir com o ensino pratico. (A Voz do Professor, 1909, n.º 1).

A Revista Pedagógica dirigida pela professora Evelina de Sousa, em S. Miguel, também terá sido opositora à prática de um ensino que assentava apenas na memorização, direcionado para indivíduos destituídos de qualquer espírito crítico. A escola tradicional não cativava as crianças e não conquistava a sua confiança, sujeitando-as a longas horas de concentração permanente porque se educava apenas a memória, estagnando a inteligência das crianças. Estas levavam demasiado tempo com a aprendizagem das primeiras letras e quando se encontravam aptas a ampliar os conhecimentos através do prosseguimento dos estudos, verificava-se que não tinha sido desenvolvida a capacidade de observação e iniciativa, a dedução e a memória, de uma

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forma racional e subordinada à vida social. Francisco Faria e Maia reconheceu nas páginas do mesmo periódico, que a memória também poderia ser cultivada mas apenas como faculdade retentora dos conhecimentos à qual não deveria dar-se grande predomínio.

Na Terceira, Ávila Júnior designava a escola tradicional como “um espaço de trevas” não só por falta de condições pedagógicas, mas porque predominava o ensino teórico e, ao contrário, considerava a escola moderna um espaço onde “tudo é luz” porque nela todo o ensino é prático. Sobre a escola tradicional ainda acrescenta:

A escola é como um deserto sem oasis: neste ou o viandante morre sem o ter transposto, ou se o chega a transpor fica doente; nella ou a creança estaciona ou fica peor do que quando entrou (A Voz do Professor, 1909, n. º1).

Nesta afirmação é bem visível a importância que tinha, para Ávila Júnior, a questionação dos factos, o poder do ensino prático que, ao contrário do teórico/livresco, obrigava as crianças a assimilar sem colocar dúvidas e exemplificava com a metodologia francesa que mostrava conhecer. Daí, a necessidade de criação de uma escola que soubesse cativar as crianças para as atividades escolares, baseada num ensino capaz de proporcionar o desenvolvimento integral. Só um ensino prático e científico poderia combater o ensino tradicional livresco dominante, impondo uma nova atitude pedagógica. Na imprensa das ilhas, a propagação desta nova atitude caraterizava-se, fundamentalmente, pelo ataque ao autoritarismo dogmático e religioso; pela imposição das noções aos alunos condenados ao papel passivo de meros recetores; pela utilização exaustiva da memória, em vez de despertar no aluno as faculdades de elaboração que o conduziria à descoberta dos seus próprios conhecimentos e valorização da ciência.

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O conceito pedagógico que então despontara encaixava-se, na perfeição, no modo de pensamento republicano e muitas das correntes e doutrinas europeias serviram como fundamento filosófico ao republicanismo – o positivismo social de Auguste Comte, o positivismo evolucionista de Herbert Spencer, o racionalismo de Durkheim. Também um dos princípios da Escola Nova era o desenvolvimento do espírito crítico, através da aplicação do método científico, baseando o ensino em factos e experiências, na atividade pessoal da criança e nos seus interesses (Nóvoa 1995, p.32).

O método da Cartilha Maternal de João de Deus difundido como o método mais eficaz para o combate ao analfabetismo pela imprensa republicana também foi defendido por se opor ao ensino empírico tradicional. Embora não se tratasse de um método verdadeiramente científico assentava, fundamentalmente, na racionalidade e não na memorização, permitindo a criação de “espíritos livres”, não só relativamente à aprendizagem da leitura, mas com aplicação a todas as outras matérias e em todos os domínios. Concluindo, o saber científico era, portanto, incompatível com o saber teórico-livresco que tinha por base a memorização e que não cedia espaço para a questionação, que tanto caraterizava o “velho” sistema escolar.

Na “nova escola” deveriam imperar novos valores e uma nova organização social não de influência católica, mas de influência positivista, inspirada em Durkheim. Deste modo, e contrariamente ao saber dogmático, deveria valorizar-se o saber prático e racional com base na observação e comprovação científica.

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