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Ainda que os sentidos dos textos não possam ser contidos pelo professor, Júlio Cortázar (2006) versa que há de se ter o conhecimento sobre a importância de se selecionar e limitar um acontecimento que seja significativo, capaz de atuar no leitor como uma espécie de abertura, que projete a inteligência e a sensibilidade em direção a algo que vai muito além do argumento literário contido no texto, no nosso caso o conto.

No tocante a essa característica percebida no conto, que viabiliza uma relação que transcende o espaço real e o imaginário, Nadia Battella Gotlib (1990, p. 153) elucida que “[u]m conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa explosão de energia que ilumina bruscamente algo que vai muito além da pequena e às vezes miserável história que conta”. Mediante a isso, compreendemos que o conto, para ser significativo, deve romper barreiras e precisa ter uma abertura, a fim de alcançar e envolver o leitor em um processo de leitura sem superficialidade, em um universo profundo que ultrapasse o contato físico com a obra.

No que se refere à significação “implícita” no conto, Cortázar (2006, p. 66) afirma que “o excepcional é a marca da qualidade literária que torna alguns contos inesquecíveis para quem os lê”. Sobre a relevância de o conto portar elementos apreciáveis em sua narrativa, podemos erroneamente supor, que, para o conto obter êxito sobre o leitor, é preciso abordar um tema extraordinário. No entanto, Cortázar (2006) nos esclarece que o tema do conto não necessariamente deve ser incomum; ao contrário, pode ser uma história trivial e cotidiana, desde que submetida a uma forma literária, a qual possibilita ao leitor diferentes percepções,

seja por todo um fermento, seja por toda uma projeção em profundidade. No que tange a isso, o autor defende:

Um mesmo tema pode ser profundamente significativo para um escritor, e anódino para outro; um mesmo tema despertará enormes ressonâncias num leitor e deixará indiferente a outro. Assim, pode-se dizer que não há temas absolutamente significativos ou absolutamente insignificantes. O que há é uma aliança misteriosa e complexa entre um escritor e um tema num dado momento, assim como uma aliança entre um conto e o leitor. (CORTÁZAR 2006, p. 155).

Em síntese, um conto é significativo quando quebra seus próprios limites e essa significação se vê determinada em certa medida por algo que está fora, antes e depois do tema. O que está antes é o escritor, com a sua carga de valores humanos e literários; o que está depois é o tratamento literário do tema e da maneira como sua projeção atinge o leitor.

Relativo às características atribuídas ao gênero conto, há uma concepção simplista de que sua qualidade primordial é o fato de ser pouco extenso. Entretanto, um conto é curto porque, mesmo tendo uma ação longa a mostrar, sua ação é melhor mostrada em uma forma contraída. Relativo a essa capacidade de constrição do conto, a autora Angélica Soares (2004, p. 54), em sua obra Gêneros literários, ressalta que

O conto aparece como uma amostragem, como um flagrante foi instantâneo, pelo que vemos registrado literalmente um episódio singular e representativo. Quanto mais concentrado, mais caracteriza com arte de sugestão, resultante de rigoroso trabalho de seleção e de harmonização dos elementos selecionados e de ênfase no essencial.

O fato de o conto dispor de ínfima extensão textual, consequentemente propiciar uma leitura mais rápida, em nada afeta o processo de leitura e/ou desabona seu valor literário. Pelo contrário, sua brevidade favorece a relação do leitor com a obra, como cita Edgar Allan Poe: “no conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção, seja qual ela for” (apud GOTLIB, 1990, p. 34). Durante a hora da leitura atenta e posterior a ela, a alma do leitor está sob o controle do escritor. Poe também aponta, segundo Gotlib (1990), que a concisão do conto faz com que não haja influência externa ou extrínseca que resulte em cansaço ou interrupção. Desse modo, percebemos que a leitura ocorre muitas vezes de forma fluida e espontânea.

De acordo com Ricardo Piglia (2004 p. 91), “[o] conto é um relato que encerra um relato secreto. Não se trata de um sentido oculto que dependa de interpretação: o enigma não é outra coisa senão uma história contada de um modo enigmático”. Em razão disso, o autor

aclara que o relato possui como núcleo básico o tempo e as condições materiais de trabalho; dessa forma, o conto é um tratado sobre a economia da arte:

A arte de narrar é a arte da percepção errada e da distorção. O relato avança segundo um plano férreo e incompreensível, e perto do final surge no horizonte a visão de uma realidade desconhecida: o final faz ver um sentido secreto que estava cifrado e como que ausente na sucessão clara dos fatos. (PIGLIA, 2004, p. 103).

Concordamos com a concepção de que a leitura favorece uma experiência e consequentemente uma relação significativa entre o leitor e a obra. Por isso, ambicionamos com esta pesquisa que a prática leitora, por meio do letramento literário, alcance o vínculo literário dessa relação e ao mesmo tempo transforme o leitor pela narrativa.

Para Machado (2001, p. 135), o ato de narrar “é um processo complexo, elaborado a partir de um mergulho em experiências alheias e convívio com o outro, mecanismos próprios da linguagem narrativa, da linguagem poética e da linguagem expositiva, e até da retórica”. De igual modo, a autora esclarece que o ato de contar histórias permitiu à humanidade expressar subjetividade, objetividade, linearidade, causalidade, simultaneidade, contribuindo para o compartilhamento de saberes. Portanto, o feito narrativo constitui-se fator relevante na arte literária, pois permite associar e desassociar, unir e distanciar, por meios de representações verossímeis, como enfatizado pela autora:

Mais que isso, os primeiros narradores fizeram com que os ouvintes dessas histórias pudessem perceber como havia pessoas diferentes deles, e como eram todos tão parecidos em outras coisas, às vezes até mesmo iguaizinhos. Mesmo, muitas vezes, vivendo em circunstâncias e locais distintos. (MACHADO, 2001, p. 130).

Deduzimos, então, que a aproximação do aluno com o gênero literário conto propiciada pelo professor pode permitir que partilhe novas experiências em sua vida escolar e social, abarcando experiências individuais e coletivas. Isso se dá visto que esse gênero abrange uma variedade de conteúdos culturais, éticos, políticos e sociais próximos ou não à vida do aluno, enriquecendo o dia a dia das aulas com leituras e atividades significativas. Sob esse prisma, Andruetto (2012, p. 200) enfatiza:

E acredito, além disso, que os bons leitores podem, com sua leitura atenta, alerta aproximar livros de qualidade literária de outras pessoas, e que essas pessoas podem chegar a ter, desse modo, inesperadas mudanças pessoais, enriquecimento de suas vidas, que, somadas, constroem cultura, constroem consciência crítica, constroem liberdade de expressão e de desacordo.

Em concordância com essa percepção, evidenciamos que a leitura do conto combina bem com a vida de uma sociedade acelerada e em desenvolvimento, por propiciar o contato com o texto em várias situações, seja na escola, no ônibus, na praça. O conto tem exercido ainda o papel de lugar privilegiado, em que também se dizem situações exemplares vividas pelo homem contemporâneo. Em nosso entendimento, o gênero conto se aproxima da realidade e do cotidiano de nossos alunos, e atende nossa proposta de formar leitores críticos e humanizados; por essa e outras razões, consideramos indispensável sua abordagem nas aulas de literatura de forma sistemática.

Em consonância com o exposto, Piglia (2004, p. 104) frisa que “[t]odas as histórias do mundo são tecidas com a trama de nossa própria vida. Remotas, obscuras, são mundos paralelos, vidas possíveis, laboratórios onde se experimenta com as paixões pessoais”. Dessarte, entendemos que o gênero conto pode retratar de modo ficcional a realidade que nos cerca, aproximando-nos das mais distintas situações cotidianas. Referente a esse acercamento, Machado (2001, p. 77) postula que

[n]esse sentido é que costumo dizer que ler ficção é um ato político, porque, assim como a poesia, também os romances e contos (e mais os filmes, as peças, as novelas) nos obrigam a entrar na pele de um outro e entender seus motivos, nos acostumando a uma aceitação intrínseca da diversidade. Desse modo, nosso intento é que os alunos leiam, reflitam e se posicionem diante das temáticas apresentadas nos nove contos selecionados para esta pesquisa. Por intermédio da leitura desses contos, esperamos estreitar o diálogo entre leitor, texto e ficção. Gotbli (1998, p. 41) ressalta que o “conto evolui e amplia diferentes possibilidades de construção. Não há impressão única, pois esta pode mudar em cada leitor; além disso, essa impressão pode ser alterada no decorrer da leitura”. Passemos, então, a pensar em algumas construções de sentidos propiciadas pelos contos eleitos.