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PARTE I: QUADRO TEÓRICO-CONCETUAL

3.2 Supervisão pedagógica e melhoria

3.2.2 Práticas de supervisão

Atendendo a que a tarefa da supervisão começou por significar “orientação da prática pedagógica”, Alarcão e Tavares (1987) agruparam, de acordo com a sua experiência como orientadores de estágio, as facetas mais visíveis da praxis da supervisão em seis cenários: o da “imitação artesã” assente nos pressupostos da autoridade do mestre e da permanência do saber, que levavam os futuros professores a imitar alguém considerado

109 bom professor, um modelo para os mais jovens e inexperientes, entre nós, designado por “professor metodólogo”. Entretanto, as investigações sobre o que é um bom professor vieram evidenciar a dificuldade em defini-lo sem atender às variáveis que interagem no processo de ensino e aprendizagem, pelo que o importante passou a ser descobrir qual o método eficaz em função do professor, dos alunos e das circunstâncias; o cenário do “ensino pela descoberta guiada” que os referidos autores associaram à filosofia de educação de Dewey (1974). Assenta na ideia de que a prática pedagógica deve suceder a aprendizagem teórica, de uma forma progressiva, mediante a integração de tarefas cada vez mais complexas, desde a observação e a participação em tarefas de ensino até à assunção da responsabilidade plena pelo ensino desenvolvido. Reconhece, pois, ao futuro professor, um papel ativo na aplicação, pela experiência, dos princípios que regem o ensino e a aprendizagem; o cenário “behaviorista” em que o professor é encarado como um “técnico de ensino” e, como tal, deve conhecer, através dos programas de formação, as competências que deve desenvolver, traduzidas em objetivos operacionais. Neste cenário, a ação pedagógica realiza-se através de observações, pequenas experiências clínicas e prática nas escolas. O futuro professor possui um papel passivo na análise dos conhecimentos, centrando-se no treino de competências descontextualizadas, uma vez que a competência de ensinar é tida como meramente tecnicista; depois, o cenário “clínico”, que foi impulsionado pelos trabalhos de Cogan e Goldhammer, no final dos anos 50, nos Estados Unidos da América. Neste cenário é o supervisor que observa as aulas do futuro professor, mas, também, que o auxilia na planificação, análise e avaliação das mesmas. Ele assume um papel colaborativo, ajudando-o a superar as dificuldades que encontra com base na observação e análise de situações reais de ensino. A sua ação é sempre dirigida para a melhoria do ensino e para o incremento do crescimento profissional e, ainda, para a relação que se estabelece entre o supervisor e o professor, que se deve pautar pela confiança mútua; o cenário “psicopedagógico” defendido por Stones (1984) que, embora próximo do cenário clínico, não se limita ao estágio pedagógico, incluindo a sua relação com a vertente psicopedagógica de natureza teórica, isto é, com os princípios psicopedagógicos de autores como Piaget, Bruner ou Vygotsky que ajudam o professor a compreender de que

110 modo o indivíduo “adquire conceitos e habilidades e os transfere para situações novas” ou de autores como Skinner, Ausubel ou Gagné para conhecer “os princípios da [sua] actuação pedagógica” (Alarcão e Tavares, 1987, p. 35). Deste modo, este cenário pressupõe que, entre a teoria e a prática, o futuro professor passe por um período de observação de situações pedagógicas e pela respetiva análise crítica, a fim de identificar aspetos positivos e negativos e de aprofundar conceitos antes de os aplicar. Por fim, o cenário “pessoalista” que tem em conta a “importância do desenvolvimento da pessoa do professor” (Alarcão e Tavares, 1987, p. 40). Consoante os autores que o influenciam, assim se defende que a formação dos professores deve desenvolver o autoconhecimento nos futuros professores (Combs, 1974), basear-se nas suas necessidades e preocupações (Fuller, 1974) ou investir no desenvolvimento do seu grau de maturidade psicológica (Glassberg & Sprinthall, 1980). Nesse sentido, a prática da observação deve habituar o futuro professor ao emprego de técnicas de observação qualitativas e de instrumentos de observação quantitativos.

Com base na sua experiência profissional, Alarcão e Tavares propõem, ainda, um cenário desenvolvido em torno de três conceitos fulcrais: “supervisão”, “aprendizagem” e “desenvolvimento”, considerados em interação, numa dinâmica em espiral que tem em linha de conta os sujeitos e respetivo estádio de desenvolvimento, bem como o ambiente afetivo-relacional envolvente.

Na 2ª edição da obra (2003), Alarcão e Tavares acrescentam a estes cenários outros que, entretanto, se desenvolveram em virtude da ênfase dada a alguns conceitos: o cenário “reflexivo” apoiado na abordagem reflexiva defendida por Schön (1983, 1987) e que resulta do reconhecimento da importância da reflexão como estratégia para a promoção do desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes. De acordo com Alarcão e Tavares (2003) “o supervisor deverá encorajar a reflexão na acção, a reflexão sobre a

acção e a reflexão sobre a reflexão na acção” (p. 35) (em itálico no original), noções

por nós já explicitadas no ponto 2.2.1 do presente trabalho. Compete ao supervisor ajudar o professor a compreender situações, tendo por base o pressuposto de que se aprende a fazer fazendo e refletindo sobre o que se fez e construindo e reconstruindo o conhecimento. Segundo Zeichner e Liston (1996) podem-se considerar três níveis de

111 reflexão: a técnica, a prática e a crítica. Em termos de reflexão técnica, a preocupação do professor focaliza-se na eficácia e na eficiência da utilização de conhecimentos de ensino, não lhe colocando problemas nem as finalidades educativas, nem as realidades da turma, escola ou comunidade; ao nível da reflexão prática, o docente fundamenta a sua atividade nos princípios teóricos, mas procura já calcular e avaliar as consequências resultantes da sua ação; a reflexão crítica leva a que os professores questionem a sua própria prática, analisem erros, avaliem, elaborem propostas de mudança, detetem necessidades e formulem juízos sobre as situações de ensino e, inclusive, sobre a organização institucional; o cenário “ecológico” que se prende com a crescente relevância atribuída aos contextos ou meios ecológicos que podem facilitar, condicionar ou anular qualquer processo de desenvolvimento e de aprendizagem. Esta perspetiva foi, concebida por Alarcão e Sá-Chaves (1994) e, posteriormente por Oliveira- Formosinho (1997) com base em Bronfenbrenner (1979) que apresenta uma nova abordagem do desenvolvimento da pessoa, com destaque para a interação que se cria entre esta e o meio que a envolve. A supervisão, neste cenário, referem Alarcão e Tavares (2003)

assume a função de proporcionar e gerir experiências diversificadas, em contextos variados, e facilitar a ocorrência de transições ecológicas que, possibilitando aos estagiários o desempenho de novas actividades, a assunção de novos papéis e a interacção com pessoas até aí desconhecidas, se constituem como etapas de desenvolvimento formativo e profissional (p. 37).

e, finalmente, o cenário “dialógico” defendido por Waite (1995) que contempla alguns dos aspetos presentes no cenário “pessoalista”, mas que atribui “à linguagem e ao diálogo crítico um papel de enorme significado na construção da cultura e do conhecimento próprio dos professores como profissionais e na desocultação das circunstâncias contextuais, escolares e sociais, que influenciam o exercício da sua profissão” (Alarcão e Tavares, 2003, p. 40). Trata-se de um cenário em que supervisores e professores são tidos como parceiros de um coletivo profissional e, como tal, todos

112 orientados para a inovação e para as mudanças nos contextos educativos, não havendo lugar à aceção do professor no individual.

Alarcão e Tavares (2003) apontam, igualmente, para uma supervisão vertical em que o papel de supervisor é assumido pelo orientador, coordenador ou professor mais experiente, e para uma supervisão horizontal, na qual aquele papel é assumido por um dos membros do grupo. Na opinião destes autores, é expectável que a dimensão horizontal colaborativa se intensifique e passe a constituir uma das principais características da profissão.

Neste quadro, a supervisão da prática educativa, e não meramente pedagógica, emerge não apenas como um caso particular de ensino-aprendizagem, mas como uma auto e hetero-supervisão comprometida e colaborante em que os professores se entre-ajudam a desenvolver-se e a melhorar a sua actividade de ensino e educação, numa escola que, também ela, se encontra num processo de desenvolvimento e de aprendizagem (Alarcão e Tavares, 2003, p. 129).

A articulação entre estes dois conceitos: o de supervisão e o de colaboração foi, muito recentemente, desenvolvida por Alarcão e Canha (2013), que os consideram “conceitos

cúmplices ao serviço do desenvolvimento” (p. 12) (em itálico no original), ultrapassando

o conceito difuso e simplista de colaboração, normalmente associado ao comportamento interpessoal para o perspetivar num sentido mais profissional que o contextualiza e operacionaliza na dinâmica organizacional.