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Práticas oriundas dos saberes tradicionais

O ensino de práticas não formais, oriundas de saberes populares, como a dança de São Gonçalo; as canções e temas das Folias de Reis e do Divino; as danças e cantigas populares como a Sússia (dança característica das comunidades quilombolas) também podem e devem ser utilizadas como fio condutor para o ensino de música, além de propiciar o desenvolvimento de projetos interdisciplinares. A pesquisa sobre as tradições musicais traz a etnomusicologia para perto do cotidiano escolar, fortalece as aproximações entre os saberes escolares e os saberes das tradições populares e amplia as possibilidades de ensino especialmente nas escolas do campo. O diálogo com as culturas populares pode contribuir para o desenvolvimento de atividades didáticas direcionadas às escolas regulares, funcionar como elemento aglutinador das diversas áreas de conhecimento envolvidas no processo de ensino e fundamentar atividades pedagógicas que tragam as realidades e a arte campesina para o ambiente escolar.

Concluindo, no Brasil, a educação escolar na área da música apresenta deficiências estruturais que dificultam e geralmente impedem a execução de projetos de ensino nas escolas. Isso acontece especialmente nas escolas campesinas, nas escolas rurais e nas que atendem as populações marginalizadas. A formação de professores de música voltados para essa área pode contribuir substancialmente para diminuir esse problema.

A maior parte das propostas apresentadas aqui estão afinadas com o sistema TECLA de Keith Swanwick (2003) e especialmente com a filosofia praxial de David Elliot (1995), que são deliberadamente organizadas no sentido de envolver os alunos em ações musicais reais. Nesse conceito, a transmissão e assimilação de conteúdos musicais devem ser realizadas eminentemente durante o processo de se fazer música e, nesse caso, o aluno é o sujeito ativo na

construção do próprio conhecimento. Dessa maneira, centrado no fazer musical prático, o aluno tem mecanismos para expressar sua cultura e sua identidade, promovendo o autocrescimento e elevando a autoestima por meio de atividades estabelecidas com metas claras e possíveis. A cultura dos povos tradicionais das diversas regiões brasileiras é muito ampla e abundante, e a possibilidade de mesclar essa riqueza a propostas pedagógicas estruturadas vai possibilitar a realização de trabalhos plenos de musicalidade, que contribuirão para o desenvolvimento de conhecimentos relacionados às ciências musicais. Ademais, permitirão que enfrentemos barreiras ligadas ao preconceito e à discriminação, fazendo com que a convivência entre diferentes realidades possa trazer olhares convergentes para os sujeitos envolvidos nesse processo.

Esperamos que as sugestões apresentadas neste texto possam contribuir para o desenvolvimento de trabalhos de ensino de música, assim como para o surgimento de novas ideias relacionadas ao assunto.

Referências

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Educação, Cultura e Etnodesenvolvimento saberes em diálogo

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Thiago Ferreira dos Santos Idemar Vizolli Adriana Demite Stephani

N

a sociedade atual, guiada pela lógica capitalista, o velho muitas vezes é concebido como fator impediti vo para avanços, principalmente os produti vos. Isso, muitas vezes, pelo fato da idade ter lhe ti rado o vigor e a condição necessários para o exercício do trabalho sob maiores exigências, construindo a imagem daquele aposentado inerte que aguarda apenas o seu últi mo suspiro. Logo, a tendência é a segregação e o isolamento em relação às demais gerações.

E esse isolamento equivocado pode propiciar perdas de diálogos intergeracionais profí cuos, como também de conhecimento acerca da própria história nacional registrada nas memórias dos velhos. Perde-se a oportunidade de (re)conhecer experiências, costumes, conhecimentos, tendo em vista que os velhos possuem uma vida por trás de si, repleta de narrati vas que podem suscitar refl exões sobre as formas de vivência humana.

Diante dessa possibilidade eminente de perda desses olhares sobre o passado, é salutar compreender que a história contada pelos velhos pode criar novas e/ou outras interpretações de verdades, muitas vezes carregadas de memórias, ciências, lendas, tabus, mitos, costumes e saberes próprios.

Assim, nesse ensejo de preservação, este trabalho tem como objeti vo recordar/rever, por meio da memória de velhos, um pouco da história da comunidade quilombola Lagoa da Pedra em Arraias/TO, trazendo outros olhares, impressões e vozes sobre sua criação, costumes, tradições e enfrentamentos.

Intencionou-se não contar a história analíti ca da comunidade, tendo em vista que esta já se encontra em documentos escritos. O que se pretende, a parti r do registro da história oral temáti ca, é trazer elementos novos, ainda não contados, e que podem servir de caminho para o diálogo de gerações daquele espaço a parti r de imagens cristalizadas na memória de quem vivenciou ou presenciou os fatos. Nesse processo, por meio da memória de velhos recordamos alguns aspectos que marcaram a vida de pessoas, e, portanto, consti tuem sua história e integram-se à história da própria comunidade.

Para essa construção, entrevistamos velhos cujas falas foram gravadas em áudio e depois transcritas. Capturamos da memória dos entrevistados dados sobre a comunidade,