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3 JUSTIÇA RESTAURATIVA: UM NOVO OLHAR SOBRE O

3.5 PRÁTICAS RESTAURATIVAS

A justiça restaurativa, em sociedades que possuem costumes enraizados, fornece a base necessária para a construção de uma justiça diferente das formas habituais, proporcionando sua adaptação às demandas jurídicas da atualidade, a partir da utilização desses costumes como instrumento de legitimação de determinada tradição 96. As práticas listadas a seguir são exemplos dessa adequação, fornecendo um panorama geral acerca da aplicação desse modelo, uma vez que a versatilidade também está presente em sua execução, e não se pretende aqui exaurir a discussão.

93 Art. 21º da Resolução nº 2002/12. ONU, Resolução nº 2002/12, de 24 de julho de 2002.

Disponível em: <

http://www.juridica.mppr.mp.br/arquivos/File/MPRestaurativoEACulturadePaz/Material_de_Ap oio/Resolucao_ONU_2002.pdf>. Acesso em: 02 jun 2017.

94 Art. 22º da Resolução nº 2002/12 da ONU. ONU, loc. cit.

95 PALLAMOLLA, Raffaella da Porciúncula. Justiça restaurativa:da teoria à prática. 1.ed. -

São Paulo : IBCCRIM, 2009, p. 97.

96 ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa - Teoria e Prática. Tradução: Tônia Van Acker. – São

O procedimento é facultativo, “relativamente informal” 97, e proporciona um

encontro entre os envolvidos, que pode ser direto e pessoal, ou através de meios audiovisuais e cartas, desde que adequado ao caso 98. Facilitadores ou mediadores coordenam esses encontros, com a função, apenas, de organizar a participação das partes e facilitar o diálogo, a fim de que elas se expressem e cheguem a um acordo de forma autônoma 99.

Estudiosos do tema destacam três tipos de práticas de justiça restaurativa: a mediação vítima-infrator 100, as conferências de grupos familiares e os círculos restaurativos 101. Geralmente, os casos são encaminhados pelo sistema Judiciário, porém, também podem ser remetidos pela escola, pela comunidade ou por iniciativa das partes

102.

Na mediação vítima-infrator, o processo começa envolvendo as partes separadamente, para que, caso haja concordância, ocorra um encontro em ambiente propício, com o objetivo de proporcionar conversas sobre as origens, causas e seqüelas do delito, facilitado por um mediador 103. Devem ser desenvolvidos “um acordo e um

plano restaurativo”, que envolvem reparações, tanto simbólicas, quanto materiais.

Essa prática possui outras denominações, que dependem da participação dos sujeitos e do local onde é realizada (na escola, na comunidade etc), apesar de conservarem os mesmos alicerces. Há, ainda, a mediação indireta, na qual não ocorre o contato direto entre ofensor e vítima. Por fazer parte do contexto do processo judicial, a mediação se desenvolve sob a supervisão das instâncias formais de controle, exceto

97 MACÊDO, Sóstenes Jesus dos Santos. Sistema de Justiça (Penal) Restaurativo Algumas

Reflexões do Modelo Brasileiro. Dissertação de Mestrado. UFBA: 2016, p. 193

98 ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa - Teoria e Prática. Tradução: Tônia Van Acker. – São

Paulo: Palas Athena, 2012, p. 55.

99 Ibid., p. 56. 100 Ibid., p. 193. 101 Ibid., p. 55. 102 Ibid., p. 57.

quando é utilizada na comunidade ou na escola, onde assume a forma de resolução extrajudicial de conflitos104.

As conferências de grupos familiares são mais abrangentes e englobam a família e outras pessoas interessadas no conflito. Para Zehr, a presença desses sujeitos é fundamental, principalmente no que tange ao ofensor, numa tentativa de que este “assuma a responsabilidade e mude seu comportamento” 105.

Uma modalidade dessa prática, nascida na Nova Zelândia, tornou-se o padrão de referência normativa utilizada pelas Varas da infância e juventude do país, originada de críticas da população indígena maori acerca do sistema penal juvenil, bem como da crise enfrentada no âmbito do bem-estar da criança e do adolescente. O processo é criado por assistentes sociais e pela família, a partir das particularidades de cada grupo participante, e não só proporciona o reconhecimento da responsabilidade pelo ofensor e a reparação do dano, como abarca elementos preventivos e, até, medidas punitivas 106.

Por fim, nos círculos restaurativos, sentimentos, frustrações e expectativas são expressos através do “bastão de fala”, objeto que circunda o local da reunião e passa pela mão de cada participante, com a ajuda de facilitadores 107. Atualmente, é

empregado em conflitos no ambiente de trabalho, na comunidade e, até mesmo, no Judiciário (através dos círculos de sentenciamento, com o fito de adicionar medidas restaurativas antes da elaboração de decisões judiciais), e podem ser utilizados de maneira informal, substitutivamente ao modelo tradicional de justiça 108.

Esses modelos possuem a capacidade de empoderar as partes, “devolvendo” aos sujeitos envolvidos a apropriação do conflito, além de autorizar a elaboração de acordos

104 MACÊDO, Sóstenes Jesus dos Santos. Sistema de Justiça (Penal) Restaurativo Algumas

Reflexões do Modelo Brasileiro. Dissertação de Mestrado. UFBA: 2016, p. 121.

105 ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa - Teoria e Prática. Tradução: Tônia Van Acker. –

São Paulo: Palas Athena, 2012, p. 58.

106 Ibid., p. 60 e 61. 107 Ibid., p. 62.

que atentem para as suas reais necessidades e oportunizem a reintegração social, de maneira integrada com a comunidade e com o Estado 109.

Conforme elucida Howard Zehr, as práticas possuem objetivos diversos, e categoriza-os a partir de três perspectivas: programas alternativos, programas terapêuticos e programas de transição. Os primeiros têm, como finalidade, apresentar um caminho alternativo para partes do processo, com a possibilidade de modificar a sentença ou de retardar o oferecimento da denúncia 110.

Os programas terapêuticos não objetivam influenciar o processo judicial, e são geralmente utilizados em crimes graves, após a sentença. Auxiliam o ofensor a compreender as conseqüências dos seus atos e a assumir responsabilidades, a partir de atividades focadas na vítima, sem envolver um encontro direto 111.

Os programas de transição, por sua vez, focam na reintegração social do egresso. O Círculo de Apoio e Responsabilização, por exemplo, foi criado no Canadá e volta-se para autores de crimes sexuais: muitas vezes, esses sujeitos não retornavam para a sua comunidade de origem, em razão do temor gerado e da desconfiança, fato que contribuía para a reincidência. A prática, então, reúne vítimas de crimes parecidos, antigos ofensores e a própria comunidade, na tentativa de auxiliar esse retorno e conservar a consciência sobre a responsabilidade em relação aos atos praticados 112.

Nas práticas interligadas às instâncias formais de controle, os operadores do direito, ao lidar com a Justiça Restaurativa, estão expostos a uma concepção inovadora, essencialmente diversa do seu treinamento original, o que exige um preparo especial para aliar seus conhecimentos jurídicos com o senso comum dos participantes 113.

109 MACÊDO, Sóstenes Jesus dos Santos. Sistema de Justiça (Penal) Restaurativo Algumas

Reflexões do Modelo Brasileiro. Dissertação de Mestrado. UFBA: 2016, p. 194.

110 ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa - Teoria e Prática. Tradução: Tônia Van Acker. –

São Paulo: Palas Athena, 2012, p. 63

111 Ibid., p. 64. 112 Ibid., p. 65.

Contudo, os princípios constitucionalmente garantidos, implícitos e explícitos, deverão ser observados, a fim de que os atos praticados possam produzir seus efeitos 114.

Os mediadores, ou facilitadores, também necessitam de treinamento, cuja função pode ser exercida por psicólogos, assistentes sociais ou ainda pessoas da comunidade, haja vista possuírem uma aproximação anterior com o conflito e com os sujeitos nele envolvidos. É primordial que as diferenças culturais, econômicas, sociais e psicológicas sejam observadas, a fim de que essas condições não resultem em acordos que não respeitem os valores e princípios restaurativos 115.

4 O ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR E O SISTEMA DE JUSTIÇA PENAL: A INAPLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO INFANTO-JUVENIL

Nos capítulos anteriores, foi feita breve análise acerca da evolução da Justiça Juvenil e dos postulados básicos que fundamentam a Justiça Restaurativa, a fim de estabelecer as bases teóricas necessárias para o entendimento das considerações posteriores.

Esse levantamento não teve, como objetivo, o esgotamento dos temas, já que, como anteriormente ressaltado, a Justiça restaurativa possui várias facetas e está em construção, bem como a Justiça Juvenil pode ser observada sob vários ângulos (para tanto, optou-se por analisá-la através da legislação em conjunto com as políticas públicas realizadas).

Nesse ponto do presente trabalho, o Sistema de Justiça Juvenil será examinado (na perspectiva da criança e do adolescente enquanto vítimas do abuso sexual intrafamiliar), com o intuito de aferir se a sua prática institucional coaduna-se com o discurso jurídico, já estudado. A partir da identificação das lacunas existentes, seria a Justiça Restaurativa um caminho para o alinhamento necessário? Há compatibilidade entre os citados modelos de justiça 116?

114 MACÊDO, Sóstenes Jesus dos Santos. Sistema de Justiça (Penal) Restaurativo Algumas

Reflexões do Modelo Brasileiro. Dissertação de Mestrado. UFBA: 2016, p. 196.

115 Ibid., p. 198 e 199.

116 Ela se colocaria como um modelo de resposta integrado (complementar) ou alternativo ao

sistema de justiça, visto que a realidade atual ainda não permite a pura aplicação da JR para esse tipo de crime, sem qualquer punição ou intervenção da justiça penal.

4.1 O PARADIGMA PUNITIVO E A SEPARAÇÃO DAS INSTÂNCIAS DE