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Vantagens e conflitos da aplicação da justiça restaurativa nos casos de abuso

3 JUSTIÇA RESTAURATIVA: UM NOVO OLHAR SOBRE O

4.4 A JUSTIÇA RESTAURATIVA NOS DELITOS DE CRIMES DE ABUSO

4.4.1 Vantagens e conflitos da aplicação da justiça restaurativa nos casos de abuso

Em que pese considerável número de pesquisadores conceberem a Justiça Restaurativa para delitos de menor potencial ofensivo, há outros que defendem seus benefícios para os casos de abuso sexual de crianças e adolescentes, visto que pode apresentar uma solução mais moderna e adequada a esse tipo de situação, além de atingir todos os envolvidos de forma positiva 231.

229 A autora defende a inclusão de representantes para apoio das vítimas, desde que isso não

signifique uma atitude paternalista, como também que respeite sua voz e seus interesses, em uma abordagem particularizada e empoderadora. In: MELO, Eduardo Rezende. Crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual: a emergência de sua subjetividade jurídica no embate entre modelos jurídicos de intervenção. Uma análise crítica sob o crivo histórico-comparativo. SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS (SDH); INSTITUTO NOSS. Justiça Restaurativa em caso de abuso sexual intrafamiliar em criança e Adolescente. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2012, p. 81.

230 Ibid., p. 82.

231 Pesquisadores como Daly e McAlinden. In: YAZBEK, Vania Cury. MEIRELLES, Cristina.

Dimensões extrajudiciais da justiça restaurativa (dimensão “clínica”) e metodologias utilizadas no mundo. SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS – SDH. INSTITUTO NOSS. Justiça

A insuficiência da resposta penal é consenso entre os estudiosos e profissionais da área. Não é adequado punir sem reabilitar e/ou reintegrar, e a simbologia do cumprimento da pena privativa de liberdade não tem sido exitosa nessas tarefas. Não se defende o afastamento da intervenção criminal nesses casos, e sim a tomada de decisões que considerem as necessidades do jovem e da família 232.

Pesquisadores ressaltam, ainda, que a justiça restaurativa possui a vantagem de não promover, inicialmente, a retirada da vítima do convívio familiar, medida comum em outros programas de proteção, o que oportuniza a construção de iniciativas que abarquem a participação de todos e um maior suporte assistencial 233. Ademais, pode oferecer mais segurança à palavra da vítima e abrir espaço para sua livre expressão, possibilitando que contribua para o processo decisional, estimular o reconhecimento da responsabilidade e, quando adequado e desejado, restaurar a relação 234.

No entanto, deve-se ter cautela antes de aplicá-la, e analisar as limitações existentes. Não obstante o progresso de alguns países na área235, a preservação dos

princípios e valores restaurativos em um contexto de constantes mudanças e a necessidade de utilizar profissionais confiáveis podem ser entraves em locais onde ainda está sendo estudada e desenvolvida, como o Brasil 236.

Restaurativa em caso de abuso sexual intrafamiliar em criança e Adolescente. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2012, p. 98.

232 MCALINDEN, A. Are there limits to restorative justice? The case of child sexual abuse. In:

SULLIVAN, D.; TIFFT, L. (eds.). Handbook of Restorative Justice: A Global Perspective. Londres e Nova York: Routledge, Taylor & Francis Group, 2008 apud Id.

233 PENNELL, J. Stopping Domestic Violence or Protecting Children? Contributions from

Restorative Justice. In: SULLIVAN, D.; TIFFT, L. (eds.). Handbook of Restorative Justice: A Global Perspective. Londres e Nova York: Routledge, Taylor & Francis Group, 2008 apud YAZBEK; MEIRELLES, op. cit., p. 99.

234 DALY, K. Restorative Justice and Sexual Assault: An Archival Study of Court and

Conference Cases. British Journal of Criminology. 46, 2, 2006 apud Id.

235 Como EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Alemanha, entre outros. In:

YAZBEK,; MEIRELLES, op. cit., p. 90.

236 CATÃO, Yolanda. Justiça restaurativa em casos de abuso sexual intrafamiliar de criança e

adolescente: cenário internacional. SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS (SDH); INSTITUTO NOSS. Justiça Restaurativa em caso de abuso sexual intrafamiliar em criança e Adolescente. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2012, p. 17.

Especificamente no que diz respeito ao abuso sexual, suas peculiaridades dificultam qualquer tipo de intervenção (inclusive a criminal), como o potencial risco de nova vitimização durante o processo ou o já existente desequilíbrio de poder. Esse último aspecto constitui um dos principais entraves da justiça restaurativa em tais conflitos, uma vez que, na maioria dos casos, as vítimas são crianças e do sexo feminino, o que dificulta sobremaneira a tomada de decisões de forma igualitária 237.

Pesquisas realizadas no Reino Unido238, voltadas para a análise da aplicação de práticas restaurativas em casos de abuso sexual de crianças e adolescentes, permitiram concluir que essa crença na impossibilidade de utilização desse método advém da incompreensão e da falta de conhecimento sobre o tema, bem como da dificuldade de visualização da execução desse novo modelo de justiça. A análise de três casos nos quais o seu emprego gerou resultados positivos atesta os benefícios de sua utilização, desde que respeitados os valores e princípios que a sustentam 239.

Cabe, ainda, ressaltar que o processo restaurativo pode ser visto como uma alternativa demasiadamente tolerante e condescendente, o que pode ser solucionado caso não substitua a necessidade de medidas penais. A exigência do reconhecimento público de autoria, por parte do ofensor, pode se constituir como um obstáculo 240, pelas evidentes dificuldades que apresenta, ou também como vantagem, haja vista contribuir

237 CATÃO, Yolanda. Justiça restaurativa em casos de abuso sexual intrafamiliar de criança e

adolescente: cenário internacional. SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS (SDH); INSTITUTO NOSS. Justiça Restaurativa em caso de abuso sexual intrafamiliar em criança e Adolescente. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2012, p. 18.

238 Realizada pelo Independent Academic Research Studies – IARS, a pesquisa durou sete anos

(2000 a 2007) e aplicou métodos diversos, como entrevistas, questionários, realização de seminários e reuniões. In: Ibid., p. 20 e 21.

239 GAVRIELIDES, T. Restorative Justice Theory and Practice: Addressing the

Discrepancy. Helsinki: European Institute for Crime Prevention and Control (HEUNI), 2007 apud Ibid., p. 21.

240 YAZBEK, Vania Cury. MEIRELLES, Cristina. Dimensões extrajudiciais da justiça

restaurativa (dimensão “clínica”) e metodologias utilizadas no mundo. SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS (SDH); INSTITUTO NOSS. Justiça Restaurativa em caso de abuso sexual intrafamiliar em criança e Adolescente. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2012, p. 100.

para a assunção de responsabilidades e para o uso positivo da “vergonha” sentida, principalmente em agressores de baixo e médio risco 241.

Por fim, no que concerne ao Poder Judiciário, o atendimento deve funcionar em rede com os outros órgãos do “Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente”, e os profissionais responsáveis por esse serviço devem receber capacitações frequentes, além de especializações no campo da violência doméstica 242. Esse aspecto, inclusive, aponta para uma necessidade que vai além dos requisitos e entraves da aplicação de métodos restaurativos, e será analisado no tópico posterior.

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