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Precarização do trabalho: estratégias docentes para seu enfrentamento

3 TRABALHO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR E SAÚDE DE

3.6 Trabalho docente: tipos de análises e áreas do conhecimento

3.6.4 Precarização do trabalho: estratégias docentes para seu enfrentamento

Esta nova característica do mundo do trabalho, tem como objetivo conforme Fernandes e Helal (2010, p.1), “garantir competitividade às empresas por meio da flexibilização das relações de trabalho”, tem invadido o campo educacional gerando uma reestruturação do trabalho em educação.

É incessante a procura por aprimoramento e formação profissional para o mercado de trabalho, principalmente nas instituições privada, desenvolvendo um processo de “mercantilização da educação” conforme Fidalgo (2010).

Essa reestruturação da educação, ainda segundo a mesma autora, tem elevado a produtividade ou produtivismo acadêmico, gerando uma intensificação do trabalho e uma relação íntima entre estresse e o trabalho do professor, tanto no local do trabalho como também no contexto doméstico. Daí, podendo advir impactos na saúde psíquica, física e emocional dos docentes. Este impacto na saúde e na rotina do professor é originado do estabelecimento de novos índices de produtividade, em níveis de avaliação cada vez mais elevados, competitividade exacerbada entre os colegas de trabalho aumentando o processo de individualização, as avaliações de desempenho, a busca de qualificação e requalificação.

Fidalgo (2010, p.65-66, 107) apoiando-se nos dicionários da Educação Profissional, no dicionário Aurélio e em Dal Rosso traz o conceito de produtividade e produtivismo, sendo:

Produtividade: “Significa rendimento, possibilidade de alcançar máxima produção com menores tempos e menores custos. Embora possa referir-se, também, à produtividade da terra ou do capital, a expressão é mais aplicada ao uso do trabalho. Coriat define o aumento da produtividade do trabalho quando, dentro de um mesmo ritmo de trabalho, a mesma quantidade de trabalhadores consegue atingir uma produção maior, devido à maior eficiência técnica dos meios de produção. Sandroni aponta certas controvérsias ligadas ao termo: a produtividade tende a ser maior nas empresas de capital intensivo e menor nas de trabalho intensivo; frequentemente as inovações tecnológicas causam desemprego; o aumento da especialização do trabalhador em um mesmo posto de trabalho significa, para a economia marxista, o aumento na produção da mais-valia e a exploração da força de trabalho” (CRIVELLARI, In: DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL).

[...] produtividade, [...], refere-se ao efeito desencadeado pelas transformações tecnológicas. [...] categoria destinada para a “obtenção de resultados superiores em qualidade e quantidade, decorrentes de investimentos em tecnologias materiais inovativas e organizativas que não requeiram maior consumo das energias pessoais” (DAL ROSSO, 2009). Produtivismo: “produtividade [De produtivo + -(i)dade.] Substantivo feminino. 1.Faculdade de produzir. 2.Qualidade ou estado de produtivo. 3. Econ. Relação entre a quantidade ou valor produzido e a quantidade ou valor dos insumos aplicados à produção; eficiência produtiva. 4. Rendimento (4). 5. E. Ling. Uso regular de determinados padrões ou mesmo de afixos específicos na formação de palavras. [O sufixo -ção, p. ex., pode ser aposto a inúmeros verbos para criar um derivado que indique „o ato de, o processo de‟, etc.] Produtividade do capital. 1. Econ. Quantidade produzida por unidade de capital investido. Produtividade do trabalho. 1. Econ. Quantidade produzida por unidade de trabalho” (NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO). Ainda para Fidalgo (2010, p.28-29, 71), os aspectos da intensificação do trabalho docente são expressos na fala dos professores. São aspectos relativos às mudanças que a lógica de produção tem causado nas universidades e na vida dos professores. O trabalho

desses profissionais está cada vez mais intensificado e sobrecarregado, conforme se pode depreender do que segue.

[...] os professores universitários são impulsionados a atenderem aos padrões de produtividade vigentes sem que as condições objetivas estejam colocadas, levando-os a colocarem seu bem-estar, sua saúde em jogo para conseguirem atender aos reclamos da gestão do trabalho (p.28).

[...] conflito constante entre produzir com qualidade ou simplesmente produzir números para os relatórios das avaliações produtivistas. A lógica de competência laboral prioriza uma formação unilateral [...], na medida em que se considera a produtividade individualizada nas relações de trabalho, o caráter coletivo e socializador do trabalho passa a ser progressivamente suprimido pelos interesses pessoais, o que favorece a formação de um tipo de profissional isolado, de identidade fragilizada ou fragmentada e que busca manter um diferencial em relação aos outros” (p.28-29).

[...] os próprios colegas tornam-se fiscais entre si, gerando um sentimento de dessolidarização que fica evidente nas consultas aos Lattes alheios [...] (p.71).

Partindo destas falas, percebe-se que o trabalho docente está intensificado e sobrecarregado. Muitos professores estão atuando em confronto com a sua subjetividade, uma vez que estão inseridos em um mundo de trabalho em que o produtivismo está sendo cada vez mais aumentado, obrigando-os a adaptar-se a regras e políticas de produção, ao aumento do ritmo, da complexidade e do número de trabalhos.

Esta intensificação e sobrecarga de trabalho influenciam as relações sociais e laborais, contribuindo para produções individualizadas e o aumento da competitividade entre trabalhadores. Estes, que poderiam trabalhar em conjunto para melhorar o desempenho e a qualidade das pesquisas e dos trabalhos realizados estão isolando-se do grupo e trabalhando individualmente.

Na lógica produtivista ocorre a captura da subjetividade do professor. Essa captura da subjetividade é considerada por Alves, G., (2011), como o espírito do toyotismo. Para o autor, “[...] a captura da subjetividade do trabalho vivo pela lógica do capital é fazer os operadores olharem seus interesses históricos de classe do proletariado pelo avesso ou de um ponto de vista oposto” (ALVES, G., 2011, p.54). Ainda segundo o mesmo autor,

[...] o eixo central dos dispositivos organizacionais (e institucionais) das inovações organizacionais do novo complexo de reestruturação produtiva é a „captura‟ da subjetividade do trabalho pela lógica do capital. É a constituição de um novo nexo psicofísico capaz de moldar e direcionar ação e pensamento de operários e empregados [...] (p.111).

A captura da subjetividade se dá por meio da invasão do tempo de vida pelo tempo do trabalho; do trabalho na estrutura familiar e pessoal. O tempo, um importante fator para a atividade de criação do professor, passa a ser condicionado e disciplinado, e o trabalhador submete-se a condições que remetem a prejuízos para a sua vida. O professor “vai se atrelando mais e mais a uma lógica que o agride, que o subjuga, e que o adoece fisicamente, intelectualmente e emocionalmente” (FIDALGO, 2010, p. 42-43).

O uso das tecnologias pode possibilitar um avanço nas pesquisas, mas também novos problemas como “a intensificação do trabalho; a demanda por aumento de produtividade; a invasão do trabalho no espaço doméstico; o maior controle externo de resultados [...]” (FIDALGO, 2010, p. 32 grifo nosso). Ela permite práticas colaborativas e ao mesmo tempo alienantes, uma vez que “os professores estão em rede (ligados, antenados, conectados uns aos outros e, sobretudo, ao trabalho) e na rede” (p.57).

Fidalgo (2010) explica que, estando os professores conectados em rede, estes problemas, além de invadir o campo educacional, têm invadido também o espaço privado e familiar da vida dos professores. A flexibilidade permite que atividades do trabalho sejam transferidas para o campo doméstico, aumentado o trabalho e ao mesmo tempo sobrecarregando e barateando o trabalho do professor, uma vez que esta atividade realizada no espaço doméstico não é remunerada e nem totalizada como horas trabalhadas. O que se percebe é uma condição prejudicial que tem alterado o estilo de vida e saúde dos professores, além de relatos de “fragilização da estrutura familiar, divórcios e separações”, cobrança por dedicação e tempo para a família, e até desarmonia da vida sexual.

Tem sido cada vez mais frequente o uso de medicamentos controlados pelo professores, o encaminhamento para tratamentos psicoterápicos, sem falar no aumento de todo tipo de doença, especialmente de fundo nervoso que prejudicam a estabilidade destes profissionais e deixam marcas, que podem significar longos tratamentos de saúde e lesões que podem restar pela vida inteira (FIDALGO, 2010, p. 94).

Preocupa o fato de alguns professores serem resistentes e não procurarem assistência à saúde, com vergonha, medo de serem julgados e interpretados pelos colegas como incapazes para o trabalho, improdutivos, incompetentes e por “atrapalhar a relação com o trabalho”. Chama a atenção o fato da doença, que pode ser considerada como sintoma de incapacidade, improdutivismo e incompetência, também poder causar libertação da intensificação e do sofrimento causado pelo trabalho.

[...] a doença pode exercer a possibilidade de libertação da intensificação e do aprisionamento do trabalho, pois, pela possibilidade real de enfrentamento com uma situação adversa e severa diferente do trabalho, o indivíduo pode encontrar, ironicamente, na doença o grande fator que irá freá-lo, oferecendo, quem sabe, a oportunidade de refletir e fazer novas escolhas acerca das formas de sobrevivência (FIDALGO, 2010, p. 138, grifos nosso).

O profissional docente diante dos problemas do cotidiano do trabalho e fora do trabalho, causados pela precarização, tem buscado e criado estratégias para melhorar e enfrentar os problemas conforme apresentando por Fidalgo e Mota no quadro 16.

Diante destes dados, e tentando pensar sobre o problema de pesquisa e alternativas que sugere, eu como autora desta pesquisa, sistematizei perante o encontrado nas produções, um rol de meios encontrados por professores, para melhorar o relacionamento do trabalho com as outras esferas importantes da vida, além de preservar a saúde física e mental, na tentativa de libertar da negatividade que a precarização do trabalho tem causado na vida dos professores.

Quadro 16 - Meios utilizados para melhorar o relacionamento com o trabalho e com outras esferas importantes da vida, segundo Fidalgo e Mota

ESTRATÉGIAS CRIATIVAS

Aceitar o adoecimento não como um sinal de fraqueza ou incapacidade, mas como uma pausa necessária para cuidar de si.

Aproveitar da experiência adquirida e acumulada ao longo da carreira. Criar um estilo próprio para realizar o seu trabalho.

Cuidar e estar próximo da família.

Desenvolver o trabalho de acordo com o ritmo da turma.

Pequeno grupo que dá prioridade por almoçar juntos, e quando possível, reservam encontros de fim- de-semana proibindo assuntos de trabalho.

Trocar experiências

ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS Não preocupar excessivamente com as avaliações externas.

Não se colocar numa posição de única responsável pelo bom desempenho do aluno. Não abrir mão de atividades culturais como cinema e música.

Não levar mais trabalho para casa na tentativa de proteger este ambiente para o convívio com a esposa e os filhos.

Participar a família dos estudantes no processo de ensino aprendizagem, dividindo com eles a responsabilidade.

Exercer autonomia. Preservar a vida pessoal.

Reconhecer os próprios limites e aqueles impostos pelas características da atividade docente. Respeitar a decisão do professor.

Reconhecer sua própria marca nos resultados de seu fazer.

Perante o apresentado, percebe-se que alguns profissionais já estão conscientes dos prejuízos que o trabalho precário pode trazer para a vida. Estão criando meios para melhorar o relacionamento com o trabalho, para manter uma relação harmoniosa entre vida e trabalho.