• Nenhum resultado encontrado

Precarização: significados, autores de referência e abordagens nas produções

3 TRABALHO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR E SAÚDE DE

3.6 Trabalho docente: tipos de análises e áreas do conhecimento

3.6.1 Precarização: significados, autores de referência e abordagens nas produções

Do conjunto das produções analisadas, (75%) referem à precarização; precarizados; precariedade na formação; condições precárias de trabalho e regime precarizado de trabalho; além de (87,5%) apontarem o significado e os aspectos de intensificação e intensidade do trabalho docente.

O significado de precarização do trabalho e de intensificação do trabalho é apontado por Fidalgo (2010, p.55-56, grifo nosso) com base em Cattani (2008, p. 9-10).

A sociologia do trabalho tem demonstrado complexas facetas da precarização do trabalho. Por meio dos novos sistemas de comunicação, especialmente pelo telefone e pela internet, os trabalhadores ficam à disposição de um patrão remoto que os alcança a qualquer hora do dia ou da noite. O trabalho dito flexível traduz-se em jornadas imprevisíveis, alternando tempos ociosos e trabalhos intensos, pois habitualmente, as tarefas encomendadas deverão ser executadas em tempo recorde. O fenômeno do teletrabalho por vezes é apresentado como uma forma não particularmente positiva para o trabalhador, mas como uma modalidade que substituiria práticas convencionais que prevaleceram nos últimos dois séculos (p.9-10). [...] A intensificação do trabalho traduz-se em maiores desgastes físico, intelectual e emocional. As consequências negativas são comprovadas pela maior incidência de estresse e de acidentes no trabalho, pelo acréscimo das lesões por esforços repetitivos, enfim, pelo adoecimento que afeta o trabalhador, que repercute sobre sua família, com custos para o conjunto da sociedade (p.9).

Como precarizados, Pinto (2010, p.16) entende os “trabalhadores ativos com ocupações eventuais e irregulares”, e Oliveira, C., (2013, p.91) aponta para a precariedade na formação de professores. Quanto ao uso das TIC, e apoia-se em Gatti (2010), para evidenciar problemas nas estruturas curriculares dos cursos de formação de professores. Para ele:

[...] os cursos de formação de professores apresentam em suas estruturas curriculares uma fragmentação formativa, incluindo uma gama de ementas, muitas vezes, descontextualizadas, vagas e distantes das realidades a serem vivenciadas pelos futuros docentes; há redundâncias de conteúdos em disciplinas distintas; ausência de saberes relativos aos usos das tecnologias da informação e comunicação; e uma diversidade de atividades extracurriculares, com pouca ou nenhuma especificação quanto ao que se referem (OLIVEIRA, C., 2013, p.91).

Quanto à precarização do trabalho, Mill (2006, p.87) constata uma precarização do teletrabalho docente, que emerge de uma contradição de um trabalho “como símbolo de qualidade de vida individual e social da modernidade”, mas que se apresenta como um

aspecto que “mais estimula a precarização do trabalho ou, ao menos, está na base dos processos de precarização do teletrabalho”. Quando Mill (2006) reporta-se ao teletrabalho, ele quer dizer que este refere-se ao trabalho do trabalhador docente que exerce atividades de tutoria (tutor virtual).

Alguns aspectos desagradáveis do trabalho na EaD foram observados, como sobrecarga de trabalho, excesso de atividades, tempo para realizar as atividades, grande número de alunos ou tamanho das turmas e valor baixo pago por hora-aula (não foi explicitado nas produções o valor de remuneração dos entrevistados, mas na maioria das produções esse foi um ponto negativo apresentado na educação a distância).

Já Campos (2002) aborda a precariedade das condições e das situações de trabalho, apoiando-se em Daucé (1998); Hirata (1998) e Zarifian (2000), apontando que as relações formais de trabalho assalariado vêm cedendo espaço para as relações informais.

A pesquisa de Neves (2011) revelou algumas formas precárias de contratação e de condições de trabalho dos professores envolvidos em atividades na educação a distância em

instituições privadas, uma vez que não há um padrão de contratação. Foram identificadas

algumas situações “em regime de CLT, outras por nota fiscal ou por empresas terceiras que não as próprias instituições onde o serviço é prestado” (NEVES, 2011, p.107). Não existe uma regulação referente há horas, número de alunos e tempo de trabalho, cada instituição organiza conforme considera melhor. “Em algumas instituições, são contratados como funcionários/técnicos e não tem direito aos recessos docentes, a remuneração compatível, mas desenvolvem diariamente atividades docentes” (NEVES, 2011, p.91). Não recebem remuneração referente as horas-extras e sim, sujeitam-se ao banco de horas. Não possuem garantias sindicais e nem fazem parte da categoria profissional de professores.

Ainda segundo a autora supracitada, nos contratos de trabalho, percebe-se a ausência de informações como “número de alunos por turma, a forma de remuneração, despesas com equipamentos tecnológicos, garantias salariais e outros” (NEVES, 2011, p.151). Também constatou que o trabalho de tutoria muitas vezes tem sido realizado em condições de trabalho precárias e indesejáveis, e com autonomia limitada. Há flexibilidade no desenvolvimento do trabalho, podendo atender o aluno em qualquer lugar e horário, configurando-se essa flexibilidade como intensificação e precarização desse profissional.

Diante dos estudos de Campos (2002); Fidalgo (2010); Inez (2007); Mill (2006); Neves (2011); Oliveira, C., (2013) e Pinto (2010) pode-se reconhecer que a intensificação do trabalho é característica do modo de produção capitalista; a intensidade do trabalho é o aspecto central de disputas entre capital e trabalho; os trabalhadores estão diante de um

quadro de aumento da intensidade do trabalho, realizando atividades em um maior ritmo de trabalho; alguns trabalhadores estão inseridos em condições de trabalho representadas pela intensificação das relações, ritmos e processos de trabalho e intensificação durante os processos de avaliação.

Na obra de Pinto (2010), analisou-se o trabalho do professor de direito em uma escola

privada, mediado pelo Escritório Virtual (E.V)4, apresentando fatores em que transparece a intensificação do trabalho docente do advogado: “acúmulo de atividades laborais, dupla jornada de trabalho (docência e advocacia) e instrumentalidade racional da tecnologia”. A pesquisa constatou a intensificação do trabalho docente, promovidas e incentivadas pela racionalidade tecnológica no modo de produção. Percebe-se um desconforto dos professores no trabalho de enviar e receber correio eletrônico.

Todos os professores, sem exceção, ao acessarem o escritório virtual nos finais de semana evidenciam por um lado, a falta de resistência ante a intensificação do trabalho, e por outro, a confirmação de que o tempo de produção e tempo livre se entrelaçam de tal forma, impossibilitando a diferenciação ente estas e caracterizando a materialidade do sequestro da subjetividade (PINTO, 2010, p.94, grifos nosso).

Foi registrado por Campos (2002) um processo de intensificação nos ritmos de trabalho e uma forte intensificação e sobrecarga do trabalho docente, nas universidades e

faculdades particulares no âmbito da educação superior a distância mediadas por

tecnologias digitais. Os docentes “relataram aumento do número de alunos e maior complexidade nas relações pedagógicas individualizadas, nas correções e avaliações de trabalhos discentes”, além de expansão do “tempo cronológico de trabalho”, “acréscimo da demanda da disponibilidade e dedicação às atividades” (p.8,124). Alguns fatores estão associados a intensificação do trabalho, como: diversificação dos espaços de trabalho (trabalho em domicílio, em outras cidades e países, e até se em viagem; além do uso de fins de semana e períodos noturnos) e a elaboração de códigos de linguagem para traduzir e transmitir, de maneira eficaz e rápida a mensagem do ensino.

Para a mesma autora, a constatação desse conjunto causa uma perplexidade “de um lado, intensificação do trabalho, desregulamentação de jornada de trabalho e falta de um sistema compatível de remuneração, e, de outro, meios tecnológicos tão avançados, inclusive de controle. Não seria mais uma omissão frente à exploração do trabalho [...]” (p.210). __________________

4 “Cuida-se de um sistema com agregação de tecnologia informacional de alta complexidade e controle sobre o

Ao investigar as condições de trabalho docente no ensino superior na rede privada na

modalidade de educação a distância, Neves (2011) aponta para a intensificação dos

processos e relações de trabalho. Entende-se que os tutores virtuais enfrentam “intensificação do trabalho e dificuldade de associar número de alunos a carga horária de contrato”, além de sentimento de exploração profissional (p.54).

As produções de Fidalgo (2010), Pinto (2010), Neves (2011), Campos (2002), Inez (2007), Oliveira, C., (2013) e Mill (2006), de uma maneira geral, parecem compreender nos resultados das pesquisas, características e aspectos de intensificação do trabalho docente no ensino superior.

3.6.2 Precarização na formação de professores

A análise das produções permitiu identificar aspectos importantes inerentes à formação de professores, e referentes ao uso das tecnologias digitais e de comunicação. A temática formação de professores não é objeto de estudo da nossa pesquisa, mas consideramos importante destacar alguns apontamentos apresentados nas produções, uma vez que as condições de formação de professores podem indicar futuros problemas na organização e exercício do trabalho docente.

A vulnerabilidade na formação de professores quanto ao uso das TIC pode levar à reflexão de que problemas de intensificação do trabalho docente mediado pelo uso das TIC podem estar relacionados à falta ou déficit de conhecimento na formação como professor, e que pode influenciar na possibilidade de exploração da força de trabalho.

É perceptível a diversidade de instituições formadoras que se utilizam de diversas tecnologias, apesar de não incluírem em seus currículos disciplinas que formem os futuros licenciados para utilizar os recursos tecnológicos de informação e comunicação.

Em especial na pesquisa de Oliveira, C., (2013, p.7,89), foram analisadas as estruturas curriculares de dezenove cursos de licenciatura presencial da UFMG, no campus da Pampulha, evidenciando uma “defasagem dos conhecimentos sobre as TIC”; pouca oportunidade para os estudantes vivenciarem os usos das TIC em uma perspectiva crítica; “uma insuficiência, em termos de conteúdo e forma, na educação em tecnologias para o exercício futuro da docência”; a ausência de disciplinas que abordam a integração das TIC às práticas de ensino, na maioria dos cursos de licenciatura, e a “grande maioria das poucas disciplinas oferecidas tem caráter instável”, sendo oferecidas como optativas.

Ainda quanto ao resultado dessa pesquisa, foram evidenciados: “fragilidade da formação inicial relativa ao uso das TIC na educação”, refletindo a “precariedade da formação de licenciados”; pouca ocorrência de disciplinas “que, em seus ementários, tratam efetivamente das múltiplas possibilidades de utilização das TIC no processo de ensino aprendizagem de futuros-professores”; fragilidade no que diz recomendado para uma formação ideal de professores, “em uma perspectiva de uma educação tecnológica, crítica e emancipadora” e na maioria dos casos, quanto à inserção das TIC, consideram o seu uso “meramente instrumental e técnico” (p.90,100).

Consideramos que a preparação e formação dos professores são de grande importância para o modo de exercer o trabalho docente, uma vez que a educação está concentrada em um ambiente de mudanças globais e de expansão mundial, e que a fragilidade e a precariedade na formação e desenvolvimento profissional podem ocasionar problemas como intensificação, sobrecarga e exploração desses futuros profissionais. Dado que vai ao encontro ao que Garcia, C., (1999, p.145) refere: “[...] o desenvolvimento profissional dos professores está intrinsecamente relacionado com a melhoria das suas condições de trabalho, com a possibilidade [...] de maiores índices de autonomia e capacidade de acção dos professores individual e colectivamente”.

De forma em geral pode-se dizer que no contexto analisado, ainda é insuficiente a formação inicial de professores quanto ao uso de tecnologias de informação e comunicação. A ausência ou insuficiência de formação quanto ao uso das TIC e do seu potencial educativo pode justificar a carência de domínio das tecnologias, as formas inadequadas de uso, representando desafio e até dependência, e colaborando para a intensificação e sobrecarga do trabalho docente.