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5 PRIMEIRA ETAPA: DELINEANDO A VIOLÊNCIA CONTRA O

5.1 A SALIÊNCIA DOS DOCUMENTOS DAS ENTIDADES SINDICAIS

5.1.2 Preconceito e exclusão de grupos sociais

Comumente, a violência que atinge os grupos sociais manifesta uma afirmação do poder de um indivíduo sobre o outro e a conquista desse poder é o que motiva a sua prática. As ocorrências estão vinculadas a atitudes de discriminação, preconceito, da crise de autoridade ou da fraca capacidade demonstrada pelos dirigentes de criar mecanismos sociais justos e democráticos. Esta segunda categoria constituiu-se a partir do material veiculado pelas entidades sindicais em que aspectos da violência são relacionados ao preconceito racial, a violência contra a criança e o adolescente, bem como a violência contra a mulher. É interessante destacar que houve uma maior quantidade de artigos e notícias (52 documentos) vinculados a essas dimensões nos sites dos sindicatos analisados, evidenciando desde projetos realizados nas escolas, até questões legais e manifestações sociais sobre o assunto.

Ilustrando, a notícia publicada pelo APBL- Sindicato da Bahia em 2014 contava sobre uma gincana realizada em uma escola local em que os alunos foram designados a criar e compartilhar vídeos sobre preconceito racial. Ainda, o mesmo sindicato apresentou algumas atividades realizadas como palestras, apoio às cotas raciais e atividades relacionadas ao Dia da Consciência Negra. Como apontado, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2013, a Bahia ocupava o segundo lugar no ranking nacional com 76,3% cidadãos autodeclarados pretos e pardos. É o estado com o maior número de pessoas que se declararam pretas (17,1%).

Charlot (2005) indica que essa violência estrutural é legitimada através da violência institucional e simbólica cometida pela escola contra os seus alunos. Diferente da violência direta que choca e assusta, a violência simbólica pode passar de forma dissimulada no cotidiano da escola, atingindo os indivíduos que comumente são considerados minoria.

Para autores que compreendem a violência simbólica de acordo com o conceito tradicional proposto por Bourdieu e Passeron (1975), a ação pedagógica também pode ser tomada como tal, pois impõe um poder arbitrário

aos alunos. Esse poder arbitrário constitui-se na imposição da cultura dominante, elitista e branca, tida como correta e única passível de ser propagada, contribuindo assim para a manutenção e reprodução das divisões desiguais das classes sociais. [...] o sistema escolar cumpre uma função de legitimação cada vez mais necessária à perpetuação da “ordem social” uma vez que a evolução das relações de força entre as classes tende a excluir de modo mais completo a imposição de uma hierarquia fundada na afirmação bruta e brutal das relações de força. (BOURDIEU, 2001, p.311)

Os documentos analisados também sugeriram que a sala de aula pode ser um dos ambientes propícios para mudar esse cenário. Se na escola a criança aprende e vivencia a igualdade, sem estereótipos e desinformação, o processo educacional pode contribuir para alcançar ideais de cidadania e democracia para todas as etnias. Esses reflexos sociais em que a escola é tomada como importante espaço de mudança, são indiscutivelmente elementos marcantes em diversos documentos veiculados pelas instituições.

De maneira distorcida, esses dados também sugerem que a violência nas escolas brasileiras é decorrente de determinado grupo social, os mais pobres. Isso se confirma também nas veiculações sobre a violência em que apenas os sindicatos de professores da rede pública discutem e veiculam documentos com questões sobre violência. O público a que se destina as escolas dessa rede no Brasil compreende as características dos grupos sociais excluídos e marginalizados socialmente, pobres, negros e moradores de comunidades carentes, ou seja, um grupo estruturalmente excluído de uma possível ascensão escolar, a quem a continuação da escolaridade e altos postos de trabalho não se propõem.

Essa falta de sensibilidade dos sindicatos protetores dos professores da rede privada no tocante a violência poderia sugerir também que esse fenômeno dentro de instituições particulares de ensino não existiria, ou seria pormenorizado. No entanto, voltamos a afirmar que a violência não é característica de determinados grupos, ao contrário, ela atinge todas as classes sociais, em diferentes modalidades. Diante disso, reitera-se a importância de dar voz aos professores que não encontram respaldo sobre uma realidade cruel do seu cotidiano nas instituições protetivas de sua categoria.

Como afirmado no capítulo teórico, ao invés de considerar determinados grupos culpados pelas mazelas sociais, as pesquisas acadêmicas sobre a violência sugerem que essas questões são decorrência, principalmente, de uma desestrutura social e econômica, que gera desde a violência física até a violência simbólica. A discriminação e o preconceito racial desequilibram a sociedade e se refletem na violação de direitos e na falta de oportunidades que o brasileiro negro enfrenta no mercado de trabalho. Na literatura, a desigualdade social é apontada como um dos principais fatores que originam a violência social de maneira geral. Como sinaliza Wanderley (1999), a contradição de uma sociedade desigual pode contribuir para manifestações de violência física e ética.

Ainda nessa categoria, identificou-se outro grande bloco de discussão nos documentos veiculados: a violência contra a mulher. Um exemplo foi encontrado no site do SINPROESMMA, que em apoio à campanha nacional de combate à violência contra a mulher, produziu cartazes com intuito de fomentar o debate, bem como a realização de projetos sobre a violência contra as mulheres nas escolas públicas. Também, o APBL -Sindicato participou no dia 12 de agosto de 2015 da 5ª Marcha das Margaridas, a maior manifestação pelos direitos das mulheres do mundo.

A violência contra a mulher expressa a desigualdade das relações de poder entre homens e mulheres, relações estas muitas vezes respaldadas socialmente nos salários desiguais, no acúmulo de jornadas de trabalho das mulheres, na cultura do estupro, dentre outros fatores. Isso corrobora a colocação de Adorno (1988, p.3), para quem a violência dentre outras coisas, é “simultaneamente negação de valores considerados universais: a liberdade, a igualdade, a vida”.

Apoiada em aspectos tácitos e simbólicos muito fortes, a violência contra a mulher é respaldada pela coisificação do outro, o que pode levar a agressões físicas diretas como assassinatos, estupros e crimes de ódio. É concretizada nas transgressões dos valores humanos referentes à dignidade. Essa violência aqui tratada, agrega uma gama de elementos que se relacionam com elementos estruturais, simbólicos e políticos, envolvendo as questões da conjuntura econômica e social que explicariam a violência contra os grupos. Como indicado, as questões políticas das violências cometidas contra determinados grupos

sociais, trazem à tona as características da violência estrutural e das condições precárias da educação oferecida que contribui para a desigualdade entre os indivíduos e grupos (quando negros e mulheres tem menos participação política, quando ganham menos, quando ocupam cargos subalternos, etc).

Minayo (1994, p.8) caracteriza a violência estrutural como uma “violência gerada por estruturas organizadas e institucionalizadas, naturalizada e oculta em estruturas sociais, que se expressa na injustiça e na exploração e que conduz à opressão dos indivíduos”. Para a autora, a violência estrutural é tão difícil de ser identificada, que a sociedade de maneira geral não chega a considerá-la como uma violência e sim como deficiência das organizações políticas, dos governantes ou responsáveis pelo poder público.

A violência estrutural para Minayo (1994), semelhante aos postulados de Bourdieu (1975), é caracterizada pela atuação das classes, grupos ou nações econômicas ou politicamente dominantes, que utilizam leis e instituições para manter sua situação privilegiada, como se isso fosse “natural”. Refere-se às condições adversas e injustas da sociedade para com a população em situação de vulnerabilidade, sendo expressa pela miséria, má distribuição de renda, exploração, falta de condições mínimas para uma vida digna. Ainda, para a autora, numa sociedade em que existe a violência estrutural, existe sempre a promessa de igualdade aos direitos básicos dos indivíduos.

Os estereótipos de gênero são criados a partir da organização e construção social das relações estabelecidas entre mulheres e homens e a escola pode ser o espaço que pode reforçá-los ou questioná-los. A agressão doméstica extrapola as relações familiares e acaba identificando as mulheres como alvo de todo tipo de violência, seja ela física, psicológica ou simbólica. Não se deve desconsiderar que comportamentos aparentemente despretensiosos e inofensivos, de apelidos pejorativos a piadas ou palavras de baixo calão dirigidas às alunas, às professoras ou funcionárias da educação, possam subestimar sua capacidade intelectual e afastá-las das ciências. Tais comportamentos acabam por gerar situações que vão desde constrangimentos até a violência direta.

Além do preconceito contra grupos sociais e da violência contra a mulher citados anteriormente, caracterizou-se como último eixo a partir dos documentos veiculados, a divulgação de materiais contendo ideias e ações de combate à violência contra crianças e adolescentes. Esse tipo de violência é um fenômeno

histórico-social complexo e está presente em nossa história desde o processo da colonização, passando pela escravidão e pela sociedade patriarcal, em que a disciplina e o poder eram estabelecidos pelo autoritarismo, pela força e pela violência física. Apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente desaprovar o uso de castigos físicos na educação dos jovens, o uso da violência por familiares como forma de impor a autoridade ainda é empregado.

Como discutido, os castigos físicos e morais eram práticas disciplinadoras amplamente empregadas e aceitas socialmente. Com o passar do tempo, houve uma mudança significativa em relação à concepção da infância, do ensino e da aprendizagem, cujos aspectos biológicos e emocionais foram considerados como fundamentais no processo e os castigos físicos gradativamente foram caindo em desuso, sendo substituídos pelos de cunho moral.

Observou-se que as questões que atingem a violência contra a criança e os adolescentes são bastante complexas e contraditórias. De um lado, práticas de violência respaldadas socialmente, de outro, uma ideia progressista de respeito à individualidade do ser humano. De acordo com os documentos analisados, a família e a escola desempenham um papel fundamental na superação dos maus tratos cometidos contra os estudantes. As duas instituições podem contribuir para a reflexão do caráter mercantil que muitas vezes se atribui à educação, para o combate à violência contra crianças e adolescentes, bem como para o aumento do comprometimento e responsabilização do processo educativo. Ao passo que, também são agentes de violência contra este grupo.

Foram encontrados 31 documentos nos sites dos sindicatos tratando da problemática da violência contra o grupo em questão, além de notícias sobre projetos realizados nas escolas públicas que visavam combater a violência contra os jovens e adolescentes. Os textos abrangeram resoluções de conflitos, negociação de divergências, denúncia de casos de abuso e exploração infanto- juvenil, auxiliavam os estudantes a reconhecerem a violência contra eles, bem como tratavam de questões sobre a cooperação entre família e escola.

De acordo com Falsarella (2008) e Nogueira (2005), as novas configurações econômicas sugerem também modificações familiares. As famílias não estão em processo de desestruturação, mais do que isso, elas estão em processo de redefinição, dos laços familiares, das funções dos indivíduos no seio familiar, da divisão igualitária do sustento do lar entre os parceiros, dos

objetivos da função escolar para seus filhos, das novas configurações familiares, da diminuição da prole, entre outros aspectos.

Assim como afirmam as autoras, não considerar as novas configurações da família implica em uma falta de sintonia entre escola e família, entre professores e alunos. Em contrapartida, a redefinição do lugar do filho na família, compreendido na atualidade como objeto de afeto dos pais e não mais como possibilidade de mão de obra, também acarreta na mudança do papel educativo da própria família, na mudança de valores, condutas morais e saberes transmitidos para as crianças. Portanto, há um paradoxo em que a antiga família hierárquica, que traz uma forte carga simbólica, convive com uma família atual, igualitária, o que confere um descompasso entre o significado de respeito em relação à autoridade, à individualidade dos sujeitos e às questões de violência neste âmbito.

Nessa nova configuração familiar, principalmente observada nas famílias mais abastadas, os pais sentem-se intimamente responsáveis pelo sucesso ou fracasso das potencialidades das crianças, geralmente envolvidas em diferentes atividades: cursos de idiomas, danças, esportes, reforços escolares, etc. Os alunos de famílias menos favorecidas não ficam alheios a essas modificações, também nessa esfera há uma tentativa constante da equiparação entre as duas redes de ensino, a pública e a privada, assim como a garantia do acesso ao ensino superior da clientela dessa rede.

Dessa forma, apesar da violência estrutural já discutida sugerir o descaso social com as escolas, especialmente públicas, nos deparamos com um outro patamar apontando que as mudanças dos papéis das crianças e adolescentes nas famílias faz com que cresça a exigência por melhores escolas e melhores profissionais de ensino, modificando-se também as relações da escola e dos professores com os alunos e os pais de alunos. Isso serve para ilustrar a complexidade do fenômeno em questão, que, apesar de ter um aspecto comum compartilhado, segue em diferentes ramificações por vezes contraditórias.